19/12/2025 - 12:24
Abandonando políticas de diversidade anteriores, Agência de igualdade dos EUA lança agenda “antiwoke” para instar homens brancos a denunciarem se foram “discriminados” no trabalho e a buscar indenização.O governo do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a incentivar homens brancos a registrar queixas de suposta discriminação no local de trabalho, na mais recente investida de sua campanha para eliminar políticas de diversidade, equidade e inclusão (DEI, na sigla em inglês).
“Você é um homem branco que sofreu discriminação no trabalho com base em sua raça ou sexo?”, escreveu Andrea Lucas, presidente interina da Comissão de Igualdade de Oportunidades de Emprego (EEOC), em postagem no X na quinta-feira (18/12). “Você pode ter direito a uma indenização de acordo com as leis federais de direitos civis.”
“A EEOC está comprometida em identificar, combater e eliminar toda discriminação racial e sexual – inclusive contra funcionários e candidatos a emprego do sexo masculino brancos.” A postagem incentivava os trabalhadores a entrarem em contato com a agência “o mais rápido possível” e direcionava os usuários para um link com mais informações sobre “discriminação relacionada à DEI”.
A EEOC é uma agência federal criada pela Lei dos Direitos Civis de 1964 para combater o sexismo e o racismo no local de trabalho. A lei, originalmente, buscava combater a segregação de pessoas afro-americanas em ambientes de trabalho.
Agenda “antiwoke” de Trump
Desde seu retorno à Casa Branca em janeiro, Trump tem trabalhado para desmantelar os programas de diversidade, equidade e inclusão em todo o governo federal e ameaçado empresas que praticam tais políticas.
Trump revogou as políticas de ação afirmativa de administrações anteriores e a EEOC passou a destacar a “discriminação relacionada à DEI” em seu portal de internet.
Muitos programas de DEI criados para apoiar minorias que foram vítimas de discriminação são atualmente rotulados como woke e, portanto, considerados inaceitáveis pelos conservadores americanos.
O termo woke, que pode ser traduzido como “acordado”, se refere a pessoas com conscientização elevada sobre discriminação racista e sexista, desigualdade social e temas semelhantes, mas é também usado de forma pejorativa pela direita dos EUA. Em 2024, o bilionário de extrema direita Elon Musk popularizou a expressão “vírus da mente woke”.
Sob a gestão de Lucas, a comissão também combate o que chama de discriminação contra trabalhadores norte-americanos.
“Muitos empregadores têm políticas e práticas que preferem imigrantes ilegais, trabalhadores migrantes ou trabalhadores temporários não imigrantes (portadores de visto de trabalhador temporário) a trabalhadores americanos, em violação direta da lei federal trabalhista”, disse Lucas em comunicado divulgado no mês passado.
Apoio de J.D Vance à iniciativa
O apelo de Lucas aos homens brancos foi compartilhado em uma postagem do vice-presidente americano, J.D. Vance . Ele incluiu um artigo de um roteirista de Hollywood, que alegou ter tido trabalhos recusados por ser um jovem branco.
Vance escreveu que o conceito de DEI “foi um programa deliberado de discriminação, principalmente contra homens brancos”.
Lucas concordou com a declaração, dizendo que Vance estava “absolutamente certo”. “Precisamente porque essa discriminação generalizada, sistêmica e ilegal prejudicou principalmente homens brancos, as elites não apenas a ignoraram; elas a celebraram”.
De acordo com um estudo da Universidade de Massachusetts Amherst, a proporção de trabalhadores afro-americanos que registram queixas na EEOC é 195 vezes maior do que entre os brancos. No ano passado, as mulheres receberam, em média, 85% do que os homens ganharam, segundo dados do Centro de Pesquisas Pew.
“Má compreensão” sobre o que é DEI
No início de 2025, a EEOC, juntamente com o Departamento de Justiça dos EUA, emitiu dois documentos de “assistência técnica” tentando esclarecer o que poderia constituir “discriminação no trabalho relacionada a DEI” com orientações sobre como os trabalhadores podem apresentar queixas sobre tais preocupações.
Os documentos criticavam amplamente práticas como treinamento, grupos de recursos para funcionários e programas de bolsas de estudo, alertando que tais programas – dependendo de como são estruturados – podem infringir a Lei dos Direitos Civis, que proíbe a discriminação no emprego com base em raça e gênero.
Esses documentos foram criticados por ex-comissários da agência que os classificaram como enganosos, ao retratarem as iniciativas de DEI como juridicamente complexas.
David Glasgow, diretor executivo do Centro Meltzer para Diversidade, Inclusão e Pertencimento da Faculdade de Direito da NYU, disse que as postagens mais recentes de Lucas nas redes sociais demonstram um “mal-entendido fundamental sobre o que é DEI”.
“Trata-se muito mais de criar uma cultura na qual você extrai o máximo de todos que contrata, onde todos vivenciam justiça e igualdade de oportunidades, incluindo homens brancos e membros de outros grupos”, explicou.
Homens brancos sobrerrepresentados
O Centro Meltzer monitora processos judiciais que provavelmente afetarão as práticas de DEI no local de trabalho, incluindo 57 casos de discriminação. Embora haja casos isolados em que isso ocorra, Glasgow disse que não viu “nenhuma evidência sistemática de que homens brancos estejam sendo discriminados”.
Ele apontou que os CEOs das empresas da Fortune 500 – a lista da revista Fortune que relaciona as 500 maiores empresas dos EUA – são, em sua grande maioria, homens brancos e que, em relação à sua participação na população, esse grupo demográfico é sobrerrepresentado entre as principais lideranças empresariais, no Congresso e em outros setores.
“Se o DEI tem sido esse motor de discriminação contra homens brancos, devo dizer que não tem feito um bom trabalho nesse sentido”, ironizou Glasgow.
Queixas de pessoas trans ignoradas
Jenny Yang, ex-presidente da EEOC e agora sócia do escritório de advocacia Outten & Golden, disse que é incomum e problemático que a chefe da agência destaque um grupo demográfico específico para a aplicação das leis de direitos civis.
“Isso sugere algum tipo de tratamento prioritário”, disse Yang. “Não me parece igualdade de oportunidades para todos.”
Ela ressalta que, ao mesmo tempo, a agência fez o oposto com os trabalhadores transgêneros, cujas queixas de discriminação foram despriorizadas ou completamente arquivadas. Isso é corroborado por relatos na imprensa americana que indicam que a EEOC parou de investigar denúncias de discriminação no local de trabalho contra pessoas trans, que têm sido um dos alvos preferenciais do governo Trump .
A EEOC tem recursos limitados e, portanto, deve priorizar quais casos investigar. Mas tratar as acusações de forma diferente com base na identidade dos trabalhadores vai contra a missão da agência, criticou Yang.
“Me preocupa que esteja sendo transmitida a mensagem de que a EEOC só se importa com alguns trabalhadores e não com outros”, afirmou.
rc (AFP, ots)
