22/04/2014 - 11:23
Esqueça parmesão, roquefort, brie, gouda, camembert ou pecorino. Chegou a hora de catauá, serro, tubira, araxá, gonzagão, giramundo, canastra, salitre, cariri e taperoá. Os queijos brasileiros estão ganhando mercado, puxados pela vanguarda nacionalista mineira.
Os nomes acima são apenas de alguns dos integrantes da elite dos queijos artesanais 100% brasileiros, produtos regionais de qualidade cuja reputação está crescendo entre chefs de cozinha, editoriais de gastronomia e no mercado nacional. Foise o tempo em que eram relegados à condição acanhada de queijos coadjuvantes. Uma mudança recente na legislação sanitária abriu o mercado para a vanguarda dos queijos crus de Minas Gerais. Com a onda de consumo nacionalista, a Inconfidência Queijeira está a caminho da consagração.
Revistas, jornais e blogs cantam as glórias dos queijos brasileiros e o resgate de um patrimônio com 400 anos de existência que demoramos a perceber o quanto não dávamos o devido valor. Historiadores afirmam que a produção de queijos no Brasil teve início em 1552, quando foram trazidas ao país as primeiras cabeças de gado, provenientes da Ilha de Cabo Verde.
Todo mundo conhece o velho e bom queijo mineiro, meia cura ou curado. Uma visita à A Queijaria, pequena e acolhedora loja de queijos em São Paulo, cujo modelo de negócios tende a se reproduzir, revela um surpreendente painel da produção brasileira. São queijos provenientes de diversos estados, como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Paraíba e até da Ilha de Marajó, no Pará. Produtos que carregam forte sabor regional dos ingredientes históricos das culturas alimentares de suas regiões.
A Queijaria oferece um leque de 80 queijos brasileiros, nenhum importado. Não há imitações nacionais de gorgonzola ou coisa parecida. Fernando Oliveira, o proprietário, viaja pelo Brasil constantemente, visitando pequenos produtores, descobrindo preciosidades e estabelecendo novas conexões. O resultado pode ser avaliado pelas dezenas de pessoas que visitam o local diariamente.
“É comum o cliente entrar despretensiosamente para comprar um pedaço de queijo e sair levando três ou quatro de origens, expressões e sabores distintos”, diz Fernando. “Quando o consumidor reconhece a qualidade, torna-se interessado e volta para explorar a diversidade disponível. Precisamos defender os nomes e os valores regionais e fortalecer os produtores locais. Temos queijos que nada devem aos importados.” Na verdade, o consumidor ainda valoriza pouco o produto regional. Há queijos brasileiros de qualidade excepcional escondidos atrás de denominações europeias para conseguir melhor aceitação no mercado. Tudo porque o consumidor brasileiro ainda é muito preso à ideia de que queijo bom é queijo importado – francês ou italiano. A elite consumidora, entretanto, já não pensa assim e já se ligou nas novidades nacionais.
Nova lei
Minas Gerais é, de longe, o estado brasileiro que mais produz queijos, quase todos de leite cru, com produção notadamente concentrada em cinco principais regiões: Alto Paranaíba, Serro, Serra da Canastra, Campos das Vertentes e Araxá. Com apoio estadual, os 9.450 produtores mineiros já receberam até conselhos de especialistas franceses para melhorar a produção.
Até o ano passado, a lei sanitária proibia a venda interestadual de queijos de leite cru ou não pasteurizados, com prazo de cura inferior a 60 dias – exigidos para neutralizar os microorganismos e bactérias nocivas à saúde existentes no leite bruto. A lei protegia o consumo, mas representava um forte obstáculo ao acesso de queijos frescos fora dos estados produtores, afetando sobretudo a difusão dos queijos crus, com potencial para produzir sabores mais ricos e complexos.
Entretanto, uma nova Instrução Normativa baixada pelo Ministério da Agricultura em agosto de 2013 flexibilizou as regras para a comercialização, permitindo prazos menores de maturação, desde que apoiados em estudos que comprovem a qualidade do produto. A avaliação é feita por autoridades sanitárias estaduais, não federais. Com a medida, o contrabando de queijos artesanais de Minas pelas fronteiras estaduais deverá diminuir. Mas a legalidade elevará os preços. O produto antes vendido a R$ 10,00 o quilo, subiu para R$ 30,00 na Serra da Canastra.
Detentor de registro no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Cultural Nacional (Iphan) pelo seu modo único de produção, o produtor do queijo canastra vai poder mandar a iguaria para todo o país. Muitos dos 1.000 produtores artesanais ainda não entenderam a importância das características que definem o terroir do produto, a exemplo dos queijos franceses e italianos. As condições de produção e higiene precisam ser melhoradas.
Para tanto, o estado já inaugurou dois centros de maturação, em Medeiros, na Serra da Canastra, e em Rio Paranaíba, na região do Cerrado, que receberão a produção de 22 queijarias e oferecerão aos produtores a estrutura necessária à maturação. “A instrução normativa criou um novo mercado formal para o produtor mineiro, já que o queijo artesanal acabava recebendo tratamento de produto clandestino”, reconhece Álbany Árcega, coordenador técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, em Minas.
Na legalidade, os produtos mineiros terão identifi cação da queijaria e rótulo com selo de inspeção do Instituto Mineiro de Agropecuária (Ima) e do Sistema Brasileiro de Inspeção (Sisbi), equivalente ao selo da Secretaria de Inspeção Federal (SIF). Graças à celebridade dos queijos mineiros, como o canastra e o serro, o mercado de queijos regionais tende a florescer.
Tipos nacionais
Na tranquila cidade de Cunha, no interior de São Paulo, e nas cercanias da serra da Bocaina, a marca Café Capril produz um queijo frescal de cabra surpreendente, além de queijos de estilos europeus, como o moleson. Ainda em Cunha, o Sítio do Cume cria búfalas e produz um exclusivo queijo defumado de leite de búfala, que é chamado de provolone, muito superior a seus congêneres de supermercado. Na vizinha Guaratinguetá a legítima mussarela de búfala Bufalina, produzida sem “infi ltração” de leite de vaca, já conquistou uma legião de admiradores.
Na cidade mineira de Serro, Eduardo Melo produz um queijo excepcional e de grande complexidade gustativa. É o serro, de massa quebradiça e macia, casca amarelo-avermelhada fosca, ácido, picante e discretamente salgado, que permanece em cura por seis meses a nove meses. Uma verdadeira iguaria.
O delicioso catauá é um queijo de casca amarela e seca, com interior cremoso e sabor de leite fresco e salgado, produzido em Campos das Vertentes, interior de Minas Gerais. Em São Roque de Minas, Zé Mário é um dos mais renomados produtores do saborosíssimo queijo serra da canastra, com três meses de cura, massa seca, compacta e sutilmente picante – um dos líderes da Inconfidência Queijeira. Só na Serra da Canastra há mil produtores.
De Campo Redondo, região mineira de Itamonte, vem o queijo de mesmo nome, de textura pastosa, discretamente adocicado quando novo, mas que se torna mais salgado após a maturação. Da Serra do Salitre (MG) vem o queijo salitre, picante e salgado, que ostenta uma resina amarela em volta, que o protege e não interrompe a maturação. Quanto mais maturado, mais marcante sua acidez e o fundo doce.
O ácido e salgado queijo d’alagoa, apesar do nome, é produzido em Alagoa (MG). No interior de São Paulo, há ainda os deliciosos queijos de cabra curados na cidade de Casa Branca. Outro queijo com fortíssima ligação com a história regional é o serrano, produzido por pecuaristas de Campos de Cima da Serra (RS), e também na Serra Catarinense. No século XVIII, auge da atividade tropeira, o queijo era o principal produto de abastecimento alimentar das comunidades rurais. Carregamentos do produto cruzavam as montanhas em lombos de burros. Hoje, o serrano está em franca redescoberta.