Os dao e os hmong, que vieram da China para o Vietnã nos séculos 13 e 18, mantêm vivos o artesanato colorido, a culinária e as tradições.

Os antigos colonialistas franceses atribuíam-lhes, no século 19, o nome de montagnards, ou povos da montanha, identificados pela linguagem singular, pelos trajes tradicionais e pelos rituais ancestrais. Apesar de não existir uma segregação oficial entre etnias no Vietnã, os povos que habitam as terras altas do norte permanecem nas piores condições econômicas e sociais do país. Para a maioria kinh que hegemoniza o poder no governo comunista, eles são associados a estereótipos como “atrasados” e “selvagens”. Oficialmente não se usa o termo “indígena”, mas, na prática, os tay, os hmong, os dao, os muong e os hoa são os índios do Sudeste Asiático.

Após o fim da turbulenta guerra contra os norte-americanos nos anos 70, o Vietnã viveu uma desintegração territorial e cultural e duros déficits econômicos. Hoje, duas décadas após a implantação do Doi Moi, o programa de reestruturação econômica alinhado com a evolução da China, o país atingiu o segundo maior crescimento econômico da Ásia, com um modelo de socialismo de mercado que propõe minimizar as desigualdades entre seus 54 grupos étnicos. As 53 etnias minoritárias totalizam 14% dos cerca de 90 milhões de habitantes e organizam-se em comunidades tribais seminômades, muitas estabelecidas nas montanhas do norte. Na origem esses povos vieram da China e se espalharam não só pelo Vietnã como também pelas montanhas do Laos, da Tailândia e de Mianmar, onde conquistaram relativa autonomia.

O cultivo do arroz cria terraços verdes nas montanhas. As cestas carregam folhas de bambu usadas para aquecer as moradas

Na estação ferroviária de Lao Cai, no noroeste do Vietnã, desembarcam diariamente turistas, historiadores, fotógrafos e curiosos ávidos por conhecer as aldeias habitadas por minorias como os dao e os hmong negros, esses subdivididos em hmong flor, tao, yao e giay, as principais “tribos” da região. Estrangeiros e vietnamitas kinh partem em miniônibus e vans para uma jornada aventureira por estradas tortuosas até Sapa, o principal portal turístico da região. Próxima à fronteira com a China, a cidade foi construída durante o período colonial francês como uma estação de montanha alternativa para os verões sufocantes da capital, Hanói.

Não por acaso, os praticantes de montanhismo acorrem para os acampamentos destinados aos que desejam escalar os 3.143 metros do Monte Fansipan, o “Everest do Vietnã”. A paisagem de Sapa proporciona uma visão singular, quase surreal, de imensos terraços de arroz verde fluorescente, alinhados entre montanhas que remetem a cenários incas.

 

Sobre esse fundo as mulheres hmong yao surgem pelas ruas da cidade, identificadas pelos lenços multicoloridos tradicionais, a tez queimada, as largas argolas auriculares como brincos de metal e os dentes de ouro, que conferem um certo décor cigano, perseguindo clientes para vender artesanato. O mantra ressoante é: “You buy from me, don’t buy from her” (“Compre de mim, não compre dela”). O turismo trouxe melhores condições às minorias, induziu à construção de estradas, escolas e alguma infraestrutura habitacional, mas também deturpou as tradições. Os gestos simples de hospitalidade genuína gradualmente vêm sendo substituídos pelo comércio agressivo, às vezes no limiar da mendicância.

 

Originário da Sibéria, do Tibete e da Mongólia, o povo hmong viveu na China até o século 18, quando conflitos com as dinastias Qing e Ming provocaram migrações para o Vietnã. Atualmente o país detém a segunda maior população desse grupo no mundo. No mercado dominical de Bac Ha, a maior e mais antiga feira da região, as hmong flor, com suas vestes coloridas de bordados luminescentes, expõem seu artesanato tradicional.

As mulheres jovens participam do comércio e da lavoura e conduzem o gado com os filhos empacotados em trouxas nas costas. As anciãs mais experientes no artesanato também se dedicam ao corte e à venda da canade- açúcar, enquanto os homens negociam búfalos e porcos selvagens, além de cachorros, vivos ou em pedaços – para consumo humano. Na pausa para o almoço, o tradicional Pho, sopa de macarrão de arroz com carne de porco, é acompanhado por vinho de arroz ou de milho, similar ao saquê japonês, que aquece o caminho de volta às comunidades. Não raro, as mulheres carregam cestas cheias de folhas de bambu, essenciais para aquecer as moradas.

O turismo trouxe melhorias aos povos da montanha, mas também converteu camponeses em comerciantes e pedintes agressivos.

Entre o aglomerado de visitantes no mercado, as mulheres hmong giay, as mais rústicas do povo hmong, com suas cartolas arredondadas, enrolam fibras de cânhamo para a tecelagem, que gradualmente vêm sendo substituídas por algodão e fibra sintética. A confecção das saias plissadas à base de Cannabis sativa é preservada em apenas 20% dos lares hmong. Organizações de assistência global como a Link Craft reforçam iniciativas de valorização das tradições no mercado de exportação, nas vilas de Ta Van e Cat Cat. Ao lado de etnólogos e designers, as mulheres participam da criação de produtos utilizando matéria-prima local, que proporciona uma nova perspectiva econômica.

As mulheres da tribo dao, agrupadas em ateliês abarrotados de máquinas de costura, são facilmente distinguíveis pelos ornamentos na cabeça – lenços e turbantes emaranhados, de um vermelho vivo, que parecem cocares de tecido – e túnicas bordadas com moedas e penduricalhos. O povo dao, que iniciou sua migração antes do hmong, a partir do século 13, cultua uma rica literatura nos idiomas han e dao, além de costumes que mesclam magia com confucionismo, budismo e taoísmo.

As cachoeiras formadas pelo Rio Muong, a 2 mil metros de altitude, são engolidas pela neblina durante metade do ano.

Os dao se dedicam ao cultivo de arroz, à tecelagem de algodão e ao comércio de ourivesaria. Ly May Chan, líder comunitária da vila de Ta Phin, perto de Sapa, trabalha com a escolarização de crianças. “A formação de cooperativas para a distribuição do artesanato local em casas de cultura é fundamental para a sobrevivência de nosso povo”, explica. “Essa pode ser a saída para manter vivas nossas raízes.”

Os turistas se encantam com os rituais de cortejo das descontraídas jovens dao nos “embalos de sábado à noite” do “Mercado do Amor” de Sapa, onde as jovens entoam versões tribais de canções à la Joan Baez para atrair os membros do sexo oposto. Esses, ao que parece, preferem esbaldar-se na bebida ou no consumo de ópio, que legalmente só poderia ser utilizado para fins cerimoniais.

Com um pente fincado entre longas madeixas, Giang Thi Hoam, de 16 anos, alterna sua rotina entre escola e trabalho com a de guia de turistas que desejam conhecer a magia da natureza e da cultura montanhesa, praticamente dissolvida na cidade. Desde 1993, a área urbana de Sapa foi tomada pelo boom turístico, com um aumento desgovernado de hotéis e pensões, administrados por proprietários kinh, que ocupam os melhores terrenos de altiplanos e as melhores vistas panorâmicas, empurrando para as bordas a vida intimista e rústica dos nativos.

Sorridente, a jovem hmong tao explica as dificuldades para conquistar melhores condições de vida: “Aprendemos inglês praticando com os turistas, o que abre novas oportunidades para o futuro. Nosso povo consegue sobreviver com pouco. Às vezes leva um dia inteiro para fazer alguns dólares. Para meus pais, boa vida significa ter um campo de arroz próprio, alguns porcos e uma casa de palafitas. Mas as pessoas da minha geração gostariam de entrar em universidade, de ter celular e motocicleta.

A beleza dos cenários recortados por cachoeiras e pelo Rio Muong Hoa costuma ser engolida pela espessa neblina que invade a região durante metade do ano, no incessante ir e vir de massas frias e úmidas. A melhor época para visitar Sapa é entre a primavera e o outono, entre abril e outubro. Durante o inverno os termômetros caem a temperaturas congelantes. O clima exerce influência sobre a produção agrícola e as condições de saúde da população, levando sazonalmente à escassez de alimentos, à desnutrição e às doenças respiratórias.

A despeito dos progressos trazidos pelo turismo e pelo desenvolvimento econômico, como a modernização da infraestrutura urbana e rural, as melhorias na produção agrícola e o acesso a novas tecnologias, Sapa sofre de carências sociais básicas, relacionadas à disparidade de condições em comparação com a maioria kinh. A maioria das casas construídas com madeira e bambu dispõe de um ou dois cômodos, uma caldeira escavada no chão para cozinhar e tapetes artesanais, desconhecendo instalações sanitárias, eletricidade e outros confortos modernos. A maior parte dos homens e mulheres hmong e dao carece de assistência de saúde básica.

A associação dos montanheses à superstição e ao misticismo, por parte da população kinh e de alguns órgãos do governo, prejudica a conquista de benefícios sociais e desestimula a participação na vida pública. É difícil para a mente moderna compreender, livre de estereótipos, a multiplicidade dos símbolos ancestrais dos montanheses asiáticos. O Vietnã, um dos últimos países comunistas do mundo, também vive o confronto da modernidade com as culturas que clamam pela preservação, onde a maior riqueza deriva da diversidade e da espontaneidade das raízes culturais.

As novas gerações trocariam de bom grado os costumes antigos por celular, motocicleta e universidade. Ao lado, a vila de Sapa.