04/12/2024 - 16:32
Deputados de esquerda e ultradireita se unem e aprovam moção contra primeiro-ministro Michel Barnier, aliado de Macron há menos de 100 dias no cargo. Queda aprofunda crise política em momento econômico tensoDeputados de esquerda e da ultradireita se uniram nesta quarta-feira (04/12) para derrubar o governo do conservador primeiro-ministro francês, Michel Barnier, que assumiu o cargo há menos de 100 dias, aprofundando a crise política que vem castigando a segunda maior economia da União Europeia (UE).
Barnier enfrentava duas moções de censura na Assembleia Nacional (câmara baixa), após seu governo usar um controverso mecanismo constitucional para contornar o Parlamento e forçar a aprovação de uma lei orçamentária.
Para que as moções fossem aprovadas, eram necessários o voto de pelo menos 289 dos 577 deputados. A primeira moção, apresentada pela esquerda, acabou sendo aprovada com 331 votos.
Antes da votação, o primeiro-ministro conservador fez um apelo à “responsabilidade” dos deputados para que eles não derrubassem o governo, em um momento econômico tenso para o país.
O presidente Emmanuel Macron, que promoveu a criação do governo de Barnier, também fez apelos similares, sem efeito. “O interesse do país é mais importante que o interesse dos partidos”, disse na terça-feira o presidente francês, Emmanuel Macron, durante uma visita oficial à Arábia Saudita.
Mas os apelos não tiveram efeito. “Chegamos ao momento da verdade”, disse Marine Le Pen, líder do partido de ultadireita Reunião Nacional (RN), que se voltou contra Barnier nos últimos dias. “Ficou claro que você está apenas liderando um governo sem legitimidade democrática”, acrescentou Le Pen a Barnier durante os debates que precederam a votação.
“Hoje, defendemos a democracia”, disse após a votação a deputada Mathilde Panot, líder da bancada do partido de esquerda A França Insubmissa (LFI) na Assembleia Nacional. Ela ainda refutou as previsões de “caos” evocadas pelo campo macronista caso a moção fosse aprovada. “O caos não somos nós, foi Emmanuel Macron durante sete anos”, disse ela.
“A censura inevitável ocorreu. Mesmo com um Barnier a cada três meses, Macron não durará três anos”, escreveu por sua vez na rede X o fundador da LFI, Jean-Luc Mélenchon.
Apesar da queda do governo Barnier, a permanência de Macron não será diretamente afetada. O mandato do presidente vai até 2027.
No sistema semipresidencialista da França, o presidente e os membros do governo são eleitos separadamente. Um presidente depende de um primeiro-ministro aceito pelo Parlamento para assegurar a governabilidade.
Agora, Banier deve continua no cargo limitado a cuidar de “assuntos correntes do Estado” até Macron indicar um sucessor.
Macron pode, em tese, até mesmo nomear Barnier novamente como premiê. Mas é provável que ele escolha outro nome. No entanto, deve ser uma tarefa difícil formar um novo governo estável.
A distribuição no Parlamento, atualmente hostil ao presidente, vai permanecer a mesma, já que Macron não pode convocar eleições legislativas antecipadas até meados de 2025. A queda de Barnier também deve reforçar pedidos entre a oposição pela renúncia de Macron – algo que ele já avisou que não pretende fazer.
Barnier, o breve
Com menos de cem dias no poder, o governo de Barnier deve ser o mais curto da Quinta República francesa, que começou em 1958. É também apenas o segundo a cair por causa de uma moção de censura, depois da administração de Georges Pompidou em 1962, quando Charles de Gaulle era presidente.
Para além dos recordes negativos, a queda do governo Barnier deve aprofundar a crise política que o país enfrenta desde 2022, quando Macron perdeu sua maioria na Assembleia Nacional.
Em junho, tentando romper o impasse que paralisava o parlamento, Macron surpreendeu o país e antecipou as legislações legislativas, que estavam previstas apenas para 2027. Ao dissolver o parlamento, Macron justificou a decisão afirmando que ela necessária para que “a França tivesse uma maioria clara” na esteira da vitória da ultradireita nas eleições para o Parlamento Europeu na França.
A convocação das eleições surpreendeu até mesmo aliados do presidente. No final, os resultados não foram o que o presidente esperava e as consequências foram mistas.
Em vez de recuperar sua maioria, perdida em 2022, o centrista Macron viu as bancadas da esquerda e da ultradireita crescerem, mas sem que nenhuma conquistasse maioria. Houve, no entanto, alívio que a ultradireita tenha se saído pior do que indicavam pesquisas iniciais.
Já o grupo centrista do presidente perdeu cadeiras. E a convocação das eleições também travou o quadro por pelo menos um ano, já que a Constituição veda a convocação de um novo pleito por esse período.
No final, as novas eleições resultaram em uma Assembleia ainda mais fragmentada e o parlamento se dividiu em três blocos aparentemente irreconciliáveis: esquerda, centro-direita e extrema direita.
A Nova Frente Popular (NFP) – coalizão de socialistas, comunistas, ambientalistas e integrantes da esquerda radical – terminou as eleições com o maior número de deputados, mas também sem contar com maioria na Assembleia Nacional, e Macron se recusou a escolher um premiê indicado pela aliança de esquerda.
Quase dois meses depois, Macron acabou nomeando Barnier, ex-negociador europeu para o Brexit, como primeiro-ministro, em nome da “estabilidade”, irritando a esquerda.
Ao ser indicado, Barnier só conseguiu garantir o apoio da aliança de centro-direita de Macron e de seu próprio partido conservador, Os Republicanos (LR), formando um governo de minoria. Dessa forma, sua sobrevivência passou a depender da líder de ultradireita Marine Le Pen, que nesta semana finalmente decidiu pela queda.
Disputa sobre Orçamento e uso de artigo controverso precipitaram queda
A negociação dos orçamentos para 2025 foi o gatilho da moção de censura. Macron havia nomeado Barnier em 5 de de setembro para dirigir o Executivo francês e lidar com um rombo cada vez maior nas contas públicas.
No entanto, seu pacote de austeridades, com 40 bilhões de euros em cortes e 20 bilhões de euros em aumentos de impostos, foi amplamente criticado, aumentando as tensões na câmara baixa francesa.
Marine Le Pen acusou Barnier de ignorar as demandas de seu partido nas negociações sobre o orçamento. “Todos devem assumir suas responsabilidades”, disse.
Barnier cedeu em três das quatro “linhas vermelhas” traçadas pela líder da ultradireita: eliminou um imposto sobre a eletricidade, cortou a ajuda médica a imigrantes ilegais e manteve subsídios a vários medicamentos.
No entanto, recusou uma última imposição – o adiamento do aumento das pensões para o meio ano para conter a inflação.
A essa altura, Barnier já tinha tomado a decisão de avançar sem votação parlamentar, invocando o controverso artigo 49.3 da Constituição, que dispensa a votação parlamentar para aprovar uma lei, mesmo que isso colocasse o seu governo sob risco de uma moção de censura. Nesta quarta, em debate na Assembleia Nacional, Barnier disse que sua queda não faria os problemas orçamentários do país desaparecerem.
Além do orçamento, os partidos jogam suas cartas para 2027, quando os franceses terão que votar para escolher o sucessor de Macron, que chegou ao poder em 2017 e não pode ser reeleito após completar seu segundo mandato.
No momento em que a maioria dos franceses considera Macron o responsável pela situação atual e com sua popularidade em baixa, cada vez mais vozes pedem a renúncia do chefe de Estado para superar a crise, uma opção que o presidente chamou na terça-feira de “ficção política”.
Le Pen aparece em uma posição de destaque nas pesquisas para alcançar a presidência, mas a Justiça pode frustrar o sonho da líder de ultradireita se, em 31 de março, decidir inabilitá-la de atividades políticas por cinco anos, como solicitou o Ministério Público em um caso que envolve acusações de desvio de fundos no Parlamento Europeu.
jps (AFP, ots, DW)