Entre as mais recentes aplicações desse material estão a resistência a disparos de armas e a propriedade de separar prótons de elétrons, crucial para a energia limpa.

 

Um dos mais versáteis materiais já descobertos, o grafeno abre tantas possibilidades de utilização que é difícil passar muito tempo sem que apareça alguma novidade importante sobre o seu aproveitamento. “Quase toda semana surge um laboratório ou universidade com algum protótipo ou resultado incrível”, afirma Andrea Ferrari, pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e presidente do Graphene Flagship, um bilionário projeto dedicado ao material criado pela União Européia em 2013.

Um dos mais estudos mais recentes sobre essa superforte e ultrafina forma de carbono com apenas um átomo de espessura, publicado na revista Science no fim de 2014, interessa particularmente a forças militares e de segurança: um estudo americano revelou que o grafeno é bem mais resistente do que os melhores materiais usados em couraças e armaduras contra disparos de armas.

Jae-Hwang Lee e seus colegas da Universidade Rice, em Houston, fizeram testes de balística para medir a reação do material a tiros com microbalas de sílica à velocidade de 3 quilômetros por segundo (três vezes a de uma bala disparada por um rifle M16). Os cientistas usaram entre 10 e 100 camadas sobrepostas de grafeno – que, juntas, não são mais grossas do que um fio de cabelo – e calcularam a diferença da velocidade das balas antes e depois de atingir o alvo, correspondente à força recebida pela substância.


Maria Sharapova usa raquetes ultraleves de grafeno

“Se um material causa uma grande mudança na energia cinética de um projétil, ele pode ser mais vantajoso para o uso em proteções contra balas”, afirma Lee, atualmente professor do Departamento de Engenharia Mecânica e Industrial da Universidade de Massachusetts-Amherst. Foi o que aconteceu: as camadas do grafeno dissiparam a energia cinética esticando-se em forma de cone após o ponto de impacto e depois se partiram em várias direções. Mesmo com a quebra, a resistência do material foi duas vezes maior do que a do kevlar, a fibra sintética usada em coletes à prova de bala, e dez vezes maior do que a do aço. 

Vale sublinhar que a experiência foi feita com camadas que, juntas, tinham espessura ínfima. Acrescentar centenas de outras camadas deverá impedir que as fissuras causadas pelos tiros se espalhem, imaginam os pesquisadores. “Espero que superarmaduras comerciais de grafeno sejam viáveis dentro de uma década”, afirma Lee.

Filtro de prótons

Alguns dias antes da divulgação do estudo da Universidade Rice, uma pesquisa da Universidade de Manchester (Inglaterra) apresentada na revista Nature mostrou que o grafeno pode separar com muita eficiência os prótons (partículas atômicas de carga positiva) dos elétrons (partículas de carga negativa).

Uma equipe liderada pelo físico holandês Andre Geim (cujas descobertas sobre o grafeno levaram-no a conquistar, com o colega Konstantin Novoselov, o Nobel de Física de 2010) criou uma experiência na qual uma folha simples de grafeno foi colocada entre dois materiais condutores de prótons. Pelo que se sabia, quando a voltagem fosse aumentada não deveria haver corrente de prótons fluindo, já que uma nuvem de elétrons impediria a passagem dessas partículas. Mas foi registrada uma corrente.

Segundo o principal autor do estudo, Marcelo Lozada-Hidalgo, apesar da barreira formada pela nuvem de elétrons, “existem áreas onde [a folha] é muito, muito fina”. Nesses pontos, os prótons se espremem para passar para o outro lado, feito peixinhos através de uma rede de pesca. Basta adicionar uma camada extra de grafeno para interromper esse fluxo.

A novidade tem impacto direto na engenharia das células de combustível (também chamadas de células de combustível ou pilhas de combustível), que constituem fontes de compostos químicos com predomínio de hidrogênio (como metano e etanol) empregadas em carros e sistemas de suporte de vida para viagens espaciais. As células separam os prótons dos elétrons do hidrogênio e os colocam em circuitos diferentes capazes de produzir energia antes de essas partículas se recombinarem. 

A separação total é o objetivo das células, mas a tecnologia atual não é eficiente nesse sentido – a melhor membrana existente deixa moléculas inteiras de hidrogênio passarem e reduz a velocidade do fluxo de prótons, provocando desperdício de combustível e perda de potência. Membranas de grafeno resolveriam os dois problemas de uma só vez, consideram os cientistas ingleses.

Geim imagina um emprego ousado dessa característica de filtragem do grafeno: seria possível extrair hidrogênio diretamente do ar para usá-lo como combustível, num processo de poluição zero. Há mais de 2 trilhões de toneladas desse gás disponíveis para utilização, na atmosfera. “Essencialmente, você absorve seu combustível da atmosfera e extrai eletricidade dele”, diz Geim. “Antes desse estudo, isso não seria nem especulação, seria ficção científica. Nosso estudo proporciona uma orientação e uma prova de que esse tipo de aparelho é possível e não contradiz nenhuma das leis conhecidas da natureza.”

Fabricação complexa

As incríveis propriedades do grafeno vão torná-lo uma presença constante no futuro, mas desde a divulgação dos primeiros estudos da Universidade de Manchester sobre o tema, em 2004, é difícil encontrar produtos feitos com ele. Por enquanto, o grafeno brilha na área esportiva, em capacetes para ciclistas, raquetes de tênis e esquis de primeira linha. Os campeoníssimos tenistas Novak Djokovic, Andy Murray e Maria Sharapova, por exemplo, jogam com ultraleves raquetes de grafeno.

Um dos principais motivos para a generalização da tecnologia reside nos obstáculos para a produção do material. Ainda não existe um modo mais adequado de fabricação do grafeno. “Você pode produzi-lo quimicamente ou pondo um pouco de grafite em uma solução líquida e usando ondas sonoras para decompô-la”, afirma Danielle Buckley, especialista em química da American Chemical Society. Cada método apresenta vantagens em aspectos como velocidade, custo ou volume, mas também apresenta efeitos colaterais: folhas pequenas ou imperfeitas, subprodutos tóxicos.

Esses problemas não assustam Andrea Ferrari. “Quando um novo material está sendo produzido, leva entre 20 e 40 anos para entrar em uso no dia a dia”, observa. O Graphene Flagship, que ele comanda, é uma das iniciativas mundiais que pretendem encurtar esse prazo. O projeto tem duração prevista para dez anos, ao fim dos quais se espera que empresas europeias estejam em condições de apresentar ao mercado novos produtos com grafeno. Na aposta de Ferrari, os primeiros itens a chegar serão polímeros fortes e circuitos eletrônicos, seguidos por sensores sofisticados e membranas de filtragem para dessalinização da água.

Outro indicador de que as coisas andam em ritmo acelerado para o grafeno é o número de patentes envolvendo o material: já são mais de 7 mil ao redor do mundo. Centenas já foram assumidas por indústrias de vanguarda como Apple, Samsung e Sony. “Não vou afirmar que vamos resolver todos os problemas da humanidade, mas garanto que vamos ter dez anos muito interessantes à frente”, sintetiza o pesquisador de Cambridge.

 

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Acaso bem-vindo

O grafeno foi observado pela primeira vez em 1962, pelos químicos alemães Ulrich Hofmann e Hanns-Peter Boehm, mas suas propriedades só se tornaram mais conhecidas em 2004, na Universidade de Manchester (Inglaterra), a partir de experiências da equipe dos físicos Andre Geim e Konstantin Novoselov. Em busca de uma opção bidimensional ao silício usado em semicondutores, o grupo procurou obter a mais fina fatia possível de grafite para testá-la.

Conseguiram-na de modo inesperado, nos fragmentos presos na fita adesiva usada para limpar a superfície de um bloco de grafite empregado no estudo. Já na primeira tentativa, esses resíduos funcionaram como transistores. A partir daí, a equipe foi melhorando a condutividade do fragmento tornando-o cada vez mais fino, até chegar à espessura de um átomo. O material tem uma estrutura de ligação hexagonal (semelhante à de uma cerca de galinheiro) e seu peculiar arranjo simétrico de elétrons aumenta a sua condutividade. Em 2010, a (re)descoberta do grafeno rendeu o Nobel de Física a Geim e Novoselov.