04/04/2022 - 17:49
Embora traga um resumo assustador do quanto a humanidade tem sobrecarregado o planeta com suas emissões de gases de efeito estufa, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) tenta frisar que ainda existe espaço para frear o pior das catástrofes, segundo a última parte do sexto relatório (AR6) divulgado nesta segunda-feira (04/04).
As análises feitas pelo Grupo III, que reúne 278 autores voluntários, mostram que a última década foi marcada pelo mais alto nível de emissões já registrado pela humanidade. Em 2019, foram despejadas 59 gigatoneladas de CO2 equivalente (GtCO2e) na atmosfera, o que representa 54% a mais do que o registrado em 1990. Em comparação com 2010, a marca é 12% maior.
Praticamente nenhum setor escapou dessa alta. Globalmente, energia (34%), indústria (24%), agricultura e mudanças no uso do solo (22%) foram as principais fontes em 2019.
“Isso é o resultado da atual política de energia”, comentou sobre a alta de emissões António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, durante coletiva de imprensa.
Apesar do cenário preocupante, os cientistas tentam ressaltar que há saídas. “As decisões que tomamos agora podem garantir um futuro habitável. Temos as ferramentas e o know-how necessários para limitar o aquecimento”, pontuou Hoesung Lee, presidente do IPCC.
Para que o aquecimento do planeta não ultrapasse a marca de 1,5°C, as emissões globais devem chegar ao pico antes de 2025. Nos cinco próximos anos, até 2030, elas precisariam cair 43%. Ainda assim, é muito provável que esse limite seja ultrapassado por um período, com chances de a temperatura média cair até o final do século – o que os cientistas chamam de “overshooting”.
“Passar o limite de 1,5°C, mesmo que temporariamente, é extremamente perigoso. Se isso acontecer, como os relatórios passados mostraram, teremos eventos extremos mais fortes e mais frequentes. Ainda que temporariamente, esse certamente não é o futuro que queremos ter”, declara Mercedes Bustamante, pesquisadora da Universidade de Brasilia e uma das autoras do atual relatório, em entrevista à DW Brasil.
Fim da era fóssil
A discussão em torno das contribuições do Grupo III do IPCC, que analisa como mitigar as mudanças climáticas e as soluções para limitar o aquecimento a 1,5°C, foi uma das mais intensas da história do painel.
Os temas causam embates por abarcarem políticas, tecnologias e quantias de dinheiro necessárias para reduzir as emissões.
A primeira parte, dedicada à ciência física das mudanças climáticas publicada em agosto do ano passado, alertou que havia uma pequena chance de limitar o aquecimento global a 1,5°C. A segunda, publicada no fim de fevereiro, praticamente quando a Rússia invadia a Ucrânia, chamou a atenção para os impactos catastróficos e a importância das medidas de adaptação a algumas mudanças já irreversíveis.
“A guerra da Ucrânia, com todos seus horrores e sofrimento, trouxe ainda toda a questão da dependência do combustível fóssil. Já sabemos o que essa dependência causa para o clima, agora o mundo está vendo também o aspecto geopolítico”, comenta Bustamante.
O abandono por completo das fontes fósseis precisa ser imediato, afirma o relatório. A transição energética envolve ainda eletrificação generalizada, eficiência e uso de combustíveis alternativos – como o hidrogênio verde.
Os custos estão caindo e já competem com o petróleo em vários lugares, dizem os autores. Em 2021, por exemplo, fontes renováveis como solar e eólica foram responsáveis por 90% das novas fontes de energia globalmente, pontua o World Resourses Initative.
Esperar que tecnologias com eficiência ainda comprovada salvem a humanidade, como captura e armazenado de CO2, é muito arriscado, pontuam os cientistas. “A única tecnologia testada em larga escala e comprovada é a fotossíntese”, comenta Bustamante sobre o papel das árvores na remoção de gases estufa da atmosfera. ” Nós temos que trabalhar agora para não contar tanto com métodos de captura que ainda não estão disponíveis”, complementa.
O peso da floresta
Em todo o globo, o desmatamento tem um peso grande nas emissões. Segundo o relatório, ele representa a maior parte do setor classificado como agricultura, floresta e outros usos do solo. No Brasil, a destruição das florestas impulsiona o aumento das emissões no país: em 2020, elas foram responsáveis por 46% do total (998 milhões tCO2e), com aumento de 23,6% em relação ao ano anterior, segundo os dados do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima.
“O Brasil viu o aumento significativo do desmatamento, da pressão na floresta. A emissão hoje é maior que há cinco anos”, declara Alexandre Prado, diretor de Economia Verde do WWF-Brasil.
Por essa e outras políticas, o país está longe de cumprir o que prometeu no Acordo de Paris e, dessa maneira, contribuir efetivamente para o mundo se mantenha na rota de limitar o aquecimento a 1,5°C. “Na última conferência do clima, vimos o governo fazer uma pedalada metodológica pra aumentar as emissões até 2030. O Brasil não está cumprindo uma das coisas essenciais do Acordo, que é o aumento de ambição”, critica Prado.
Mercedes Bustamante lembra que as florestas guardam um enorme potencial de reduzir as emissões. “Seja por redução do desmatamento ou reflorestamento, a capacidade das florestas é enorme e tem custos baixos comparado a outros”, afirma.
Anders Haug Larsen, da Rainforest Foundation Norway, concorda sobre o destaque dado pelo IPCC à conservação da natureza. “Preservação de áreas naturais importantes, como a floresta tropical, é destacada como particularmente importante, pois contribui para a conservação da diversidade biológica, bem como para a segurança alimentar e hídrica”, analisa.
“É uma das opções de mitigação mais econômica. Não só é rentável, mas a proteção da floresta tropical é uma medida necessária para parar o aquecimento global”, complementa.
Ainda há muitas lacunas a serem preenchidas sobre financiamento, reconhece o IPCC, principalmente na área de florestas. Por outro lado, reflorestamento, conservação e combate ao desmatamento são apontadas
pelos cientistas como essenciais não só para frear as mudanças climáticas, mas também para que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável sejam alcançados, como segurança alimentar, saúde e bem-estar.
“Maximizar sinergias e gerenciar compensações depende de práticas específicas, escala de implementação, governança, capacitação, integração com o uso da terra existente e o envolvimento de comunidades locais e povos indígenas”, conclui o relatório.