16/10/2025 - 10:49
Pesquisadores revelam que os ácidos e bactérias das formigas aceleram a fermentação do leite. Receita foi comum na Turquia e em países como Bulgária e Albânia, e acabou incorporada à alta gastronomia.Seguindo uma antiga receita de iogurte antes comum nos Bálcãs e na Turquia, uma equipe de cientistas utilizou formigas vivas para fazer iogurte e demonstrou que os ácidos e as bactérias presentes nesses insetos aceleram a fermentação do leite.
O estudo, realizado por cientistas de diversas instituições sob a liderança da Universidade Técnica da Dinamarca e da Universidade de Copenhagen, mostra como as práticas tradicionais podem “inspirar novas abordagens na ciência dos alimentos” e trazer “criatividade” à culinária.
“O iogurte, um produto lácteo fermentado e picante, era uma adaptação cultural funcional que dependia das interações entre as pessoas, os animais leiteiros, o meio ambiente e os micróbios. São os micróbios que entram no leite e, por meio de seus processos enzimáticos, catalisam a fermentação para produzir o iogurte ácido e viscoso”, afirmam os pesquisadores no estudo.
“Hoje em dia, os iogurtes são geralmente feitos com apenas duas cepas bacterianas”, ressalta uma das autoras, Leonie Jahn. No entanto, segundo ela, as receitas tradicionais de iogurte têm uma biodiversidade muito maior, que varia de acordo com a localização, as famílias e a estação do ano. “Isso proporciona mais sabores, texturas e personalidade.”
Pesquisadores refazem receita tradicional
Para entender melhor como usar formigas na produção de iogurte, os pesquisadores visitaram o vilarejo da família da coautora e antropóloga Sevgi Mutlu Sirakova, na Bulgária, onde seus parentes e outros moradores locais ainda se lembram da tradição.
Foram usadas formigas vermelhas da madeira (Formica rufa), encontradas nas florestas dos Bálcãs e da Turquia, onde essa técnica de fabricação de iogurte era popular no passado. Histórias repassadas oralmente indicam que países como Albânia e Macedônia do Norte também seguiam a receita.
“Observamos que esses países estão conectados por laços culturais anteriores ao estabelecimento das fronteiras nacionais, contribuindo para a continuidade geral entre suas práticas culinárias, tanto hoje quanto ao longo dos milênios”, consta do estudo.
“Colocamos quatro formigas inteiras em um pote de leite morno, seguindo as instruções do tio de Sevgi e dos membros da comunidade”, lembra a autora Veronica Sinotte.
O pote foi então colocado em um formigueiro para fermentar durante a noite e, no dia seguinte, o leite começou a engrossar e azedar.
Os pesquisadores, que provaram o iogurte durante a viagem, o descreveram como “ligeiramente ácido, herbáceo e com sabores de gordura de pasto”.
De volta à Dinamarca, a equipe analisou o iogurte feito com formigas e descobriu que esses insetos transportam bactérias lácticas e acéticas que ajudam a coagular os laticínios. Uma dessas bactérias era semelhante à encontrada no pão comercial.
Os insetos em si também contribuem no processo de fabricação do iogurte: o ácido fórmico, que faz parte do sistema de defesa química natural da formiga, acidifica o leite, altera sua textura e cria um ambiente favorável para que os micróbios se desenvolvam, explicam os pesquisadores.
Paralelamente, as enzimas da formiga e os micróbios trabalham em conjunto para decompor as proteínas do leite e transformá-lo em iogurte.
Do laboratório à alta gastronomia Michelin
Os pesquisadores produziram e compararam iogurtes feitos com formigas vivas, congeladas e desidratadas.
Apenas as formigas vivas inocularam a comunidade microbiana adequada, o que significa que são as mais eficazes para a produção de iogurte, mas a equipe indica cuidado para garantir que os produtos sejam seguros para consumo. As formigas vivas podem abrigar parasitas, e congelar ou desidratar os insetos pode permitir que bactérias nocivas se proliferem.
Para testar as possibilidades culinárias contemporâneas deste iogurte, a equipe se associou a chefs do Alchemist, um restaurante com duas estrelas Michelin em Copenhague, na Dinamarca, que deram um toque moderno ao iogurte tradicional.
Os convidados foram servidos com várias criações, como sanduíches de sorvete de iogurte em forma de formiga, queijos semelhantes ao mascarpone com sabor picante e coquetéis clarificados com um toque de leite, todos inspirados no iogurte de formiga e utilizando o inseto como ingrediente principal.
“As evidências etnográficas do iogurte de formigas em várias regiões sugerem que as formigas podem desempenhar um papel funcional negligenciado na fermentação”, afirmam os pesquisadores no estudo.
“Fornecer evidências científicas de que essas tradições têm um significado e um propósito profundos, embora possam parecer estranhas, acho isso realmente bonito”, completa Jahn.
gq/ra (efe, dw, ots)