Gorila

(Gorilla gorilla) Primata endêmico das florestas tropicais e subtropicais da África, o gorila compartilha cerca de 99% do seu DNA com os humanos. Isso faz dele o nosso parente vivo mais próximo. Apesar disso, os gorilas continuam a ser caçados e comidos. seu número hoje se reduz a poucas dezenas de milhares, em risco de extinção.

Há cerca de 12 mil anos, quando se instalou na região do Novo México pela qual se tornou conhecido, o povo de Clovis não demorou a dar mostras de sua capacidade empreendedora. Munidos de lanças com ponta de pedra – e com um empurrão dado por mudanças climáticas -, esses caçadores liquidaram 75 espécies animais da região, incluindo mamutes, mastodontes, antílopes de quatro chifres e megatérios (grandes antepassados das preguiças de hoje). Mil anos depois, seus parentes que avançaram para a América do Sul continuaram o serviço, exterminando gliptodontes (enormes parentes pré-históricos dos tatus), diversas espécies de roedores e animais da família das lhamas.

Casos como esses mostram que a chegada do homem a qualquer lugar representa um enorme perigo ambiental. Desde que nossa raça incluiu a caça e a agricultura entre seus meios de sustento, raros ecossistemas podem se considerar imunes às investidas do Homo sapiens. O domínio humano sobre o planeta e suas consequências – incluindo aí nossa responsabilidade sobre o aquecimento global – tornam o homem um elemento raro no planeta: ele deverá ser o primeiro ser vivo, em toda a história terrestre, a ser capaz de provocar um extermínio em massa de outras espécies (e talvez até dele mesmo).

AS CINCO GRANDES EXTINÇÕES DO PASSADO

PERÍODO

CAUSA PROVÁVEL

PERDAS

Ordoviciano-Siluriano (439 milhões de anos atrás)

Formação das calotas polares e queda dos níveis dos mares; derretimento das geleiras e aumento dos níveis dos mares

60% de todos os gêneros e 25% dos invertebrados marinhos de todas as famílias

Devoniano Tardio (364 milhões de anos atrás)

Desconhecida

22% das famílias marinhas

Permiano-Triássico (251 milhões de anos atrás)

Impacto de um meteoro

95% de todas as espécies de seres vivos (incluindo 70% das espécies terrestres)

Triássico (214 milhões de anos atrás)

Inundações de lava vulcânica oriundas do Atlântico

22% das famílias marinhas e 52% dos gêneros marinhos (não há estimativas sobre as mortes entre os vertebrados)

Cretáceo-Terciário (65 milhões de anos atrás)

Impacto de um meteoro na região da Península de Yucatán

16% das famílias de espécies marinhas, 47% dos gêneros marinhos e 18% das famílias de vertebrados terrestres (incluindo os dinossauros)

Seria um feito e tanto, já que, nas cerca de 20 vezes em que isso aconteceu – cinco das quais tiveram proporções especialmente grandes -, os agentes causadores sempre foram forças incontroláveis da natureza ou do espaço. Na mais recente delas, por exemplo, ocorrida há 65 milhões de anos, o choque de um meteoro contra a região da Península de Yucatán, no México, levantou uma nuvem de poeira que toldou os céus, resfriou o clima e eliminou, por tabela, todos os dinossauros da superfície da Terra. Mais de 135 milhões de anos antes, outro meteoro havia causado uma catástrofe ainda maior: levou à extinção 95% de todos os seres vivos.

Gibão-preto

(Hylobates concolor) Espécie frugívora, ele passa toda a sua vida no alto das árvores das florestas tropicais úmidas de camboja, Laos, china, tailândia e Vietnã. como a maioria dos gibões, a espécie está seriamente ameaçadas pela caça predatória – o gibãopreto é famoso pelas vocalizações que consegue emitir.

O poder do homem pode não se mostrar tão devastador, mas, segundo alguns pesquisadores, é sem dúvida respeitável: em seu livro The future of life (O futuro da vida), publicado pela Vintage Bo oks em 2003, o professor de biologia Edward Wilson, da Universidade Harvard (Estados Unidos), prevê que, no ritmo atual de destruição humana da biosfera, 50% de todas as espécies de seres vivos desaparecerão da face do planeta em 100 anos. Cálculo semelhante já havia sido apresentado oito anos antes pelo paleontólogo inglês Richard Leakey em The sixth extinction (A sexta extinção), escrito em parceria com o jornalista Roger Lewin e publicado pela Doubleday.

O desaparecimento de espécies não chega a ser algo a se estranhar sob o prisma estatístico: os cientistas afirmam que 99,9% de todas as formas de vida que existiram sobre a face do planeta já se foram. (A probabilidade de que nós, humanos, sigamos o mesmo caminho é, portanto, bem alta.) O que pode não surgir tão claramente aos olhos dos observadores é o real papel do Homo sapiens em todo esse processo. Certamente não é o do meteoro que formou a cratera de Chicxulub, na região do Yucatán, e precipitou o desaparecimento súbito dos dinossauros.

O homem parece mais ser um dos protagonistas de uma erosão contínua da biodiversidade associada a outros fatores, em especial mudanças climáticas, e que se amplia exponencialmente conforme os ecossistemas vão sendo destruídos. “Se você soma os números de espécies que foram extintas nas últimas centenas de anos, descobre que os números ficam bastante aquém de uma extinção em massa”, assinala o professor Norman MacLeod, administrador da área de paleontologia do Museu de História Natural de Londres. “É apenas quando você olha para os números de criaturas que estão na iminência de serem erradicadas que o quadro se torna alarmante.”

Em texto publicado no site do jornal russo Pravda, o engenheiro florestal e doutor em agronomia brasileiro Fabio Rossano Dario aponta três ondas de extinção de porte considerável desde que o homem surgiu na face da Terra. A primeira, que abrange o período entre 40 mil anos atrás e o fim do século 15, foi marcada pelo desaparecimento de toda a megafauna da Europa e do norte da Ásia (Neandertais inclusos), além dos grandes mamíferos das Américas, de dezenas de espécies de marsupiais australianos e da fauna de Madagascar e de 15% das espécies de pássaros do mundo.

Entre as perdas dessa onda estão o mamute, o mastodonte, o urso-de-cara-achatada, o rinoceronte-lanudo, o leão-das-cavernas, cerca de dez espécies de moa (pássaro enorme que habitava a Nova Zelândia) e 12 espécies de lêmures gigantes (um dos quais atingia dois metros de altura). O auge da extinção nesse período foi há cerca de 10 mil anos – a chamada “matança do Pleistoceno” -, fase de grandes alterações climáticas e de intensificação das atividades de caça dos humanos.

Baleiade- bryde (Balaenoptera brydei) É a menos conhecida das pequenas baleias (seu peso não supera 25 toneladas). Prefere viver nas tépidas águas costeiras, onde é presa fácil dos caçadores. Não há estatísticas seguras sobre a população mundial dessas baleias; supõe-se que atualmente ela não supere os 10 mil indivíduos.

Coala (Phascolarctos cireneus) É o mais robusto marsupial arbóreo da Austrália e o único representante da sua família. Alimenta-se de folhas de eucalipto. Sua população está hoje ao redor de 80 mil indivíduos, concentrados nas fl orestas do norte do país. Os coalas foram totalmente extintos nas outras regiões da Austrália.

A era das grandes navegações, iniciada pouco antes do fim do século 15, e o ano de 1970 delimitam a segunda onda de extinção, que conviveu com o colonialismo europeu, a revolução industrial e o surgimento do capitalismo. Uma das regiões mais afetadas foi o Caribe, cuja flora e fauna perderam centenas de espécies. Duas delas, vítimas da caça indiscriminada, foram a foca-monge (Monachus tropicalis), chamada por Cristóvão Colombo de lobo-marinho, e a vaca-marinha-de-steller (Hydrodamalis stelleri), um tipo de peixe-boi gigante encontrado no Pacífico Norte e que chegava a atingir 7 metros de comprimento e 10 toneladas de peso.

Na lista de mamíferos desaparecidos nesse período figura a quaga (Equus quagga), tipo de zebra da África do Sul que possuía listras apenas na parte posterior do corpo, exterminada por caçadores na segunda metade do século 19. Outro espécime é o tigre-da-tasmânia (Thylacinus cynocephalus), marsupial semelhante a um cachorro com listras verticais na parte de trás do corpo, à maneira do tigre. Acusado pelos fazendeiros locais de matar ovelhas, ele foi exterminado impiedosamente.

Destruição revertida

O pelicano-pardo (Pelecanus occidentalis) foi motivo de uma notícia alentadora em novembro. Esse pássaro típico do Caribe, da Flórida, das costas do Golfo do México e do Pacífico havia sido declarado espécie ameaçada nos Estados Unidos em 1970, depois que sua população foi dizimada pelo pesticida DDT.O veneno, presente nos peixes que as aves ingeriam, fazia com que elas pusessem ovos com cascas tão frágeis que se rompiam durante a incubação.

O DDT foi banido dos EUA em 1972, iniciando o processo de recuperação da espécie. Estados e grupos de conservação colaboraram, monitorando a população das aves e protegendo seus locais de reprodução. Em 11 de novembro, um porta-voz do Departamento do Interior declarou que o pelicano-pardo não corria mais perigo de extinção. É um sinal claro de que o zelo pela biodiversidade e os cuidados adequados podem evitar boa parte do estrago feito pelo homem.

A caça indiscriminada também fez muitas aves darem adeus à superfície do planeta nessa época. A mais conhecida entre delas é o dodô (Raphus cucullatus), das Ilhas Maurício, mas merecem destaque ainda a huia (Heteralocha acutirostris), da Nova Zelândia, e a alca-gigante (Pinguinus impennis), que vivia na Islândia.

George, o Solitário (Geochelone nigra abingdoni) Ganhou esse apelido por ser o último indivíduo da sua subespécie (tartaruga da Ilha de Pinta, Galápagos). Talvez seja a criatura mais rara da Terra. As outras tartarugas da ilha morreram de fome após a introdução de cabras na ilha, cujos descendentes comeram toda a vegetação.

Sapodourado (Bufo periglenes) O último exemplar na natureza deste belíssimo anfíbio considerado extinto foi visto e fotografado em 1989, numa região de bosques na Costa Rica. O desaparecimento da espécie é citado como exemplo do grande declínio da população de anfíbios em todo o mundo.

Iniciada em 1970, a terceira onda de extinção está em andamento e, dependendo da perspectiva de cada cientista, deve, nos próximos 30 anos, responder pelo desaparecimento de cerca de 20% a 50% das espécies vivas. Entre elas há grandes predadores, como o tigre; primatas, como o chimpanzé, o orangotango e o gorilada- montanha; pássaros, como o albatroz; anfíbios, como o sapo-dourado; os recifes de coral e todas as formas de vida que eles sustentam.

A interferência humana é fator substantivo nesse quadro desastroso, particularmente por conta das alterações climáticas que seu modus operandi vem deflagrando. Mas não fica somen te nisso:

1 CAÇA E PESCA – Inicialmente em busca de alimentação, e hoje também por motivos bem mais distantes da sobrevivência (por exemplo, crença em supostos benefícios medicinais, como nos casos de tigres e rinocerontes, ou simples interesse pecuniário, representado pelo marfim dos elefantes), o homem vem dizimando impiedosamente um sem-número de espécies animais ao longo de milênios.

2 DESMATAMENTO – A fragmentação ou destruição de hábitats em razão de atividades como a agropecuária, a mineração e a própria urbanização, reduzem progressivamente as possibilidades de reprodução da fauna e da flora.

3 INTRODUÇÃO DE ESPÉCIES EXÓTICAS – Levadas consciente ou inconscientemente pelo homem para outros ecossistemas, essas espécies podem se adaptar aos novos hábitats e destruir os habitantes nativos.

4 POLUIÇÃO – O despejo de poluentes no solo, na água e no ar pode eliminar uma espécie diretamente ou de forma gradativa – por exemplo, ao reduzir sua população masculina via alterações genéticas.

5 GUERRAS – Os conflitos bélicos e os armamentos envolvidos também possuem um enorme potencial de destruição de ecossistemas. Exemplos disso são a Guerra do Vietnã (no qual, segundo Dario, o uso de bombas, desfolhantes e napalm pelos Estados Unidos aniquilou 2 milhões de hectares de floresta tropical), a Guerra do Golfo (na qual o petróleo despejado no mar exterminou boa parte da vida selvagem entre os litorais do Kuwait e de Omã) e os testes nucleares feitos em atóis do Pacífico. (Esses atóis e a zona desmilitarizada entre as Coreias são exemplos fundamentais para se ver como a natureza se regenera em lugares dos quais o homem se afasta após usar suas armas;)

Bichopreguiça (Bradypus variegatus) Animal inofensivo, que vive no alto das árvores e se alimenta de folhas, a preguiça de três dedos é endêmica da Mata Atlântica, do Pantanal, do Cerrado e da Amazônia. Apesar da amplitude do seu hábitat, e como todas as demais preguiças, a espécie é altamente ameaçada, sobretudo pelo seu principal predador, o homem.

Ainda é possível reverter esse quadro geral? A resposta fica no âmbito da profecia, dada a dificuldade de fazer a crescente consciência ambiental da sociedade se transformar em ações internacionais amplas. A maioria dos especialistas antevê tempos sombrios, nos quais o homem descobrirá por si mesmo as consequências de viver em meio a uma biodiversidade muito mais pobre.

Presas fáceis

Duas aves ausentes há séculos do planeta devem seu desaparecimento diretamente ao homem. O moa (Dinornis robustus), um tipo de avestruz gigante – a espécie Dinornis maximus podia chegar a 4 metros de altura e a 400 kg – que habitava a Nova Zelândia sumiu por volta de 1500, época em que os maoris chegaram às ilhas. Antes dos humanos, esse pássaro incapaz de voar praticamente não tinha predadores em seu hábitat. No entanto, os ossos partidos por ferramentas, carbonizados e com marcas de dentes humanos mostram que os maoris deram fim àqueles tempos tranquilos.

Tipo de pombo frugívoro que chegava aos 25 kg, o dodô (Raphus cucullatus) era encontrado nas Ilhas Maurício, na costa leste da África. Também incapaz de voar e muito lento, ele foi um alvo fácil para os primeiros europeus que aportaram nas ilhas, nos séculos 17 e 18. O dodô não virou fonte de carne apenas para os humanos: os animais introduzidos por eles naquele ecossistema, como cães, porcos e macacos, também se alimentaram dos pássaros e de seus ovos, ajudando decisivamente na destruição.