07/11/2025 - 11:45
Polícia Militar divulgou pouco mais de uma hora de vídeos de câmeras corporais e de drones da operação mais letal da história e diz que imagens podem ter se perdido. Defensoria Pública pediu acesso a todas as gravações.A Polícia Militar do Rio de Janeiro compartilhou imagens da megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, que resultou na morte de 121 homens, entre eles quatro policiais. O material consiste em pouco mais de uma hora de gravações, do ponto de vista das câmeras corporais instaladas nos uniformes de agentes policiais e de drones.
É possível ver o cerco a suspeitos de integrar o Comando Vermelho na mata, o momento em que um dos agentes foi atingido e intensa troca de tiros. As gravações liberadas, contudo, são uma fração mínima e selecionada do que foi ou deveria ter sido registrado pelos cerca de 2,5 mil policiais destacados para a operação, a mais letal da história do país.
O uso de câmeras corporais e nas viaturas da Polícia Militar em operações policiais é obrigatório, o que foi reforçado pela chamada ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). A ação, aprovada em abril pelo Supremo Tribunal Federal (STF), define condutas para reduzir a letalidade, tanto de civis como de agentes de segurança, em operações em comunidades no Rio de Janeiro.
O comandante da Polícia Militar do Rio, coronel Marcelo Menezes, alegou, durante entrevista coletiva, que parte das gravações pode ter se perdido porque algumas câmeras ficaram sem bateria devido ao longo tempo da operação, que durou cerca de 15 horas. Os equipamentos usados funcionam por até 12 horas, justificou.
“Mas o que a gente percebe é que os problemas são muito anteriores a isso. A Defensoria Pública do Rio de Janeiro tem muita dificuldade de acesso às imagens, muitas ações que deveriam ser gravadas não são gravadas, porque os policiais arrumam um subterfúgio para não gravar, seja filmando para baixo, seja tapando a lente da câmera, arrumando alguma forma para drenar a bateria e não gravar a operação policial, que deveria ser gravada”, aponta Daniel Edler, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP).
A Defensoria Pública do estado enviou um ofício à Ouvidoria-Geral da Polícia Militar, responsável pelas imagens das câmeras, pedindo acesso imediato à integra dos registros. A instituição também questiona por que não foram usadas baterias sobressalentes, o que está previsto em contrato e em normas da Secretaria de Estado da Polícia Militar.
Parte fundamental das investigações
Há vários estudos sobre os efeitos positivos do uso das câmeras corporais na rotina policial, como a redução do uso da força e a consequente redução de mortes, incluindo de agentes de segurança, como ressalta Edler. Outra vantagem é justamente o registro das ações.
“As câmeras melhoram também a documentação do fato, os registros que os policiais produzem. As câmeras geram evidências melhores para o sistema de Justiça.”
As câmeras são obrigatórias em São Paulo, para policiais militares em operações específicas, como as de grande porte, que incluem incursões em comunidades vulneráveis ou que respondem a ataques contra policiais.
A íntegra das imagens da operação no Rio de Janeiro poderia ajudar a esclarecer as circunstâncias das mortes, mas os trechos selecionados e distribuídos pela Polícia Militar não cumprem essa função, alerta o especialista.
“Quando as imagens ficam sob controle da Polícia Militar, ela faz a edição para construir a narrativa que lhe interessa. As imagens que saíram nos últimos dias são, obviamente, imagens mostrando casos de heroísmo, situações de risco dos policiais, que de fato existem. Todos os policiais estavam sob um risco enorme. O problema é que a gente não tem o todo das imagens. A gente não vê também os policiais que podem ter cometido crimes.”
Edler defende que essas imagens, que são de interesse público, fiquem sob a custódia de um órgão independente, para que haja mais transparência e controle externo.
Desafios das câmeras
A “perda” das imagens da ação no Rio de Janeiro foi um claro descumprimento direto da ADPF das Favelas, e isso apesar de a operação ter sido planejada com meses de antecedência, destaca Edler. Ele aponta que pôr na prática esse protocolo é desafiador por vários motivos. “É óbvio que ali no momento da operação, com troca de tiros etc, você não tem como pedir para os policiais descerem até um baseamento para trocar as câmeras.”
Ninguém quer ter a sua rotina de trabalho filmada o tempo todo, destaca o especialista. “Logo que foram implementadas as câmeras, havia preocupações muito legítimas, como, por exemplo, o policial faz uma pausa para almoçar ou vai ao banheiro e não quer que aquilo seja filmado”, exemplifica.
Essas questões de privacidade foram contornadas no início do projeto das câmeras corporais em São Paulo e no Rio de Janeiro, com a adoção de protocolos em que os policiais podem, em determinados momentos, retirar a câmera ou evitar que seja feita a gravação, explica Edler.
Outros problemas são “menos legítimos”, afirma. “Os policiais, obviamente, não querem gravar cenas que possam incriminá-los. Então, a gente viu alguns casos, por exemplo, de abordagens que terminam com morte. Os policiais têm códigos para evitar que aqueles policiais que estão com câmeras filmem a situação.”
As câmeras do Rio de Janeiro foram contratadas para durar pelo menos 12 horas gravando ininterruptamente, também com um modo de acionamento. Quando o policial vai fazer uma interação, ele é obrigado a apertar um botão que grava em melhor qualidade e com áudio. “Como a operação, de fato, durou mais de 12 horas, é possível que parte da ação não tenha sido registrada”, diz Edler.
“O que eles poderiam fazer seria talvez contratar outras câmeras para quando você tiver uma operação que vai durar mais de 12 horas, porque existem câmeras no mercado que sustentariam isso”, sugere o especialista.
