10/07/2013 - 19:12
Mundialmente conhecido como pai da psicanálise, o severo Sigmund Freud não deixa de ser um filho da hipnose. O jovem médico judeu-austríaco viu na hipnoterapia praticada pelo doutor Jean Martin Charcot, em Paris – de quem foi estagiário –, a possibilidade para driblar o consciente, atingir o inconsciente e tratar a histeria.
Com a ajuda da hipnose, Freud se convenceu de que nem sempre os Por Renata Valério de Mesquita sintomas tinham causa orgânica, e propôs que poderiam ter origem psicológica Algumas teorias, entretanto, dizem que o psicanalista foi um filho ingrato. Apesar de usar no seu consultório diferentes técnicas de hipnoterapia, afirma-se que ele terminou por denegrir a técnica para elevar a psicanálise.
O fato é que ao longo da história da medicina, cada vez que um médico ou um neurologista trazia à tona a cura por meio do transe hipnótico, o mundo científico tratava de abafar sua repercussão – mais ou menos como o cristianismo rotulou de “feitiçaria” a hipnose relatada já no ano 1.552 antes de Cristo, no Papiro de Ebers, egípcio.
Nos dias de hoje, a técnica vem ganhando espaço em instituições médicas de respeito. Nos Estados Unidos, já adotaram o hipnotismo hospitais como o Stanford Hospital, Cleveland Clinic, Mount Sinai Medical Center, Memorial Sloan-Kettering Cancer Center e o Beth Israel Medical Center, de Nova York.
No Brasil, o Hospital do Câncer, o Hospital das Clínicas e o Hospital do Servidor Público Municipal, de São Paulo, e a Clínica Cedirp, de Ribeirão Preto (SP), aplicam a técnica como reforço no tratamento de doenças e no relaxamento para a hora de exames e de cirurgias.
Reconhecida no país pelos Conselhos Federais de Psicologia, Medicina e Odontologia, a hipnose está sendo usada em inúmeros casos. Dores crônicas, ansiedade, controle de peso, fobias, dependência alcoólica, de drogas e tabaco, insônia, vitiligo e asma, só para citar alguns.
Recurso auxiliar
Isso não quer dizer que a revalorização possa converter a hipnose em panaceia. Dificilmente a técnica é usada como único recurso. Na verdade, funciona como uma ferramenta complementar. O transe hipnótico deixa a pessoa mais relaxada e suscetível a sugestões de sensações, percepções e mudanças de comportamento.
Entretanto, pode ser difícil se entregar, por mais macia que seja a voz do hipnotizador, ou por mais sonífero que seja o movimento pendular de um objeto. Além disso, pesam o medo da subjugação a outra pessoa e a desconfiança quanto aos reais resultados da metodologia. O estigma de charlatanismo associado ao hipnotismo cria resistências que podem travar o processo.
Há pesquisas recentes sobre a eficácia do método. Um estudo realizado por radiologistas da Harvard Medical School (Adjunctive non-pharmacological analgesia for invasive medical procedures) mostra que, entre 241 pacientes analisados, aqueles sob o efeito da hipnose exigiram menos medicação, tiveram menos complicações durante a cirurgia e suas operações foram mais curtas em comparação com os não hipnotizados.
Outros estudos da Escola de Medicina da Universidade de Stanford (de 2012) e da Universidade de Genebra (2009), com ressonância magnética funcional, comprovaram um efetivo funcionamento diferenciado no cérebro hipnotizado.
Para os conhecedores do tema, a hipnose é um estado de absoluta atenção, não muito diferente de um momento de completa absorção nos próprios pensamentos, na leitura de um livro ou em um bom filme – quando o resto do mundo como que ‘desaparece’. Mas nada tem a ver com as histórias contadas pelas produções de cinema que envolvem hipnotismo, como Em Transe, O Gabinete do Dr. Caligari, O Escorpião de Jade e O Amor é Cego.
Poder de sugestão
Marcos Francoti, terapeuta holístico paulista especializado em hipnoterapia, acredita que, além dos filmes, a hipnose de palco – usada em apresentações para impressionar o público – é a grande responsável pela rejeição ao método. “Parece que é tudo armado. Assim fica mais difícil acreditar que a técnica possa fazer diferença em um problema real.”
Francoti ressalta que na hipnose nada acontece sem a concordância do paciente. “Se eu mandar você assinar um cheque de 50 mil reais, você não vai se deixar levar pela hipnose. Mas se você realmente quiser emagrecer ou parar de fumar, daí sim o hipnólogo pode ajudar”, explica Francoti.
O designer Leonardo Bussadori resolveu experimentar a técnica como terapia de emagrecimento. Assumidamente cético, Bussadori afirma que não caiu em um sono profundo, como muitos imaginam. Ficou consciente durante toda a primeira sessão de hipnoterapia com Francoti e não sentiu as sensações de calor nos pés sugeridas.
“Eu era todo ouvidos, mas às vezes tinha vontade de fazer uma piada”, relata. “Só comecei a ficar mais interessado quando, nos dias seguintes, senti que a compulsão pela comida tinha afrouxado um pouco”, admitiu. Até o fechamento desta edição, estavam previstas mais duas sessões.
Tratamentos de saúde, assim como o preparo para exames e cirurgias, podem tomar várias sessões e devem ser realizados com profissionais credenciados e capacitados por cursos reconhecidos no mercado.
O psicólogo de Chicago Edward Frischholz, autor de mais de 50 estudos sobre hipnose clínica e experimental, gosta de alertar que a hipnose é como o bisturi de um cirurgião. Nas mãos certas pode salvar vidas, mas nas erradas pode causar estragos.