11/12/2020 - 11:43
Por mais de 10 mil anos, as pessoas que viveram na paisagem árida do atual oeste do Novo México (EUA) foram conhecidas por suas sociedades complexas, arquitetura única e sistemas econômicos e políticos particulares. Mas sobreviver no que os exploradores espanhóis mais tarde chamariam de El Malpais, ou as “terras ruins”, exigia engenhosidade.
Essa engenhosidade foi agora explicada pela primeira vez por uma equipe internacional de geociências liderada pela Universidade do Sul da Flórida (EUA). Os pesquisadores dessa instituição trabalharam com colegas do National Park Service, da Universidade de Minnesota (EUA) e de um instituto de pesquisa da Romênia. Um artigo sobre as descobertas feitas foi publicado na revista “Scientific Reports”.
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Ao explorarem um tubo de lava (conduto natural pelo qual a lava chega à superfície em um fluxo, expelido por um vulcão em erupção) carregado de gelo do Monumento Nacional de El Malpais, e usando carvão datado por radiocarbono que foi encontrado preservado nas profundezas de um depósito de gelo em um tubo de lava, o professor de geociências da Universidade do Sul da Flórida Bogdan Onac e sua equipe descobriram que ancestrais dos pueblos (anteriormente conhecido como anasazis) sobreviveram a secas devastadoras indo a grandes profundezas nas cavernas para derreter o gelo antigo como recurso hídrico.
Datados de 150 d.C. a 950 d.C., os coletores de água deixaram para trás material carbonizado na caverna, indicando que começavam pequenas fogueiras para derreter o gelo a fim de recolher água potável ou talvez para rituais religiosos.
Evidências inequívocas
Acredita-se que as secas influenciaram as estratégias de assentamento e subsistência, intensificação agrícola, tendências demográficas e migração das complexas sociedades de ancestrais dos pueblos que habitaram o Sudoeste dos EUA no passado. Segundo os pesquisadores, a descoberta de depósitos de gelo apresenta “evidências inequívocas” de cinco eventos de seca que impactaram a sociedade dos ancestrais dos pueblos durante aqueles séculos.
“Esta descoberta lança luz sobre uma das muitas interações humano-ambientais no sudoeste, em um momento em que as mudanças climáticas forçaram as pessoas a encontrar recursos hídricos em lugares inesperados”, disse Onac, observando que as condições geológicas que apoiaram a descoberta estão agora ameaçadas por mudanças climáticas modernas.
“O derretimento do gelo da caverna nas atuais condições climáticas está revelando e ameaçando uma fonte frágil de evidências paleoambientais e arqueológicas”, acrescentou.
Onac é especializado em explorar as profundezas das cavernas ao redor do mundo, onde o gelo e outras formações geológicas e características fornecem uma janela para o nível do mar e as condições climáticas anteriores e ajudam a adicionar um contexto importante aos desafios climáticos de hoje.
Bloco de gelo
Seu estudo se concentrou em um único tubo de lava em meio a uma amostra de 64 quilômetros de traiçoeiros fluxos de lava antigos que hospedam vários desses tubos, muitos com depósitos de gelo significativos. Enquanto os arqueólogos suspeitam que algumas das trilhas superficiais que cruzam os fluxos de lava foram deixadas por habitantes antigos em busca de água, a equipe de pesquisa disse que seu trabalho é a prova mais antiga e datada de coleta de água dentro dos tubos de lava do Sudoeste.
O estudo caracteriza cinco períodos de seca ao longo de um período de 800 anos durante os quais os ancestrais dos pueblos acessaram a caverna, cuja entrada fica a mais de 2.200 metros acima do nível do mar e foi pesquisada em uma extensão de 171 metros de comprimento e cerca de 14 metros de profundidade. A caverna contém um bloco de gelo que parece ser um resquício de um depósito de gelo muito maior, o qual ocupava antes a maior parte da seção mais profunda da caverna. Por razões de segurança e conservação, o National Park Service identifica o local apenas como Gruta 29.
Em anos com temperaturas normais, o derretimento do gelo sazonal perto das entradas das cavernas deixaria poças de água rasas temporárias que seriam acessíveis aos ancestrais dos pueblos. Mas quando o gelo esteve ausente ou recuou em períodos mais quentes e mais secos, os pesquisadores documentaram evidências que mostram que os ancestrais dos pueblos repetidamente abriam caminho até o fundo da caverna para acender pequenas fogueiras a fim de derreter o bloco de gelo e coletar a água.
Descoberta inesperada
Eles deixaram para trás depósitos de carvão e cinzas, bem como um fragmento de cerâmica Cibola Gray Ware que os pesquisadores encontraram enquanto coletavam um núcleo de gelo antigo do bloco. A equipe acredita que os ancestrais dos pueblos conseguiam controlar a fumaça dentro da caverna com seu sistema natural de circulação de ar, mantendo as fogueiras pequenas.
A descoberta foi inesperada, disse Onac. O objetivo original da equipe em sua jornada no tubo de lava era coletar amostras para reconstruir o paleoclima usando depósitos de gelo, que estão derretendo lenta, mas continuamente.
“Entrei em muitos tubos de lava, mas esse foi especial por causa da quantidade de carvão presente no chão na parte mais profunda da caverna”, disse ele. “Achei que era um assunto interessante. Mas só após encontrar carvão e fuligem no núcleo de gelo que me ocorreu a ideia de conectar o uso do gelo como recurso hídrico.”
Infelizmente, os pesquisadores agora estão correndo contra o relógio. As atuais condições climáticas estão causando o derretimento do gelo da caverna, resultando na perda de dados antigos.