04/11/2022 - 12:45
Por seis anos, o arqueólogo britânico Howard Carter cavara em vão as areias do deserto do Vale dos Reis no Egito em busca da tumba de Tutancâmon. Seu financiador, Lorde Carnarvon, já estava impaciente, mas permitiu a Carter mais uma tentativa. Foi então que, em 4 de novembro de 1922, um menino local chamado Hussein Abd el-Rassul, que trazia água para os trabalhadores, encontrou um degrau de pedra. O próprio Carter mais tarde gostava de contar a história de que o menino, querendo imitar os arqueólogos da Europa, deparou-se com o degrau ao cutucar o chão com um pedaço de pau.
Tesouros imensuráveis
A equipe de escavação se jogou no trabalho e descobriu um total de 16 degraus e dois selos com o símbolo real de Tutancâmon. Mas Carter só abriu a antecâmara da tumba em 26 de novembro, quando Lorde Carnarvon chegou da Inglaterra. “Pode ver alguma coisa?”, teria perguntado o lorde, de pé no corredor escuro. “Sim, coisas maravilhosas”, respondeu Carter.
A equipe encontrou tesouros imensuráveis, não vistos por olhos humanos por mais de 3 mil anos. “Tivemos a impressão de olhar para a sala de adereços da ópera de uma civilização desaparecida”, descreveria Carter mais tarde. “Detalhes do interior da câmara emergiam lentamente da névoa, animais estranhos, estátuas, ouro, cintilar de ouro por toda parte.”
Faraó badalado
A notícia da sensacional descoberta rapidamente se espalhou e desencadeou uma “Egitomania” global. “Os arquitetos passaram a criar fachadas de estilo egípcio, e bolsas femininas, potes de biscoitos e garrafas de suco passaram a ser ornamentados com o símbolo inconfundível da máscara dourada do faraó”, escreve o biógrafo de Carter, Harry Victor Frederick Winstone. Até blusas de Tutancâmon podiam ser compradas, enquanto a fabricante de automóveis General Motors anunciava um veículo em forma de projétil faraônico para seus clientes.
No próprio Vale dos Reis, espectadores lotavam o local da escavação: além dos moradores da região, turistas de todo o mundo queriam vislumbrar os tesouros da Antiguidade e possivelmente conseguir um souvenir. Carter e sua equipe lutaram para conter os curiosos.
Deus da morte guardava santuário
Durante dez anos, o arqueólogo britânico e seus ajudantes catalogaram meticulosamente todos os objetos funerários. Cada peça foi fotografada e embalada, objetos maiores foram transportados em uma pequena ferrovia até o Nilo, para serem carregados em navios. Os achados mais importantes estão agora no Museu Egípcio no Cairo e em Luxor.
O mais famoso dos cerca de 5.400 objetos encontrados é a máscara mortuária azul e dourada do faraó, que pesa 11 quilos. Carter a encontrou na câmara funerária. Cercado por quatro santuários feitos de madeira dourada, um sarcófago de pedra e três caixões em forma de múmia um dentro do outro, o faraó embalsamado estava em um caixão de ouro maciço de 225 quilos. A máscara mortuária cobria seu rosto.
Em outra câmara, uma estátua do deus egípcio dos mortos, Anúbis, guardava um santuário contendo as entranhas de Tutancâmon.
Frágil rei infante da 18ª dinastia
Tutancâmon era filho do faraó Akhenaton. Nefertiti não era sua mãe, como muitas vezes é falsamente alegado, embora ela fosse a principal esposa de Akhenaton. A criança faraó era o filho de uma concubina, aparentemente sua irmã. Tutancâmon foi entronado aos oito anos de idade. A princípio, ele foi chamado de Tutanchaton, a grosso modo “imagem viva de Aton”, porque na época de seu nascimento ainda se adorava o deus Aton. Mais tarde, quando o sacerdócio passou a adorar o deus Amon, ele mudou seu nome para Tutancâmon.
O rei infante da 18ª dinastia do Novo Reino morreu em 1323 a.C. com 18 ou 19 anos de idade. Estudos da múmia indicam que Tutancâmon morreu em um acidente, mas isso não está claramente comprovado. Aparentemente, no entanto, em vida o jovem faraó era bastante frágil. Anos atrás, uma equipe de cientistas de Tübingen, Cairo e Bolzano descobriu que ele sofria de uma doença óssea grave e malária, além de deformidades genéticas, como fenda palatina e pé torto.
A maldição do faraó
Embora Tutancâmon não tenha sido um faraó poderoso em vida, hoje o mundo inteiro conhece seu nome. KV62, o nome científico de sua tumba (onde KV significa King’s Valley, Vale dos Reis em inglês), ainda é um ímã turístico. Isso porque, ao contrário dos bens funerários, o sarcófago com o cadáver mumificado do faraó ainda repousa na câmara funerária. Magníficas pinturas nas paredes ilustram a vida e a morte de Tutancâmon.
Até hoje, a história da “maldição do faraó”, com a qual ele protegeu seu túmulo contra intrusos, assombra o mundo. Logo após a abertura das câmaras, o Lorde Carnarvon morreu, seguindo-se outras mortes misteriosas em torno do arqueólogo Howard Carter. Isso alimentou a histeria da mídia, apesar de Carter ter chamado a suposta maldição de “completa besteira”.
O perigo do turismo em massa
Depois de permanecer desconhecido e intacto por mais de 3 mil anos, o fluxo de turistas afetou visivelmente Tutancâmon após sua descoberta. Ao longo dos anos, a combinação de poeira, oscilações de umidade e visitantes na pequena câmara cobraram seu preço.
Embora hoje em dia uma cobertura de plexiglas proteja o sarcófago das intempéries e da decomposição, ainda havia uma necessidade urgente de ação. E assim, em 2009, uma equipe de 25 restauradores começou a trabalhar para reparar os danos na tumba e tomar medidas para evitar novos no futuro. A obra foi concluída em 2021: as pinturas nas paredes voltaram a brilhar e foram instalados um sofisticado sistema de ventilação, novas barreiras e uma nova plataforma de visitantes.
Zahi Hawass, ex-secretário-geral da Administração de Antiguidades Egípcias, iniciou o projeto de restauração. Até hoje, ele pede que o número de visitantes ao túmulo seja massivamente restrito. “Se continuarmos permitindo o turismo de massa, a tumba não durará mais 500 anos”, alerta, e sugere a construção de uma cópia idêntica perto da tumba real. “Temos que pensar no futuro”, enfatiza Hawass. “Caso contrário, não haverá mais Vale dos Reis.”
Museu não está pronto para os 100 anos
A descoberta da tumba de Tutancâmon deveria ser comemorada neste 4 de novembro no novo Grande Museu Egípcio (GEM, do inglês). Os egípcios queriam inaugurar o gigantesco edifício com uma área de mais de 40 mil metros quadrados na data simbólica, mas nada disso vai acontecer. Agora, a abertura do GEM está marcada para 2023. O maior museu arqueológico do mundo fica no Cairo, nas imediações das Pirâmides de Gizé.
Pela primeira vez, todos os 5.400 objetos da tumba de Tutancâmon serão exibidos juntos, ao lado de inúmeras outros objetos da Antiguidade, alguns dos quais nunca foram vistos antes. Até agora, a maior parte estava no Museu Egípcio completamente superlotado na Praça Tahir, no centro do Cairo.
Uma enorme estátua de Ramsés 2º, com mais de 3 mil anos, já está no local e dará as boas-vindas aos visitantes do museu. Mas a múmia de Tutancâmon não se mudará para cá. Ela continuará descansando em sua câmara funerária, onde já está por mais de 3.200 anos.