29/03/2025 - 8:00
O lançamento da Missão Centenário, que tornou o senador Marcos Pontes (PL-SP) o primeiro brasileiro, sul-americano e lusófono a ir ao espaço, completa 19 anos neste sábado, 29. Ao todo, o astronauta passou cerca de dez dias fora da Terra e realizou experimentos na ISS (Estação Espacial Internacional).
A Missão Centenário, que recebe este nome pela comemoração de 100 anos do voo de Alberto Santos Dumont no 14-bis, foi lançada em março de 2006 do Centro de Lançamento Baikonur, no Cazaquistão, em uma parceria entre a AEB (Agência Espacial Brasileira) e a organização russa Roscosmos.
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Em entrevista, o brasileiro relembra que precisou fazer o treinamento para a missão em apenas cinco meses e confessa que “até gostaria” de ter ficado “preso” na ISS por nove meses, como os astronautas da Boeing, para aproveitar mais o tempo no espaço.
Antecedentes da Missão Centenário
O astronauta Marcos Pontes, que hoje atua no Senado Federal, conta que integrava a FAB (Força Aérea Brasileira) quando foi selecionado para treinamento na Nasa em 1998. O curso levou dois anos e, ao fim de 2000, o brasileiro já poderia ser escalado para missões espaciais.
Pontes conta que enquanto não era escolhido para um voo, atuava em outras áreas da Nasa. “Eu fui chefe da parte de software da Estação Espacial Internacional, membro da equipe de procedimentos e depois assumi toda a parte de ensaios de conexão de módulos”, explica o astronauta.
O brasileiro relembra que estava prestes a ser escalado para voo em 2003, mas foi impedido de viajar ao espaço por conta do acidente do ônibus espacial Columbia, que paralisou por dois anos o programa espacial dos EUA. “Nesse meio do caminho, alguns astronautas começaram a ser mandados para a Rússia para voar com os russos, parceiros principais da Estação Espacial. Eu fui um deles”, comenta Pontes.
Treinamento na Rússia
Segundo o astronauta, o convite para voar com os russos ocorreu em 2005. Por ter apenas o conhecimento dos sistemas espaciais americanos, Pontes precisou fazer um treinamento em cinco meses. “Tinha que bater o recorde para aprender. Fiquei feliz de ser escalado”, aponta o brasileiro, acrescentando que também foi necessário fazer um curso de idiomas.
O senador ressalta que a maior parte do treinamento é de técnica, envolvendo montar e desmontar sistemas, medicina de emergência e robótica. Ainda, o curso envolve avaliações psicológicas e emocionais, médicas e condicionamento físico.
Às 23h30 do dia 29 de março de 2006, no horário de Brasília, ocorreu o lançamento da espaçonave Soyuz TMA-8 do Centro de Lançamento Baikonur, no Cazaquistão. Pontes estava na espaçonave acompanhado do astronauta Jeffrey Williams, da Nasa, e do cosmonauta russo Pavel Vinogradov.

Vida na ISS
Após a chegada na ISS, o astronauta brasileiro passou a se adaptar às condições espaciais, como a alimentação e os efeitos da microgravidade. “É como se você estivesse comendo de cabeça para baixo. Isso faz com que você se sinta sempre de estômago cheio.”
Ao longo do dia, o comandante da ISS é responsável por chamar a tripulação para o café da manhã, almoço e jantar. “É importante essa junção para manter a estabilidade emocional“, aponta Pontes, acrescentando que os alimentos perdem o gosto pelas alterações no senso de paladar e olfato.
Na hora de dormir, Pontes relembra que era preciso entrar em um saco de dormir e amarrá-lo em alguma estrutura para que o fluxo de ar da ISS não o levasse para outro ponto da estação. “Quando eu deitava eu conseguia ver a Terra”.
“Por um lado é maravilhoso, você está dando uma volta na Terra a cada 90 minutos. […] Tem muita coisa para ver. Aí tem o problema para dormir. Eu ficava ali tirando foto. Dormia na verdade umas duas horas por dia”, comenta o astronauta.
Para ir ao banheiro, os tripulantes usam um vaso com sistema de sucção. Posteriormente, os dejetos são descartados em uma carga que deixa a ISS e queima na atmosfera. Conforme o brasileiro, a urina dos astronautas é recolhida, passa por um sistema de filtragem e volta como água para ser consumida.
Experimentos fora da Terra
Na Missão Centenário, foram levados à ISS oito experimentos brasileiros para serem conduzidos no espaço, mas Pontes explica que não foi ele quem realizou todas as pesquisas do País já que a agenda de tarefas é definida pelo controle de missão. “Tentei fazer a maior parte que eu pude.”
Conforme o brasileiro, o plano era que dez experimentos fossem conduzidos no espaço, mas dois da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) não puderam ser levados, já que precisavam de um forno especial que a ISS não possuía.
Pontes afirma ter como preferido um experimento da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) com “mini tubos” de carbono que funcionavam como uma fibra óptica para transferir temperaturas. “Pensa em uma ‘fibra’, você conecta uma parte em uma fonte quente e ela transmite o calor para a outra extremidade”, comenta o senador.
De acordo com o astronauta, o estudo tinha aplicações na ISS e na Terra, como em asas de aviões e em fornos de padarias. “Estou dando esses exemplos porque muitas coisas que a gente faz no espaço acabam sendo utilizadas aqui no dia a dia”, ressalta Pontes.
“Gostaria de ficar lá nove meses”
Na Nasa, Pontes fez o treinamento na mesma turma de Sunita Williams, astronauta que ficou “presa” no espaço por nove meses após uma falha em um foguete da Boeing. O brasileiro confessou que “até gostaria” se algo similar acontecesse e ele tivesse que passar mais tempo na ISS. “Não uma coisa catastrófica”, brincou o senador.
“Eu gosto das atividades que eu tenho no Senado e tive como ministro. Agora, você sempre fica pensando: ‘Quando é que eu vou voltar ao espaço?’”, revela Pontes, ressaltando que ainda está na linha de voo, faz exames médicos regulares e quer retornar a estar em missões espaciais. O brasileiro explica que sua possibilidade de sair da Terra novamente é no programa Artemis, da Nasa.
“Se tivesse algum tipo de situação para eu ficar mais tempo, eu ia gostar. […] Eu gostaria de ficar lá três, seis, nove meses”, afirma Pontes. Apesar disso, o astronauta lembra que um longo período fora da Terra traz problemas de saúde, já que os corpos de tripulantes da ISS estão sujeitos a radiação e perda de densidade óssea e muscular com a microgravidade.
Efeitos da viagem ao espaço no corpo
De acordo com Pontes, o corpo sofre com a vibração do lançamento de uma espaçonave e pela força G. Enquanto na ISS, a aparente falta de gravidade resulta na redistribuição de líquidos. “Alguns sistemas nossos, quando você chega lá, eles não funcionam bem”, explica o astronauta, citando o sistema vestibular, responsável pelo equilíbrio, como exemplo.
“Vai ter aumento da pressão do olho. No começo, demora uns três dias para se adaptar, muita dor de cabeça, coriza”, cita o brasileiro, acrescentando que o corpo fica desidratado como consequência da alteração dos líquidos.
Segundo o senador, os astronautas precisam tomar cuidado no momento da volta da ISS. “O primeiro cuidado é não levantar rápido senão vai desmaiar”, afirma Pontes. Outros problemas envolvem a coluna se estender como consequência da microgravidade.
Marcos Pontes relata que sua audição sofreu com os efeitos do espaço, já que o corpo começou a atacar a parede do ouvido acreditando que havia uma infecção na estrutura. O senador comenta que seu canal auditivo começou a fechar já que cada ação do sistema imunológico gera uma camada de pele de cicatriz.
Legado da Missão Centenário
Para Pontes, sua ida ao espaço trouxe, além de novos conhecimentos científicos, como o uso de “mini tubos” de carbono, um incentivo para a carreira de muitos brasileiros. “Isso para mim é o maior legado”, conclui, acrescentando que a missão também deu a ele uma projeção pública que possibilitou sua entrada na política.
**Estagiário sob supervisão