31/03/2022 - 12:05
Ao ordenar a invasão da Ucrânia, o presidente russo deixou confusos os grupos de extrema direita da Alemanha. Alguns admiram o autoritarismo de Putin. Outros simpatizam com organizações neonazistas da Ucrânia.Para as organizações de extrema direita da Alemanha, está sendo difícil chegar a um consenso sobre a invasão da Ucrânia ordenada pelo presidente russo, Vladimir Putin. A observação parte de pesquisadores que monitoram os meios neonazistas do país: enquanto alguns grupos se alinham com o autocrata russo anti-Otan, outros se solidarizam com o ucraniano “Batalhão Azov”, de direita radical.
O pesquisador e jornalista Nicholas Potter, da Fundação António Amadeu, um dos principais institutos alemães de pesquisa sobre a ultradireita, registra que o lado pró-ucraniano representa uma ligeira maioria entre os neonazistas da Alemanha. No entanto, é importante fazer a distinção entre eles e os combatentes no país.
“Esses partidos, indivíduos, movimentos, não são democratas convictos, que acreditem na soberania da Ucrânia e apoiariam o governo do presidente judeu Volodimir Zelenski”, explicou Potter à DW. “Seria um erro dizer que eles lutam pelos mesmos ideais por que tantos ucranianos estão lutando.”
Segundo Johannes Kiess, especialista em radicalismo de direita do Instituto Else Frenkel-Brunswick da Universidade de Leipzig, os neonazistas pró-ucranianos da Alemanha são sobretudo motivados por suas conexões com os grupos ultradireitistas do país vítima de invasão: “Nos meios das artes marciais, dos hooligans, dos neonazistas, há redes pan-europeias. Também há ligações com a Polônia. Não é apenas um assunto teuto-ucraniano.”
Nazistas pró-ucranianos
Entre os partidos mais obviamente pró-ucranianos está o III. Weg (Terceiro Caminho), um grupo de militantes neonazistas “barra pesada”, fundado em 2013, que conta apenas algumas centenas de afiliados. Eles fizeram manchetes brevemente em outubro de 2021, ao organizarem grupos para “patrulhar” a fronteira teuto-polonesa contra migrantes, numa operação rapidamente encerrada pela polícia.
Em seu website, o III. Weg – que treinou com o Batalhão Azov e já convidou seus membros para palestras – diz que “rejeita imperialismo russo com a finalidade de estabelecer a União Soviética”, e iniciou campanhas para ajudar nacionalistas ucranianos em fuga.
Potter crê que extremistas de direita como o III. Weg veem a Europa como uma aliança de nações brancas, e a Ucrânia, portanto, como uma nação de cidadãos brancos com direito à autodeterminação. Além disso, os ultradireitistas alemães invejam a força do movimento da Ucrânia, com suas várias organizações paramilitares de direita.
A isso se somam os preconceitos da direita radical da Alemanha contra a Rússia, embora obviamente não se trate mais de uma nação comunista. “Interessante como aqui é forte o papel do anticomunismo. De um jeito bizarro, é quase como se eles entendessem de forma literal a propaganda de Putin: ele diz que está indo desnazificar a Ucrânia, e eles o veem como uma espécie de ameaça esquerdista, antifascista.”
Inspirados pelo Batalhão Azov
Pesquisadores têm também registrado nas redes sociais de direita muita especulação sobre a eventualidade de ir para a Ucrânia participar da guerra, talvez em aliança com o Batalhão Azov. Baseado em Mariupol, no litoral do Mar de Azov, ele foi fundado em 2014 como milícia voluntária, a fim de combater os separatistas pró-russos do leste ucraniano.
Apesar de acusações de tortura e crimes de guerra e suas bem conhecidas simpatias neonazistas, em novembro de 2014 o regimento foi incorporado à Guarda Nacional da Ucrânia, após a anexação da península da Crimeia por Moscou. O movimento político Azov foi criado nos anos seguintes, porém obteve pouco sucesso eleitoral.
No entanto não há praticamente nenhum indício de que neonazistas alemães tenham de fato ido se unir às fileiras do Azov. Na terceira semana de março, a Belltower.News, plataforma de notícias da Fundação António Amadeu, pediu ao Ministério alemão do Interior cifras oficiais a respeito: dos neonazistas conhecidos, apenas 27 haviam demonstrado qualquer intenção de viajar para a Ucrânia, a fim de lutar.
Mesmo entre os que empreenderam a viagem, que não seriam mais de cinco, não se sabe se participaram de qualquer combate nem a que grupos possam ter se associado no país.
Aliança pró-Putin
Nesse ínterim, o autocrático presidente da Rússia também atrai simpatias nas margens da extrema direita alemã. “Quando Putin vencer, os homens voltarão a ser homens, e não mulheres, eletricidade e combustível ficarão mais baratos, a islamização acabará e os esquerdistas do Partido Verde vão ser todos trancafiados”, dizia uma mensagem num grupo de chat da pequena facção radical Freie Thüringer (Turíngios Livres), no serviço de mensagens instantâneas Telegram.
O grupamento mais explicitamente pró-Putin é o dos Freie Sachsen (Saxônios Livres), formado apenas um ano atrás, autodescrito como uma “organização guarda-chuva”, que permite filiação a outras. Eles se superpõem com os teóricos de conspiração do movimento Querdenker, que se opõe às restrições governamentais no contexto da pandemia de covid-19.
Agora, o Freie Sachsen acusa a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) de ser parte de um conspiração globalista que contribuiu para instigar a guerra. Segundo Kiess: “É muito claro que eles se veem como parceiros ideológicos de Putin. E eu diria que isso se aplica à ideologia conspiratória do meio, como um todo.”
Dilema para ultradireita estabelecida
Por sua vez, os partidos ultradireitistas alemães mais estabelecidos se veem num dilema político: para a Alternativa para a Alemanha (AfD) tem se provado difícil estabelecer uma posição unificada.
Enquanto os líderes partidários nacionais, como o presidente Tino Chrupalla, aderiram desde o início à condenação da invasão russa, figuras regionais influentes têm se mostrado bem mais ambivalentes: Björn Höcke, líder da AfD no estado da Turíngia, descreveu os ucranianos como “vítimas de uma confrontação geopolítica global entre a Otan e a Rússia”.
“Eles são muito próximos ideologicamente: querem um 'homem forte', são contra a democracia moderna e temáticas como a igualdade de gêneros”, analisa Johannes Kiess. “Mas, claro, sabem que é muito difícil com a opinião pública atual, quando a maioria dos alemães tem uma ideia muito clara de quem começou a guerra, e que é uma guerra pavorosa.”
A AfD tem tradicionalmente apoiado o chefe do Kremlin e, como numerosas siglas europeias de ultradireita, seus principais políticos mantêm laços com Moscou e recebem seu apoio ativo.
A oposição de Putin a organizações ocidentais como a Otan e a União Europeia se encaixa bem com a forte base eleitoral da AfD no Leste da Alemanha, que é cética quanto à filiação à UE e cujos laços históricos incluem resquícios de empatia cultural com a Rússia.
Na avaliação de Kiess, a legenda ultradireitista está provavelmente ávida de explorar a crise para alimentar sua retórica anti-Berlim: “Acho que, mais cedo ou mais tarde, veremos a AfD tentar minimizar a guerra e deixá-la para trás, tão logo na Alemanha o foco se desvie para a segurança energética e os preços do combustível.”