Custo de não fazer nada é muito superior ao investimento para combater mudança climática, diz relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Diretora ambiental da ONU teme complacência de países.O preço de uma abordagem “fica tudo como está” em relação ao clima e ao meio ambiente já chega a trilhões de dólares por ano e continua aumentando, de acordo com um relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) divulgado nesta terça-feira (09/12) em Nairóbi, durante a sétima Assembleia Ambiental das Nações Unidas .

O relatório constata que, no rumo atual, a mudança climática pode reduzir o Produto Interno Bruto (PIB) global em 4% até 2050 e em 20% até o fim deste século e que, ao contrário, investir num clima estável, em natureza e solo saudáveis e num planeta livre de poluição pode adicionar trilhões de dólares ao PIB global, evitar milhões de mortes e tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza e da fome.

O relatório mostra que o mundo está numa encruzilhada entre continuar no rumo atual da mudança climática ou mudar de direção para garantir um planeta saudável, afirma a diretora executiva do Pnuma, a economista dinamarquesa Inger Andersen. “Isso não é mesmo uma escolha.”

“Meu maior medo é de nos tornarmos complacentes”, diz Andersen, em entrevista à DW. Ela acrescenta que serão os mais pobres que mais sofrerão se nada for feito com a rapidez necessária.

As emissões de gases que causam o aquecimento global atingiram novos recordes em 2025 , ano que também deverá ser o segundo mais quente já registrado, ao lado de 2023, de acordo com novos dados do programa Copernicus da União Europeia (UE).

Os custos de não se fazer nada

Andersen diz que o novo relatório do Pnuma, produzido por 287 cientistas de 82 países, estabelece um roteiro para a ação global. Os benefícios de alterar o rumo do mundo incluem trilhões de dólares em PIB adicional a cada ano, além de evitar milhões de mortes e tirar centenas de milhões de pessoas da pobreza e da fome, de acordo com os cientistas do relatório.

O relatório afirma que isso exigirá ação coordenada entre governos, empresas e sociedades para acelerar a transição para uma agricultura sustentável, restaurar ecossistemas, adotar energia limpa, bem como projetar produtos e materiais que durem mais e reduzam o desperdício.

Andersen diz que o relatório serve como lembrete da importância de limitar o uso desmesurado de recursos importantes – como terra, água ou energia – para que haja um “grau de justiça geracional para com nossos filhos e netos”.

Os autores destacam a necessidade de mudar padrões de comportamento e de abandonar o consumo excessivo em muitas partes do mundo, bem como de transformações na área econômica, por exemplo não focar apenas no PIB como medida de riqueza e c onsiderar também o bem-estar humano e ambiental, além de eliminar gradualmente subsídios prejudiciais, como os destinados aos combustíveis fósseis.

Isso, concluem, poderia gerar, todos os anos, 20 trilhões de dólares (R$ 108 trilhões) em benefícios econômicos globais até 2070, valor que, a partir daí, aumentaria para 100 trilhões de dólares anuais.

Um investimento anual mundial de cerca de 8 trilhões de dólares seria necessário para ajudar a restaurar a biodiversidade e zerar as emissões líquidas de gases estufa até 2050. Esse seria o ponto em que as emissões restantes na atmosfera poderiam ser absorvidas pela natureza ou removidas por meio de tecnologias, como a captura de carbono.

Esse investimento é alto, mas o preço de não fazer nada é muito maior, de acordo com os cientistas do relatório. Nos últimos 20 anos, eventos climáticos extremos – como inundações , tempestades e incêndios florestais – causaram prejuízos estimados em 143 bilhões de dólares.

Em 2019, os danos à saúde causados pela poluição do ar representaram 6% do PIB global, ou 8 trilhões de dólares, e os custos econômicos decorrentes disso deverão aumentar para um valor entre 18 trilhões e 25 trilhões até 2060, segundo o Pnuma.

Resultados mistos em 2025

O relatório é divulgado no fim de um ano marcado por resultados mistos em questões climáticas e ambientais. “Obviamente foi um ano difícil para o multilateralismo”, afirma Andersen. Mas ela diz que continua otimista quanto aos resultados que a cooperação entre os países pode alcançar.

Embora “os países não estejam se movendo rápido o suficiente” para conter as emissões, ela avalia que houve progresso em evitar os elevados aumentos de temperatura previstos quando as nações se uniram em 2015 para assinar o Acordo de Paris , que visa limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius .

Mas ela ficou desapontada por a Conferência do Clima da ONU em Belém, a COP30 , não ter chegado a um consenso sobre um caminho de transição para a eliminação do uso de petróleo, carvão e gás. Andersen, porém, se diz ansiosa quanto à conferência para acelerar a eliminação gradual dos combustíveis fósseis , liderada pela Holanda e Colômbia e agendada para abril.

Ela diz que a convenção climática está funcionando. “Mas precisamos acelerar o processo, senão teremos que pagar um preço alto em termos de inundações, incêndios, enchentes, mortes por causa de calor e secas e outros problemas.”

Razões para se ter esperança em 2026

De olho no futuro, Andersen afirma ser importante que as energias renováveis estejam se tornando competitivas. Ela vê como “um fenômeno interessante” que a energia eólica e a solar sejam hoje produzidas a um custo bem menor que o dos combustíveis fósseis.

Ela destaca o exemplo do Texas, nos EUA, que, apesar de ser um estado produtor de petróleo, consegue obter 40% de sua eletricidade de fontes renováveis. “É interessante ver que os mercados estão se movendo numa direção que é útil contra a crise climática”, diz Andersen. Para ela, as energias renováveis são um setor “imparável devido aos preços e à competitividade”.

Se teme a complacência, Andersen também diz se sentir motivada por um movimento de grupos diferentes impulsionando a ação climática – empresas, jovens ativistas, cientistas e líderes religiosos – que ela considera tão poderoso que não pode mais ser impedido. “O que me dá esperança é que existem soluções e há milhões de pessoas clamando por elas.”

Ela espera que isso se traduza em ação política. “Costumo dizer: leve seu neto ou sua filha ou tenha os sonhos de uma criança em mente quando entrar numa cabine de votação e vote também por eles, assim como por seus próprios interesses. Esse é um compromisso que cada um de nós precisa assumir com aqueles que mais amamos em nossas vidas.”