Um raríssimo distúrbio da fala – a síndrome do sotaque estrangeiro (FAS, na sigla em inglês), que atingiu cerca de 100 pessoas no mundo – apareceu recentemente em um caso relatado na revista BMJ Case Reports. O paciente, um homem na casa dos 50 anos que morava na Califórnia, foi diagnosticado com câncer de próstata 20 meses antes de seus problemas de fala. Quando estes começaram, os padrões usuais de fala do paciente mudaram fortemente e ele passou a se expressar com um acentuado “sotaque irlandês”.

Os autores do artigo relataram que o paciente nunca havia estado na Irlanda e nunca havia falado com sotaque irlandês, embora tivesse família/amigos irlandeses e tivesse morado na Inglaterra por um breve período na casa dos 20 anos. “Seu sotaque era incontrolável, presente em todos os ambientes, e aos poucos se tornou persistente”, escreveram eles.

Segundo os médicos que acompanharam o caso, o paciente lhes disse que não havia sofrido nenhum traumatismo craniano e, afora a perda de peso não intencional, não apresentava qualquer outro sintoma. Enquanto uma ressonância magnética de seu cérebro não registrou nada anormal, uma tomografia computadorizada de sua pélvis e abdômen revelou que o câncer de próstata estava avançando. O homem recebeu o diagnóstico de FAS e foi encaminhado para a neurologia para uma análise mais minuciosa de sua condição.

Danos ao cérebro

A maioria dos casos de FAS ocorre após lesão traumática na cabeça ou acidente vascular cerebral, causando danos às áreas do cérebro responsáveis pela fala. Com frequência, a condição desaparece, por exemplo, quando o paciente se recupera de um derrame.

A mudança nos sons produzidos por pessoas com a doença é provavelmente causada por movimentos alterados da mandíbula e da língua do paciente. O “sotaque estrangeiro” é, na verdade, uma “interpretação” feita pela mente do ouvinte em relação ao que o paciente está falando.

Depois de três meses de tratamento para o câncer, o paciente ainda falava com sotaque irlandês. Enquanto isso, ele desenvolveu dores abdominais e nas pernas. Um novo exame revelou que o câncer havia se espalhado para o fígado e os ossos e chegado ao cérebro. O homem morreu sob cuidados paliativos – e o “sotaque irlandês” persistiu até sua partida.

Primeiro caso

Segundo os autores do artigo, esse caso de síndrome de sotaque estrangeiro teve origem em uma síndrome paraneoplásica, uma vez que pode estar associada ao câncer de próstata e que a progressão de sua FAS coincidiu com o avanço do câncer. As síndromes paraneoplásicas, afirmam os pesquisadores, são sintomas sistêmicos causados por massas anormais “através de mecanismos hormonais, imunomediados ou desconhecidos”.

Os autores do artigo definem esse como o primeiro caso relatado na literatura médica de FAS como resultado de câncer de próstata (houve outros dois casos relatados em pacientes com tipos diferentes de câncer maligno). A equipe espera que o caso destaque a necessidade de mais literatura sobre FAS e síndromes paraneoplásicas em pacientes com câncer, a fim de entender melhor a ligação entre as síndromes raras.