Suposto caso de corrupção em contratos da aliança militar indica falta de supervisão de gastos públicos com defesa, num momento em que União Europeia reúne esforços para se armar.Uma investigação de corrupção envolvendo funcionários e ex-funcionários da Agência de Apoio e Compras da Otan, a aliança militar ocidental, levou a cinco prisões até o momento, duas na Bélgica e três na Holanda, e acende um alerta sobre as brechas na fiscalização de gastos com defesa.

O Ministério Público da Bélgica relatou na quarta-feira (14/05) “possíveis irregularidades” em contratos concedidos para a compra de munição e drones por meio da Otan, e anunciou as primeiras detenções relacionadas ao caso.

A suspeita é de que funcionários ou ex-funcionários da agência da Otan em Luxemburgo teriam passado informações para fornecedores da área de defesa. “Há indícios de que o dinheiro obtido com essas práticas ilegais teria sido em parte lavado por meio da criação de empresas de consultoria”, afirmou a Procuradoria belga, em comunicado.

Pouco tempo depois, as autoridades holandesas anunciaram três prisões, incluindo a de um ex-funcionário do Ministério da Defesa, de 58 anos, cujo trabalho “envolvia contratos de compras internacionais”.

Em Luxemburgo, o Ministério Público confirmou que documentos haviam sido apreendidos e informou que a investigação também se estende a Itália, Espanha e Estados Unidos, coordenada pela agência de justiça criminal da União Europeia, a Eurojust.

Otan: “Queremos chegar à raiz do problema”

O secretário-geral da Otan, Mark Rutte, afirmou na semana passada, após reunião em Antalya, na Turquia, que a própria agência iniciou as investigações. “Queremos chegar à raiz do problema”, disse a repórteres.

Com uma equipe de mais de 1.500 pessoas, a Agência de Apoio e Compras da aliança militar está sediada em Luxemburgo, com representações em vários outros países europeus. Além de fornecer suporte logístico para operações ou missões, ela também tem a função de negociar contratos de defesa em nome dos Estados membros.

O órgão foi criado para coordenar compras conjuntas e, assim, economizar dinheiro dos países membros, e opera “sem perdas e lucros”, segundo a Otan.

No ano passado, por exemplo, a agência assinou um contrato de quase 700 milhões de dólares (aproximadamente R$ 3,9 bilhões) para a compra de mísseis antiaéreos Stinger (armas portáteis usadas para abater aeronaves a baixas altitudes) em nome de vários membros. O então secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, anunciou o acordo em maio de 2024, sem nomear os países envolvidos, em comentários divulgados pela agência de notícias Reuters.

Para a especialista em defesa Francesca Grandi, da organização Transparência Internacional, a investigação em andamento da Otan, seja qual for o seu resultado, é um “lembrete precioso” da importância de uma supervisão completa de como o dinheiro público é gasto em defesa. “Esse caso é realmente oportuno, de certa forma, porque nos lembra da importância da transparência.”

Péssimo timming para a Otan

Para a Otan, a investigação vem num momento delicado. De olho no reforço militar massivo da Rússia na esteira da guerra na Ucrânia, os países da aliança estão expandindo gastos com defesa, movimento que provavelmente durará anos.

Sob pressão do presidente dos EUA, Donald Trump, espera-se que os 32 países que integram a aliança militar se comprometam a gastar, em média, pelo menos 3,5% de seu PIB em defesa – a média atual de gasto militar está em 2,7% do PIB. Em 2024, a aliança gastou coletivamente 1,3 trilhão de dólares (aproximadamente R$ 7,3 bilhões) em defesa, de acordo com dados da Otan publicados em abril.

Enquanto isso, a União Europeia, cujos membros compõem dois terços da Otan, se prepara para uma grande onda de gastos. A Comissão Europeia anunciou que pretende usar a excelente classificação de crédito da UE para tomar emprestado 150 bilhões de euros (R$ 951 bilhões) que poderão ajudar os 27 membros da UE a investir cerca de 800 bilhões de euros (R$5,1 trilhões) até 2030 em seu plano de rearmamento.

Mais dinheiro, pouca transparência

Com a ampliação dos gastos no setor de defesa prevista para os próximos cinco anos, as instituições públicas envolvidas provavelmente ficarão sob enorme pressão para gerenciar os riscos de corrupção.

Em todo o mundo, o setor de defesa é particularmente propenso a desvios devido aos altos níveis de sigilo que envolvem os contratos governamentais, às grandes quantias de dinheiro em jogo e à natureza sensível das negociações, explicou Grandi.

A Europa não é exceção. Em nível nacional e na UE, muitos dos mecanismos de transparência sobre processos de compras públicas não se aplicam à defesa e à segurança.

Por exemplo, o Parlamento Europeu não tem supervisão orçamentária sobre o dinheiro enviado para a defesa da Ucrânia por meio do Mecanismo de Paz Europeu, instrumento financeiro criado em 2021 para reforçar a capacidade da UE de investir em segurança. Mais de 10 bilhões de euros (R$ 63,5 bilhões) já foram destinados a Kiev por meio desse dispositivo, que está fora do orçamento da UE.

A Transparência Internacional está preocupada com a falta de atenção dos formuladores de políticas à crescente onda de gastos militares, disse Grandi. Ao mesmo tempo, o lobby do setor de defesa está crescendo.

“O risco da falta de supervisão é acabarmos com uma arquitetura de defesa que não garanta a segurança de seus cidadãos como deveria, que seja marcada por ineficiências, que desperdice dinheiro, mas que também crie espaço para abuso de poder, para influência indevida”, alertou.