01/12/2007 - 0:00
Trenó puxado por cães husky no fiorde Kangia. Esse tipo de transporte é comum na Groenlândia.
Do Glaciar de Jakobshavn, em Ilulissat, ainda surgem icebergs maiores que os superpetroleiros ancorados na Baía Disko. Mas o ar polar que todos os anos varria o território groenlandês, vindo do norte para o sul, e respondia por sua fama de lugar gélido, não tem mais aparecido. O clima está cada vez menos frio na Groenlândia, e a multimilenar camada de gelo que a recobria está derretendo em ritmo acelerado, fazendo aparecer áreas de terra cada vez mais extensas. Isso é visível a olho nu.
A Groenlândia é a maior e mais setentrional ilha do mundo. Há alguns anos, era habitada por uns poucos milhares de pessoas. Com uma área total de 2.166.086 quilômetros quadrados, é hoje o lar de uma população de 56,3 mil habitantes. O clima é frio no inverno (40°C negativos), mas no verão, na parte sul da ilha, atinge facilmente os 15°C. Novos imigrantes chegam a cada dia. Foi lá que nasceu e cresceu Aleqa Hammond, groenlandesa legítima, filha de uma família de caçadores.
Além de ministra das Relações Exteriores da Groenlândia, agora ela também é uma das líderes de um movimento cada vez mais forte pela independência da ilha. Dominada durante séculos pela Noruega, a Groenlândia ainda é uma província da Dinamarca. Mas já possui governo próprio. Antes, era considerada economicamente fraca para se auto-sustentar. Mas esse quadro está mudando.
A independência econômica da Groenlândia logo acontecerá. Para sobreviver, a ilha recebe R$ 1,3 bilhão anualmente do governo de Copenhague. Com a exploração dos minerais existentes embaixo da camada de gelo, a dependência financeira acabará como num passe de mágica. As negociações já começaram. A ilha discute um acordo com nove multinacionais que querem licença para explorar petróleo na região. Além disso, está cheia de prospectores de minério em busca de um novo Eldorado.
No Aeroporto Kangerlussuak, um poste de informações mostra as distâncias entre a capital, Nuuk, e outros lugares do mundo.
A Alcoa, empresa norte-americana de extração de metais, já assinou um memorando de entendimento. A implantação dessa siderúrgica poderá empregar mais de três mil pessoas, um décimo de toda a força de trabalho groenlandesa. Em Ilulissat, os pescadores batem recordes de pesca do linguadogigante. Para completar, o número de turistas aumenta a cada ano, contribuindo para a receita do país.
O Ártico, onde se situa a Groenlândia, tem sido palco de um crescente jogo de interesses das grandes potências. A possível exploração de minérios na região e a Passagem do Noroeste – rota marítima que encurta o caminho entre a Europa e a Ásia, recémaberta com o derretimento do gelo da calota polar – já despertou o interesse de diversos países na região. O Canadá e a Noruega querem estabelecer acordos para reivindicar sua autonomia no Ártico.
A Rússia já enviou um submarino para cravar uma bandeira de titânio no solo submerso do norte magnético. Os Estados Unidos não ficam atrás e querem ratificar a Lei da Convenção dos Mares, das Nações Unidas, para reivindicar seus interesses em relação ao Pólo Norte. A tensão entre Moscou e Washington espalha o temor de uma nova militarização do Ártico.
Derretimento do gelo pode elevar o nível do mar
O nível dos oceanos pode aumentar sete metros se a calota polar da Groenlândia derreter inteiramente devido ao aquecimento global. Os gelos da Groenlândia, segunda reserva de água doce congelada do mundo, depois da Antártida, derretem mais rapidamente na costa, embora até agora tenham se mantido intactos no centro da calota polar, informa Garry Clarke, professor da Universidade da Colúmbia Britânica. Em sua avaliação, o aquecimento global poderá gerar um derretimento maior do que o que já foi registrado na região até agora.
“Isso poderia se traduzir no desaparecimento total da calota polar da Groenlândia”, diz Clarke. Ainda não se sabe quando isso ocorrerá, mas o processo já está em andamento. Os especialistas consideram que o derretimento total do gelo da Groenlândia teria conseqüências catastróficas para as regiões costeiras e algumas ilhas oceânicas.
As conseqüências da última corrida armamentista ainda estão frescas na memória dos groenlandeses. A base aérea dos Estados Unidos em Thule, no noroeste da Groenlândia, foi estabelecida durante a Segunda Guerra Mundial e se tornou um posto estratégico para o armamento nuclear do país durante a Guerra Fria. Em 1968, um bombardeiro norte-americano B-52, carregado com bombas atômicas, caiu na região. Uma das suas bombas nunca foi encontrada. Acredita-se que esteja até hoje no fundo do mar. Mas sua radiação provocou conseqüências gravíssimas para a população inuit – esquimós nativos do Ártico. Parte deles não consegue ter filhos.
A multimilenar camada de gelo que recobre a GROENLÂNDIA está se derretendo a vista d’olhos. É o aquecimento GLOBAL
Barco cruza a Baía Disco, em meio a enormes icebergs.
Nuuk, capital da Groenlândia. As casas são pintadas com cores fortes, dando algum colorido à paisagem.
No verão, no sul da ilha, áreas outrora cobertas pelo gelo hoje oferecem pastagens. Graças ao aquecimento global, há cada vez mais árvores na Groenlândia.
Outros fatores, no entanto, ameaçam a Groenlândia tradicional. As mudanças que ocorrem no local têm gerado tensão social. Na capital, Nuuk, moram pouco mais de 15 mil pessoas, mas seus problemas são os mesmos de qualquer cidade grande. Alcoolismo, desemprego e suicídio constroem um cenário urbano depressivo. Além disso, muito se debate sobre a possível perda de identidade nacional devido à crescente entrada de estrangeiros na ilha. Rapidamente, os groenlandeses legítimos poderão ser minoria em seu próprio país.
Zona arqueológica de L’Anse aux Meadows, no Labrador (Canadá), com construção deixada pelos antigos vikings. Séculos antes de Colombo, eles partiram da Groenlândia em canoas para alcançar as costas dos atuais Canadá e Estados Unidos.
Nesse cenário que em muitos aspectos se assemelha à corrida ao ouro dos velhos tempos do faroeste norte-americano, as primeiras vítimas das conseqüências ruins do aquecimento global na Groenlândia parecem ser os inuits. Aqqaluk Lynge, renomado poeta e político inuit, e um dos principais representantes do seu povo no governo groenlandês, já lançou o alerta: “Muitosanimais desapareceram, outros apareceram, os mares e gelos mudaram, as correntes marítimas se alteraram. Nosso mundo, como o conhecíamos, está chegando ao fim.”
A vida em condições extremas
A Groenlândia (em groenlandês, Kalaallit Nunaat, que significa “a nossa terra”) é uma região autônoma dinamarquesa que ocupa a ilha do mesmo nome e ilhas adjacentes, ao largo do litoral nordeste da América do Norte. As suas costas dão, ao norte, para o Oceano Glacial Ártico, a leste, para o Mar da Groenlândia, a leste e sul, para o Oceano Atlântico e, a oeste, para o Mar do Labrador e a Baía de Baffin.
A história da Groenlândia é a da vida sob as extremas condições árticas: uma capa de gelo cobre 84% do território da ilha, restringindo a atividade humana às costas. A Groenlândia era desconhecida da Europa até o século 10, quando foi descoberta por vikings islandeses. Antes desse “descobrimento”, a ilha havia sido ocupada por povos árticos, embora estivesse desabitada quando da chegada dos vikings: os ancestrais diretos dos modernos iInuits (anteriormente chamados esquimós) só chegaram à ilha ao redor do ano 1200. Os inuits foram o único povo que habitou a ilha durante séculos, mas, lembrando a colonização viking, a Dinamarca reclamou a soberania sobre o território e o colonizou a partir do século 18. Obteve, assim, privilégios, tais como o monopólio comercial.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Groenlândia se separou de fato, tanto social como economicamente, da Dinamarca, aproximando-se mais dos Estados Unidos e do Canadá. Depois da guerra, o controle da ilha voltou à Dinamarca, retirando-se seu status colonial. Embora a Groenlândia continue sendo parte do Reino da Dinamarca, é autônoma desde 1979. A ilha possui o status de Estado associado à União Européia.
A pesca domina a economia do território. A caça à foca marca a vida dos habitantes do norte. A descoberta de petróleo, zinco e ouro, em 1994, promete mudar a economia, ainda bastante dependente da Dinamarca, que também responde por sua defesa e relações externas.