Uma das iniciativas científicas mais inovadoras desde o quarto relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007, é a crescente colaboração entre cientistas e povos indígenas no sentido de avaliar o impacto da mudança climática sobre o meio ambiente. Em nenhum lugar essa mudança está ocorrendo mais rapidamente do que no Ártico, onde as temperaturas estão subindo a uma taxa duas vezes maior que a média global.

Há duas décadas, homens e mulheres indígenas do Ártico têm relatado, com agudo senso de observação, condições meteorológicas cada vez mais erráticas que confundem todos os esforços de previsão e análise. A artesã Mabel Toolie, por exemplo, da Ilha de St. Lawrence (no Alasca, nos Estados Unidos), expressa essa circunstância inquietante dizendo que “a Terra está mais rápida agora”. O pescador Yup’ik, morador da costa do Mar de Bering, no sudoeste do Alasca, declara que “o tempo está se tornando um mentiroso incessante”. Não importa como a observação seja expressa, o fenômeno de um clima cada vez mais variável e imprevisível ressoa de uma comunidade para a outra por todo o Norte circumpolar.

As mudanças são particularmente evidentes para caçadores inuits de Clyde River, em Nunavut (Canadá). Experientes na previsão tradicional do tempo, eles sentem que “perderam suas habilidades”. Alguns já embalam provisões e equipamentos adicionais quando viajam por terra, de trenó ou a pé, reconhecendo que o tempo pode mudar de repente e de forma imprevisível. Relatos de caçadores a respeito de um marco na previsibilidade do tempo na década de 1990 coincidem com as recentes análises meteorológicas científicas.

Uma das mudanças inscritas na paisagem relaciona-se ao que os inuits de nominam de uqalurait, montes de neve que se formam paralelamente ao vento que servem como um instrumento de navegação. No passado, os uqaluraits apontavam numa direção consistente ditada pelo vento dominante. Quando a visibilidade era escassa, os caçadores traçavam um curso confiável considerando a orientação do uqalurait para chegar ao seu destino.

Hoje, porém, os relatos dão conta de que o vento dominante desloca-se e muda de direção com grande variabilidade. Atualmente, os uqalurait só são confiáveis para a navegação se os viajantes tiverem estado em terra por tempo considerável e houver um registro disponível das mudanças no vento e das orientações dos montes. Caçadores jovens ou inexperientes correm o risco de ficar perdidos, porque podem não estar conscientes da variabilidade recente e supor que os uqaluraits continuam tão confiáveis quanto no passado.

Sistemas de observação

Muitas iniciativas de pesquisa e colaboração já surgiram desde 2007 envolvendo povos indígenas e cientistas naturais e sociais. Essas parcerias construíram uma história de investigação conjunta e de gestão do conhecimento, originada em décadas de processos de reivindicação de terras por povos nativos no Ártico, nos anos 1970 e 1980.

Um exemplo da observação contínua da mudança ecológica é fornecido pelo povo nenet do noroeste da Rússia, que relata aumentos na altura dos arbustos de salgueiro e de amieiro na zona de tundra. Os relatórios são confirmados por grupos de pastores em ambos os lados da parte polar dos Montes Urais, ao longo de vias de migração tradicionais usadas há décadas. Eles também registraram mudanças perceptíveis na gestão das renas em resposta ao aumento de altura dos arbustos.

Pastores hoje na casa dos 50 anos observam que os arbustos cuja altura era quase sempre inferior a um metro na década de 1970 agora ultrapassam, em muitos casos, os chifres das renas (maiores que dois metros). Isso os obriga a manter os animais fora dos altos matagais para não perdê-los de vista durante a rápida migração de verão. Os observadores têm suas próprias razões para desenvolver e manter observações sobre seu ambiente, que podem não ser quantitativas, mas não são menos precisas e detalhadas.

Um relatório do antropólogo Igor Krupnik e de Winton Weyapuk Jr. (2010) revela mais de 120 termos dos inupiaqs (o povo aborígine mais ao norte no mundo) para o gelo marinho e um extenso vocabulário associado na aldeia de Wales, no Alasca, com 75 palavras para tipos de gelo e suas condições. Cada termo é usado para designar um fenômeno significativo e distinto, ilustrando o refinamento e a sutileza com que os inupiaqs percebem e interagem com seu gelado ambiente.

Palavras numerosas e conceitos sobre o gelo marinho também são relatados por comunidades inuits em todo o Norte circumpolar. O vocabulário tradicional estabelece marcos conceituais e um modelo de alta resolução para a observação dos ambientes de gelo e suas transições sutis e tendências, úteis para a ciência. Muitos termos relativos ao gelo marinho são absorvidos com informações sobre condições de risco e potenciais fontes de perigo.

A segurança e a sobrevivência no gelo são em parte administradas pela habilidade do grupo em partilhar informações críticas de modo rápido e eficiente. Por serem específicas de um lugar, as línguas nativas servem como veículos para a partilha de conhecimentos e de experiências a respeito de um ambiente dinâmico e potencialmente arriscado, agora sujeito a uma rápida e imprevisível mudança climática.

Em um projeto no âmbito do Ano Polar Internacional batizado de Igliniit, caçadores inuits registraram suas observações sobre a vida selvagem, o gelo marinho, o clima e outros fenômenos ambientais enquanto viajavam pelo norte do Canadá. As observações foram sistematizadas, tornadas espacialmente precisas e registradas no local por meio do desenvolvimento de um microcomputador equipado com um sistema de posicionamento global afixado nas motoneves dos caçadores. O monitoramento dos trajetos feitos oferece dados precisos.

Outro projeto envolveu o estabelecimento de observações diárias sobre o tempo e o gelo feitas por monitores aborígines no Alasca (EUA), Canadá e em Chukotka (Rússia). A medida proporciona um registro ininterrupto de observações que abrangem quatro temporadas consecutivas de gelo.

Iniciativas de colaboração como essas, que reúnem conhecimento indígena e científico, dão uma importante contribuição para o monitoramento e a adaptação à mudança climática. Elas fornecem observações locais meticulosas e sistemáticas que provêm da experiência e da compreensão indígenas. Esses dados ficam ainda mais preciosos à medida que são enriquecidas com informações relacionadas aos meios de subsistência e às preocupações e necessidades das comunidades.