01/09/2025 - 12:48
Milenar prática espiritual é motivo de orgulho para os indianos. E, sob o premiê Narendra Modi, torna-se cada vez mais ferramenta de influência internacional.A ioga, uma prática que se acredita ter entre 3 mil e 6 mil anos, é uma das principais expressões culturais da Índia e virou um dos produtos de exportação cultural de maior sucesso do país da Ásia Meridional, comparável apenas a Bollywood, tornando-se um fenômeno global nas últimas décadas.
Por meio de eventos internacionais, intercâmbios culturais e programas educacionais, a ioga deixou de ser uma mera prática espiritual que combina posturas físicas, técnicas de respiração, meditação e princípios éticos para se tornar uma expressão da identidade cultural e da presença da Índia em todo o mundo.
Esse movimento não é apenas natural, mas também estimulado, pois a ioga vem sendo utilizada como instrumento de soft power pela diplomacia do primeiro-ministro Narendra Modi, à medida que o país do Brics assume um papel mais importante nos assuntos mundiais.
Devido aos esforços de Modi, as Nações Unidas decidiram, no fim de 2014, declarar o 21 de junho como o Dia Internacional da Ioga. Nas celebrações deste ano, o próprio Modi praticou ioga entre uma multidão à beira-mar na cidade de Visakhapatnam, no sul do país. “A ioga nos conduz numa jornada rumo à unidade com o mundo”, afirmou.
Soft power da Índia
Em 21 de junho de 2023, Modi liderou as celebrações do Dia da Ioga na sede das Nações Unidas, em Nova York, “o mesmo lugar onde ele propôs a ideia pela primeira vez”, observou o diplomata indiano Chaitanya Prasad, em artigo no jornal The Pioneer.
Prasad vê a ioga como uma força transformadora que fortalece o sentimento de unidade e harmonia num mundo cada vez mais fragmentado e volátil. Cada vez que alguém desenrola um tapete para iniciar sua prática, está se conectando com a rica herança da Índia, observa. “Isso em si é o soft power da Índia”, afirma Prasad.
O professor de direito internacional Venkatachala G. Hegde, da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Déli, vê a promoção do ioga como parte dos esforços do governo indiano para preservar e fortalecer sistemas de conhecimento tradicionais.
O Ministério de Ayush, pasta do governo criada por Modi em 2024 que promove seis sistemas da medicina tradicional indiana – aiurveda, ioga e naturopatia, unani, siddha, sowa-rigpa e homeopatia –, tem impulsionado a promoção nacional e global da ioga, incluindo colaborações com instituições de vários países europeus.
O ministério indiano e a Organização Mundial da Saúde (OMS) também lançaram um aplicativo, o Myoga, para disseminar a ioga globalmente.
Diplomacia cultural
O apoio à prática da ioga no exterior é diplomacia cultural exercida em nível de organizações sociais, observa o professor de relações internacionais Ajay Darshan Behra, da universidade Jamia Milia Islamia.
“Os laços interpessoais costumam ser mais fortes do que os laços entre Estados”, comenta. Ele acrescenta que a ioga lembra ao mundo que a Índia não é apenas uma potência política e econômica, mas também uma força cultural.
Behra destaca ainda que a promoção da ioga pela Índia não provoca medo nem é vista como uma ameaça por outras nações. “É isenta de controvérsias, não violenta e universal em seu apelo. Ela constrói influência silenciosamente, ao contrário do poder militar ou econômico.”
Uma indústria global
No Ocidente, porém, a ioga costuma ser limitada ao aspecto físico, ou seja, às posturas (conhecidas como asanas), e é frequentemente associada pela publicidade a pessoas magras e brancas, o que gera críticas de que reforça ideias estereotipadas e exclui pessoas que não se enquadram nesse padrão corporal. Há também críticas à apropriação cultural e comercialização da prática.
Estima-se que a indústria global da ioga movimente anualmente mais de 35 bilhões de euros (cerca de R$ 220 bilhões) com aulas, retiros, equipamentos, livros, revistas e incensos, de acordo com a empresa de pesquisas de mercado Allied Market Research.
“A ioga é atualmente e em grande parte uma prática elitista, adotada principalmente por setores ricos, muitas vezes excluindo comunidades marginalizadas que a consideram desconectada de suas realidades”, diz Hegde.
Behra teme que a ioga perca seu caráter universal se vinculada a agendas políticas, como o uso pelo partido nacionalista hindu Bharatiya Janata (BJP), no poder na Índia, para incitar o orgulho hindu e promover a religião hindu praticada pela maioria dos indianos. “Isso limita a universalidade da ioga e retira dela sua essência espiritual”, comenta.