06/10/2020 - 10:32
Quando o istmo do Panamá surgiu do mar para ligar as Américas do Norte e do Sul há milhões de anos, os mamíferos podiam cruzar a ponte em ambas as direções. Mas o resultado dessa migração massiva – uma grande proporção de mamíferos com origens norte-americanas na América do Sul, mas não o contrário – há muito intrigava os paleontólogos. Para explorar as origens dessa drástica assimetria, pesquisadores do Instituto de Pesquisa Tropical Smithsonian (STRI, do Panamá), do Global Biodiversity Center de Gotemburgo (Suécia) e de instituições colaboradoras analisaram dados fósseis dos dois continentes.
Seus resultados, publicados recentemente na revista “Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS)”, mostram que a principal razão de haver mais mamíferos de ascendência norte-americana na América do Sul do que vice-versa foi a extinção desproporcional de mamíferos sul-americanos durante o Grande Intercâmbio Americano que se seguiu à formação do istmo. Isso reduziu a diversidade de mamíferos nativos disponíveis para se dispersar para o norte.
“Essa troca faunística pode ser vista como um experimento natural: dois continentes, cada um com seu próprio tipo de animal, foram conectados por uma estreita ponte de terra, permitindo migrações massivas em ambas as direções”, disse Juan Carrillo, pesquisador do STRI e principal autor do estudo no Museu Nacional de História Natural de Paris. “Nosso estudo mostra como aconteceram essas migrações e que os mamíferos sul-americanos tiveram mais extinções. O efeito dessa troca pode ser visto ainda hoje.”
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Diferenças entre predadores
Quase metade dos mamíferos sul-americanos vivos hoje descende de imigrantes norte-americanos. No entanto, apenas 10% dos mamíferos norte-americanos são derivados de ancestrais sul-americanos, como gambás, porcos-espinhos e tatus. Algumas explicações possíveis para o aumento das extinções de mamíferos sul-americanos durante o intercâmbio incluem mudanças de habitat e aumento da predação e competição.
As diferenças entre os predadores em cada continente podem ter influenciado. A América do Sul tinha predadores intimamente relacionados aos marsupiais, um grupo que inclui gambás, com grandes caninos que se assemelhavam a felinos dente-de-sabre. Quando os predadores norte-americanos ou Carnivora, como raposas, gatos e ursos, chegaram com dentes mais especializados e cérebros maiores, os mamíferos sul-americanos nativos se tornaram mais suscetíveis à predação. Isso pode ter contribuído para maiores taxas de extinção. Àquela altura, os marsupiais predadores sul-americanos também haviam desaparecido.
“Suspeitamos que a emigração dos chamados carnívoros para a América do Sul pode ter sido uma das causas da alta extinção nos mamíferos sul-americanos”, disse Søren Faurby, conferencista sênior da Universidade de Gotemburgo (Suécia) e coautor do estudo. “Os carnívoros parecem ser predadores mais eficientes do que os marsupiais, potencialmente devido aos dentes carniceiros mais especializados ou cérebros maiores, e muitos dos mamíferos sul-americanos nativos podem não ter sobrevivido à invasão de predadores mais eficientes.”
Este novo estudo é um claro lembrete de que quando há grandes perturbações no status quo da biodiversidade, pode haver resultados inesperados, visíveis tanto no registro fóssil quanto na distribuição das espécies milhões de anos depois. Em última análise, essas descobertas podem fornecer vislumbres sobre as consequências de longo prazo do movimento das espécies visto hoje.