Aliados próximos até a Revolução Islâmica de 1979, Tel Aviv e Teerã hoje são inimigos irreconciliáveis. A que se deve essa guinada?A guerra na Faixa de Gaza já se arrasta há quase um ano. Desde então, todos os dias a pergunta é, não apenas quanto tempo ela vai durar, mas também se e até onde vai se espalhar. E nessa altura, o palco dos combates nem é mais somente Gaza. Há meses ocorrem ataques com foguetes e drones também entre Israel e Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.

O risco de um transbordamento ou intensificação da guerra aumentou significativamente. Em 31 de julho,o líder do Hamas no exílio, Ismail Haniyeh, foi vítima de um ataque a bomba direcionado em Teerã. Pouco antes, o alto comandante do Hezbollah, Fuad Shukr, foi morto num ataque aéreo em Beirute. O Hezbollah, assim como o Hamas, são classificados por diversos países como organizações terroristas.

Os assassinatos de dois aliados de alto escalão colocaram o regime iraniano sob pressão, principalmente por haver uma história compartilhada repleta de conflitos.

De aliados a inimigos

Irã e Israel são inimigos há décadas. Teerã nega o direito de Israel de existir e ameaça o “regime sionista” com a aniquilação. Israel, por sua vez, considera o Irã como seu arqui-inimigo. Mas nem sempre foi assim.

Ambos eram aliados próximos até a Revolução Islâmica de 1979 no Irã. Este foi, inclusive, um dos primeiros a reconhecerem o Estado de Israel em 1948. Tel Aviv considerava o Irã um aliado perante os Estados árabes, no conflito do Oriente Médio. Para Teerã, Israel, apoiado por Washington, também era um oportuno contrapeso político aos países árabes vizinhos.

Israel treinou especialistas agrícolas iranianos, forneceu conhecimentos técnicos e ajudou a formar e treinar as Forças Armadas do país islâmico. O governante do Irã na época, o xá Mohammad Reza Pahlavi, retribuiu com petróleo, urgentemente necessário à economia emergente de Israel.

O Irã abrigava a segunda maior comunidade judaica fora de Israel. Embora após a Revolução Islâmica um grande número de judeus tenha deixado o país, mais de 20 mil ainda vivem no Irã.

Revolução Islâmica: um ponto de virada

Após a vitória da Revolução Islâmica no Irã, em 1979, e a tomada do poder pela ala religiosa dos revolucionários sob o comando do aiatolá Ruhollah Khomeini, Teerã cancelou todos os tratados com Israel. Por várias vezes, o aiatolá Khomeini criticou duramente Israel por sua ocupação dos territórios palestinos.

Gradativamente os iranianos desenvolveram uma retórica severa contra Israel, com o objetivo de ganhar o apoio dos Estados árabes ou, pelo menos, a simpatia das respectivas populações. Dessa forma o regime iraniano pretendia aumentar sua influência.

Em 1982, quando Israel interveio na guerra civil libanesa e invadiu o sul do país, Khomeini enviou a Guarda Revolucionária Iraniana a Beirute para apoiar as milícias xiitas de lá. Até hoje, a milícia do Hezbollah, que surgiu naquela época, é considerada o longo braço de Teerã no Líbano.

Aprofundamento do conflito

O atual líder religioso do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, que tem a palavra final em todos os assuntos, deu continuidade a essa política. Ele e toda a liderança da República Islâmica do Irã também questionam repetidamente a realidade histórica do assassinato sistemático dos judeus europeus sob o nazismo e tentam relativizar ou mesmo negar o Holocausto.

Para fortalecer sua própria posição contra Israel e a Arábia Saudita, o Irã não apenas apoiou o Hezbollah no Líbano e o Hamas em Gaza, mas também interveio na guerra da Síria do lado do presidente Bashar Al-Assad, e continua a apoiar a milícia houthi no Iêmen e o Movimento de Resistência Islâmica no Iraque. Um dos principais arquitetos dessa guerra paralela foi o general da Guarda Revolucionária Qasem Soleimani, morto por um ataque de drone dos EUA no início de 2020.

Israel tampouco se esforçou muito para reduzir as tensões com o Irã. Em diversos discursos, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu comparou a República Islâmica à Alemanha nazista, por ameaçar diretamente a existência de seu país. Ele descreveu o acordo nuclear de 2015, negociado pelas potências de veto da ONU, além da Alemanha e o Irã como um “erro de proporções históricas”.

Netanyahu prometeu impedir “com todos os meios” a construção de uma bomba nuclear iraniana. Israel tem realizado repetidos atos de sabotagem contra o programa nuclear iraniano. Em 2020, o chefe desse programa, Mohsen Fakhrizadeh, foi morto. O jornal britânico The Guardian e o americano The New York Times afirmaram que todas as evidências apontavam para um assassinato direcionado pelo serviço secreto israelense. Israel não negou nem confirmou a autoria.

Narrativa de inimizade é controversa

O conflito entre os governos nem sempre é percebido em todas as camadas da população ou da sociedade civil. “O Irã precisa rever sua relação com Israel, porque ela está defasada”, disse numa entrevista, no fim de 2021, Faezeh Hashemi Rafsanjani. filha do ex-presidente iraniano Ali Akbar Hashemi Rafsanjani e ex-membra do Parlamento iraniano.

O proeminente cientista político Sadegh Zibakalam, crítico do governo, também tem repetidamente criticado a política do Irã em relação a Israel: “Essa postura isolou o país no cenário internacional”, enfatizou em entrevista em 2022.

Do outro lado, também sempre há vozes que se solidarizam com o povo iraniano. Um exemplo foi o movimento Israel Loves Iran, que partiu das redes sociais para as manchetes em 2012. Em 2023, após a morte da jovem Mahsa Jina Amini, uma campanha semelhante apoiou os iranianos que saíram às ruas contra o regime. Atualmente ativistas tentam ressuscitar a campanha através da hashtag #IsraelisLoveIranians.

Na esfera política, no entanto, as frentes se endureceram mais do que nunca, sobretudo desde o ataque a Israel pelo Hamas, em 7 outubro de 2023, e a subsequente “guerra de retaliação” declarada por Israel, como descreveu o primeiro-ministro Netanyahu. De acordo com a ONU, houve mais de 120 mil mortos e feridos na guerra de Gaza até junho de 2024, a maioria mulheres e crianças.

Os disparos de foguetes do Hezbollah e os bombardeios israelenses no sul do Líbano já forçaram dezenas de milhares de habitantes da região de fronteira israelo-libanesa a deixarem suas casas.

Há, portanto, uma grande preocupação com uma eventual propagação da guerra para outros países da região. Estados Unidos, União Europeia e Alemanha pedem, por isso, moderação a todas as partes envolvidas.