11/07/2017 - 17:00
Fazer com menos na fabricação de produtos e serviços tem sido uma realidade aceita e inescapável na Índia. Em 2012, um em cada cinco indianos (270 milhões) ainda vivia abaixo da linha de pobreza. Para atender os consumidores na base da pirâmide, bens e serviços de qualidade na Índia precisam ser acessíveis. Essa realidade inspirou as empresas locais a investir na chamada inovação frugal, ou engenharia frugal.
“A improvisação – mais conhecida pelo equivalente hindu jugaad – sempre foi uma forma de fazer as coisas na Índia”, observa o Relatório de Ciência da Unesco (2015). Hoje, essa forma frugal de inovação está atendendo mercados previamente ignorados pela inovação tradicional. A Índia não apenas se tornou um centro de criações frugais, mas também as codifica e as exporta para o Ocidente.
Muitas criações frugais do país funcionam independentemente da rede elétrica, o que as torna atraentes para a população rural. O refrigerador portátil Chotukool, fabricado pela indústria Godrej, por exemplo, tem capacidade de 35 litros, funciona com baterias e custa cerca de US$ 70. Há relatos não confirmados de 100 mil peças vendidas nos dois primeiros anos de produção.
A VNL Limited desenvolveu uma estação base equipada com o Sistema Global para Comunicações Móveis (GSM, na sigla em inglês) que permite a moradores de áreas rurais o uso de telefones celulares. O World Global System for Mobile Communications (WorldGSM) é o primeiro sistema GSM comercialmente viável que funciona independentemente da rede elétrica. Projetado para entrega e implantação simples por trabalhadores locais não treinados, ele funciona exclusivamente com energia solar.
Desenvolvido pela empresa Vortex e pelo Instituto de Tecnologia Indiano de Madras, o Gramateller, baseado em energia solar, é considerado o caixa eletrônico que menos consome energia no mercado. Bancos líderes como State Bank of India, HDFC e Axis Bank adotaram caixas eletrônicos projetados e fabricados pela Vortex para atender seus clientes rurais.
Serviços frugais
Os serviços frugais na Índia não envolvem pesquisa e desenvolvimento, ou pelo menos não de natureza sofisticada. Eles podem simplesmente inovar no modo como a cadeia de suprimentos é organizada. Também podem ser muito específicos em localização e, como tal, não replicáveis em outros lugares.
Os serviços frugais são muitas vezes relacionados à saúde. O Arvind Eye Care System fornece cirurgias nos olhos baratas e em grande escala. Em 2012 e 2013, os hospitais realizaram 371.893 operações. Há também maternidades de baixo custo, geridas pela Life Spring, que oferecem cuidados de saúde de qualidade a 30-40% do preço de mercado. Em 2015, a Life Spring operava 12 hospitais em Hyderabad e planejava expandir-se para outras cidades.
Há também serviços financeiros frugais. A Eko traz serviços bancários sem filiais para a pessoa na rua alavancando lojas de varejo existentes, conectividade de telecomunicações e infraestrutura bancária. A empresa também faz parcerias com instituições para oferecer serviços de pagamento e depósito. Os clientes usam um telefone celular de baixo custo para fazer suas transações.
Embora a inovação frugal esteja espalhada em indústrias e serviços, a maioria dos produtos trazidos para o Ocidente tem sido de dispositivos médicos. Cientistas e engenheiros da Universidade Stanford, nos EUA, logo detectaram seu potencial. Isso levou à criação do Projeto de Biodesign Stanford-Índia (SIBDP) em 2007, que gerou uma série de empreendedores cujos dispositivos médicos inovadores têm baixos custos de produção.
Potencial reconhecido
A SIBDP “produziu quatro startups de dispositivos médicos particularmente interessantes na Índia – uma nova solução integrada de ressuscitação neonatal, um dispositivo não invasivo para triagem de recém-nascidos voltado para deficientes auditivos, artefatos de imobilização de membros de baixo custo para tratamento de acidentes de trânsito e uma alternativa ao acesso intravenoso difícil em emergências médicas”.
Multinacionais estrangeiras têm reconhecido o potencial do mercado da inovação frugal. A General Electric desenvolveu uma máquina portátil de eletrocardiograma de 1,3 kg (GE MAC 400), que fabrica na Índia por cerca de US$ 1,5 mil – outra versão, de cerca de 6,8 kg, custa US$ 10 mil. O êxito inicial do produto no mercado levou a GE a exportar a tecnologia para sua empresa-mãe nos EUA.
“Apesar da esmagadora popularidade da inovação frugal, as políticas de inovação na Índia não a encorajam explicitamente”, observa o Relatório de Ciência da Unesco, concluindo que essa fiscalização “precisa ser abordada”. Por um lado, as startups baseadas em tecnologia precisam de maior acesso ao capital de risco. Nesse sentido, o relatório afirma que “o orçamento do governo para 2014-2015 propõe criar um fundo de 100 bilhões de rúpias (cerca de US$ 1,3 bilhão) para catalisar capitais de risco para startups”.
Também se deve observar que o Gabinete do Presidente da Índia começou a organizar em 2015 um Festival de Inovação anual, apoiado pela Unesco e por instituições locais, que se tornou uma celebração de criatividade e inovação em nível básico. Em março de 2017, 50 jovens inventores foram premiados. As universidades também são encorajadas a competir entre si na categoria de prêmios dos visitantes.
Nano na contramão
Nem todos os bens frugais atingiram o mesmo sucesso no mercado indiano. Um dos exemplos mais célebres nesse sentido, o Nano, microcarro da montadora Tata, tem sofrido quedas nas vendas desde que foi lançado, em 2009, a um custo de cerca de US$ 2 mil. Depois de atingirem o pico de 74.521 veículos em 2011-2012, as vendas caíram para 53.847 no ano seguinte e para apenas 21.130 em 2013-2014.
O Relatório de Ciência da Unesco sugere que a remoção de características-chave pode explicar as vendas ruins do Nano. “O modelo mais recente, o Nano Twist, vem com uma série de características encontradas em modelos mais caros, como um sistema de direção assistida elétrica”.