Presidente americano falou várias vezes sobre se reunir com o líder norte-coreano durante sua recente viagem à Ásia. Com novos aliados, Kim teria deixado Trump sem resposta.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou a Coreia do Sul após concluir sua rápida viagem pela Ásia Oriental sem alcançar um de seus principais objetivos declarados: um encontro com o líder norte-coreano, Kim Jong-un.

O americano alegou nesta quarta-feira (29/10) que o encontro não se concretizou devido a problemas de agenda. Em conversas com o presidente sul-coreano, Lee Jae-myung, Trump disse estar preocupado com o fato de que “o desenvolvimento nuclear da Coreia do Norte representa uma ameaça significativa à segurança da Península Coreana e do nordeste da Ásia”.

Trump, porém, deixou a porta aberta para o diálogo com Pyongyang ao afirmar que ainda tem um “bom relacionamento” com Kim e que está pronto para se encontrar com o líder norte-coreano “a qualquer momento”.

Especialistas, no entanto, apontam que a situação geopolítica global mudou drasticamente desde que os dois líderes se encontraram em Singapura, Hanói e na Zona Desmilitarizada entre as duas Coreias durante o primeiro mandato de Trump. Kim, desde então, vem cultivando uma estreita relação militar e comercial com a Rússia.

“Kim tem novos e poderosos amigos”

Apesar de Trump ter declarado repetidamente, antes de chegar à Coreia do Sul, que esperava poder se encontrar com Kim, o professor de política externa Choo Jae-woo, da Universidade Kyung Hee, em Seul, afirmou que um encontro entre os dois líderes era mais do que improvável.

“Isso nunca iria acontecer”, disse Choo. “As regras do jogo mudaram e, embora eu não iria tão longe a ponto de dizer que isso foi uma desfeita ao americano, Kim certamente tem outros novos e poderosos amigos com quem pode contar.”

Essas amizades foram expressas de forma inequívoca nos dias que antecederam a chegada de Trump à região, quando o presidente russo, Vladimir Putin, cumprimentou a ministra norte-coreana do Exterior, Choe Son-hui, em Moscou, na segunda-feira. O líder russo foi filmado pedindo a Choe que transmitisse suas saudações a Kim.

Mais cedo naquele dia, Choe havia dito durante conversas com o ministro do Exterior da Rússia, Serguei Lavrov, que as relações entre os dois países haviam sido “elevadas a um novo patamar” e que Pyongyang estava comprometida em apoiar a soberania nacional e a segurança territorial da Rússia.

Na quarta-feira, a Coreia do Norte anunciou que havia testado uma série de mísseis estratégicos mar-terra contra alvos no Mar Amarelo. Os militares norte-coreanos afirmaram que esses armamentos eram capazes de transportar ogivas nucleares.

Na semana passada, antes da visita de Trump à região, Pyongyang realizou o primeiro teste de míssil balístico desde que Lee Jae-myung assumiu o cargo em junho.

Como indicação final de onde a Coreia do Norte vê seu futuro, a imprensa estatal norte-coreana informou que uma delegação de alto nível de especialistas econômicos russos chegou a Pyongyang nesta quarta-feira para promover a cooperação nas áreas comercial, econômica e científica.

Aproximações de Trump foram ignoradas

As repetidas ofertas de Trump para se encontrar com Kim – mais recentemente nesta segunda-feira, quando ele disse a repórteres a bordo do avião presidencial Air Force One a caminho de Tóquio que “adoraria” conversar com o líder norte-coreano durante sua viagem pela Ásia – foram recebidas com silêncio.

“Pessoalmente, não acredito que o lado norte-coreano jamais tenha tido a intenção de concordar com um encontro entre os dois líderes”, avalia Yakov Zinberg, professor de relações internacionais da Universidade Kokushikan de Tóquio, natural de São Petersburgo, na Rússia.

Zinberg acredita que os assessores de Trump queriam que o encontro acontecesse numa tentativa de gerar atritos entre a Coreia do Norte e a Rússia, algo que, segundo afirmou “seria sempre difícil de se conseguir”. “O Kremlin sabia exatamente o que estava acontecendo e usou suas próprias táticas para impedir isso, organizando reuniões paralelas entre a ministra norte-coreana do Exterior e o presidente russo em Moscou.”

Ao contrário de anos anteriores, a Coreia do Norte vem demonstrando aos EUA, à Coreia do Sul e ao Japão que está mais segura de sua posição internacional “porque tem uma superpotência por trás dela”, acrescenta Zinberg. Ele destacou as armas e as tecnologias avançadas – bem como combustíveis e alimentos – que há até pouco tempo estavam fora de alcance devido às sanções internacionais, mas que agora estão disponíveis a Pyongyang graças ao apoio de Moscou.

“O recado é que a Coreia do Norte não está mais sozinha, que é uma potência e que não precisa mais responder às falas de Trump”, disse Zinberg.

Choo observou que essa postura cria desafios para o presidente dos EUA. Qual o preço que ele deve pagar para trazer Kim de volta à mesa de negociações? Seria esse preço muito alto para os aliados de Washington na região?

“Acho que o Trump já está pensando no próximo passo, nas medidas que pode tomar para chegar a um acordo na guerra na Ucrânia e, em seguida, fazer algum tipo de tratado na Península [Coreana] para que possa ganhar um Prêmio Nobel da Paz”, disse Choo.

Trump reconheceria status nuclear da Coreia do Norte?

O temor é que a isca que ele está disposto a oferecer a Kim seja o reconhecimento da Coreia do Norte como um Estado nuclear. É algo que Trump insinuou a repórteres antes de partir para a Ásia. “Acho que eles são uma espécie de potência nuclear. Quero dizer, eu sei quantas armas eles têm. Eu sei tudo sobre eles.”

Reconhecer Pyongyang como potência nuclear colocaria um fim abrupto e efetivo à posição de longa data dos EUA e seus aliados de que a Coreia do Norte precisa abolir seu arsenal nuclear para que as sanções internacionais sejam suspensas e para que o país se reintegre à comunidade global.

Contudo, reconhecer a Coreia do Norte como uma potência nuclear colocaria em risco de segurança ainda maiores a Coreia do Sul, que não possui armas nucleares, e o vizinho Japão, além de, muito provavelmente, desencadear uma corrida armamentista em toda a região.

“Para a Coreia do Norte, isso seria um prêmio enorme e que poderia trazer Kim de volta às negociações”, disse Choo. “Mas, da perspectiva da Coreia do Sul no momento atual, essa não seria uma concessão aceitável antes que outros acordos e garantias estejam em vigor.”