26/01/2022 - 11:00
Décadas de pesquisa sobre a cannabis medicinal se concentraram nos compostos tetra-hidrocarbinol (THC) e canabidiol (CBD) em aplicações clínicas. Mas pouco se sabe sobre as propriedades terapêuticas do canabinol (CBN). Agora, um novo estudo de cientistas do Instituto Salk (EUA) mostra como o CBN pode proteger as células nervosas do dano oxidativo, um importante caminho para a morte celular. As descobertas, publicadas online na revista Free Radical Biology and Medicine, sugerem que o CBN tem potencial para tratar doenças neurodegenerativas relacionadas à idade, como a doença de Alzheimer.
“Descobrimos que o canabinol protege os neurônios do estresse oxidativo e da morte celular, dois dos principais contribuintes para a doença de Alzheimer”, diz a autora sênior Pamela Maher, professora de pesquisa e chefe do Laboratório de Neurobiologia Celular do Instituto Salk. “Esta descoberta pode um dia levar ao desenvolvimento de novas terapêuticas para tratar essa doença e outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson”.
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Derivado da planta Cannabis sativa, o CBN é molecularmente semelhante ao THC, mas não é psicoativo. Também é menos regulamentado pelo FDA, a agência dos EUA que regula remédios e alimentos. Pesquisas anteriores do laboratório de Maher descobriram que o CBN tinha propriedades neuroprotetoras, mas não estava claro como funcionava. O novo estudo explica o mecanismo pelo qual o CBN protege as células cerebrais de danos e morte.
Proteção das mitocôndrias
A equipe de Maher analisou o processo de oxitose (também chamado de ferroptose), que se acredita ocorrer no cérebro envelhecido. Evidências crescentes sugerem que a oxitose pode ser uma causa da doença de Alzheimer. A oxitose pode ser desencadeada pela perda gradual de um antioxidante chamado glutationa, causando danos às células neurais e morte por oxidação lipídica. No estudo, os cientistas trataram as células nervosas com CBN e, em seguida, introduziram um agente para estimular o dano oxidativo.
Eles descobriram ainda que o CBN funcionava protegendo as mitocôndrias, as usinas de força da célula, dentro dos neurônios. Nas células danificadas, a oxidação fez com que as mitocôndrias se enrolassem como rosquinhas – uma mudança que também foi observada em células envelhecidas retiradas do cérebro de pessoas com doença de Alzheimer. O tratamento das células com CBN impediu que as mitocôndrias se enrolassem e as manteve funcionando bem.
Para confirmar a interação entre o CBN e as mitocôndrias, os pesquisadores então replicaram o experimento em células nervosas que tiveram as mitocôndrias removidas. Nessas células, o CBN não demonstrou mais seu efeito protetor.
“Conseguimos mostrar diretamente que a manutenção da função mitocondrial era especificamente necessária para os efeitos protetores do composto”, disse Maher.
Substância segura
Em outra descoberta importante, os pesquisadores mostraram que o CBN não ativou os receptores de canabinoides, que são necessários para que os canabinoides produzam uma resposta psicoativa. Assim, a terapêutica com CBN funcionaria sem fazer com que o indivíduo ficasse “alto”.
“O CBN não é uma substância controlada como o THC, o composto psicotrópico da cannabis, e as evidências mostraram que o CBN é seguro em animais e humanos. E uma vez que o CBN funciona independentemente dos receptores de canabinoides, ele também poderia funcionar numa vasta variedade de células com amplo potencial terapêutico”, afirmou o primeiro autor Zhibin Liang, pós-doutorando no laboratório de Maher.
Além da doença de Alzheimer, as descobertas têm implicações para outras doenças neurodegenerativas, como a doença de Parkinson, que também está ligada à perda de glutationa. “A disfunção mitocondrial está implicada em mudanças em vários tecidos, não apenas no cérebro e no envelhecimento. Então, o fato de esse composto ser capaz de manter a função mitocondrial sugere que poderia ter mais benefícios além do contexto da doença de Alzheimer”, disse Maher.
Maher acrescenta que o estudo mostra a necessidade de mais pesquisas sobre o CBN e outros canabinoides menos estudados. Como próximo passo, ela e sua equipe estão trabalhando para ver se podem reproduzir seus resultados em um modelo de camundongo pré-clínico.