06/11/2025 - 19:25
Tema mobiliza Congresso e governadores após operação contra CV no Rio, mas polarização excessiva pode travar avanços. Enquanto governo promove PEC da Segurança, oposição quer enquadrar facções como grupos terroristas.Na semana em que o Brasil abre a COP30, em Belém, com holofotes internacionais voltados à crise climática, a atenção do Congresso está direcionada para outro lugar: segurança pública. O estopim foi a operação contra o Comando Vermelho no Rio de Janeiro, a mais letal da história do estado, e as tentativas de governo federal e oposição para reagir, cada qual à sua maneira, ao problema que hoje mais aflige os brasileiros.
O Palácio do Planalto acelerou a tramitação de sua PEC da Segurança Pública e enviou ao Congresso um projeto de lei antifacção. Já a oposição quer aprovar um projeto que equipara as facções criminosas a terroristas e usar a CPI do Crime Organizado, instalada na terça-feira, para desgastar o governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Governadores de direita de sete unidades da Federação, que reúnem 106 milhões de pessoas, metade da população brasileira, também se uniram para lançar um “consórcio pela paz” – que serviria para coordenar esforços para combater o crime organizado – e criticar a PEC da Segurança Pública proposta pelo Planalto.
Fazem parte desse grupo os líderes de Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL); São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos); Minas Gerais, Romeu Zema (Novo); Santa Catarina, Jorginho Mello (PL); Mato Grosso do Sul, Eduardo Riedel (Progressistas), Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil); e Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB). Desses, Tarcísio e Zema são possíveis candidatos ao Planalto em 2026.
Caiado disse que a PEC iria “interferir diretamente na autonomia dos estados”. Já Tarcísio afirmou que a medida “não serve para muita coisa, pra não dizer que ela não serve para nada”, e Zema, que “o governo federal não abriu os olhos”.
Sem consenso mínimo, avançar é difícil
O clima conflagrado entre governo e oposição não é bom sinal para a busca de soluções para o problema da segurança pública, diz à DW o sociólogo Luis Flávio Sapori, professor da PUC Minas e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).
“Enquanto não formos capazes de, politicamente, definir um consenso mínimo, a fragmentação de propostas e ideias e os maniqueísmos ideológicos vão impedir que avancemos nas políticas públicas”, afirma. “O Brasil tende a ficar oscilando entre soluções baseadas no ‘bandido bom é bandido morto’ ou na visão simplista de que o bandido é uma mera vítima da sociedade.”
A PEC inscreve na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), atribui ao governo federal a competência para estabelecer suas diretrizes gerais, amplia a competência da Polícia Federal e expande a Polícia Rodoviária Federal para atuar também em ferrovias e hidrovias, entre outros pontos.
Sapori considera que incluir o SUSP na Constituição, como proposto pela PEC, não é em si um requisito para implementar o sistema, previsto desde 2018 em lei federal, mas que não deixa de ser positivo fortalecer a obrigatoriedade de União, estados e municípios cooperarem na política de segurança pública.
Ele pontua que um dos artigos da PEC, criticado pelos governadores da oposição, dá à União a competência para definir as diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública, e considera “simples resolver esse problema”: incluir no texto que isso será feito em cooperação com estados e municípios.
Já o outro argumento dos governadores da oposição, de que a PEC retira autonomia dos estados, não se sustenta e decorre da excessiva politização do debate, afirma. “A PEC garante a prerrogativa dos governadores sobre a atuação de suas polícias. Ela não diz que as polícias estaduais vão se submeter a decisões do Ministério da Justiça e Segurança Pública, nem que a Polícia Federal vai coordenar todo o enfrentamento ao crime no Brasil”, diz.
O analista criminal Guaracy Mingardi, membro do FBSP, afirma também não ter visto na PEC riscos à autonomia dos governadores. “Eles seguirão no comando da Polícia Civil, da Polícia Militar e da Polícia Científica”, diz. Outros pontos positivos da PEC, segundo ele, são a estruturação das guardas municipais, que passariam também a se submeter ao controle externo do Ministério Público, e a proibição de contingenciamento de recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública.
Governo Lula defende padronização nacional
À DW, Marivaldo Pereira, secretário Nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, classifica o argumento da oposição sobre interferência do governo federal nas polícias estaduais como “falácia” e diz que o texto atual da PEC afirma “expressamente” que isso não irá acontecer.
Já sobre a competência para definir as diretrizes da política nacional sobre o tema, ele sustenta que isso é papel tradicional da União no modelo federativo e que as decisões seriam tomadas ouvindo os secretários de segurança estaduais, “como já é feito hoje no Ministério da Justiça”.
Ele cita como exemplo da importância da definição de diretrizes nacionais a padronização dos termos usados no registro de crimes. “Temos situações de fato que são registradas nas delegacias dos estados de formas distintas. Quando você encontra um cadáver, alguns estados registram como homicídio, outros como encontro de cadáver. Como você faz política pública assim?”, questiona.
Pereira cita também que em 2012, durante o governo Dilma Rousseff, foi criado o Sistema Nacional de Informações e Estatísticas de Segurança Pública (Sinesp), mas hoje só há 14 estados totalmente integrados ao sistema. “É importante que a União padronize o que precisa ser padronizado, para que consigamos falar a mesma linguagem, construir política pública e aferir os resultados”, diz.
Ele vê no momento uma “politização muito grande” da questão que não é “saudável”, e critica os governadores de oposição que se reuniram para lançar o “consórcio pela paz”. “A grande novidade daquela reunião foi uma proposta de integração, exatamente a integração que está prevista na PEC contra a qual todos eles se levantaram durante a tramitação”, afirma, acusando-os de “não querer solucionar o problema da política pública, mas fazer a disputa política com foco em 2026”.
E as outras medidas em discussão?
Além da PEC da Segurança Pública, o governo federal encaminhou na sexta-feira ao Congresso o projeto de lei antifacção, que cria um tipo penal de “organização criminosa qualificada” e endurece as penas para integrantes de facções como o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho quando há controle territorial.
Sapori, da PUC Minas, considera essa iniciativa “um dos mais importantes avanços legais criminais penais do Brasil nos últimos 15 anos”, pois a atual Lei de Organizações Criminosas, de 2013, não seria mais capaz de oferecer ao poder público instrumentos efetivos para enfrentar as fações.
“O projeto define com mais clareza organizações criminosas qualificadas com domínio territorial, define mecanismos legais para a polícia fazer infiltração em organizações criminosas, aumenta a capacidade do poder público fazer apreensão de bens de criminosos e de facções”, diz.
Já o projeto que equipa as fações a grupos terroristas é criticado por Sapori. Segundo ele, crime organizado tem interesses econômicos, não motivações ideológicas, e classificá-lo como terrorismo envolveria de forma indesejada as Forças Armadas no combate a um suposto inimigo interno. Além disso, ele diz que isso sinalizaria que o “inimigo da nação” poderia ser alvo de execuções sumárias, transformando a ação ocorrida no Rio em referência para todo o Brasil – um modelo, diz, que “não funciona”.
Mingardi acrescenta que classificar traficantes como terroristas teria pouco potencial de desmobilizá-los da atividade – “eles sabem que a chance de serem pegos é pequena” – e abriria outra questão: “o pessoal do mercado financeiro e lavadores de dinheiro envolvidos no tráfico também seria tratados como terroristas, ou seriam só aqueles mais pobres e que usam armas?”
Sobre a CPI do Crime Organizado, Sapori considera que ela traz risco de acirramento da polarização política no tema da segurança. No entanto, diz que o comando da comissão, presidida por Fabiano Contarato (PT-ES) e relatada por Alessandro Vieira (MDB-SE), ambos ex-delegados da Polícia Civil, não está radicalizado e, a depender da condução dos trabalhos, pode acabar contribuindo para a construção de um consenso mínimo entre oposição e governo
Mingardi também considerou boas as escolhas para a mesa da CPI. O Espírito Santo, estado de Contarato, “tem um histórico razoável na questão do combate ao crime”, e o fato de o relator ser do MDB favorece uma “contraparte” no trabalho da comissão.
E de quem é a responsabilidade sobre o atual estado das coisas? Para Sapori, todos os governos federais desde a democratização têm parte nisso. Os governos petistas, avalia, tiveram dificuldade em pensar em planos de segurança pública pois tendiam a tratar a repressão ao crime como um problema de “viés ideológico da direita” e se pautar pelo “discurso de desencarceramento”.
Por outro lado, ele considera que o governo Jair Bolsonaro foi “um fiasco” na segurança pública, pautado apenas pela lógica de distribuição de mais armas à população, e, “ao contrário do que se imaginava”, não foi capaz de implementar uma política firme e consistente de enfrentamento ao crime.
