01/10/2025 - 18:04
Embarcações tentavam furar bloqueio naval israelense e levar ajuda humanitária ao enclave palestino. Ministério do Exterior de Israel diz que ativistas, entre os quais alguns brasileiros, estão “seguros e saudáveis”.A flotilha internacional que transportava ativistas de vários países rumo à Faixa de Gaza, na tentativa de entregar ajuda humanitária à população do território palestino, foi interceptada nesta quarta-feira (01710) por navios militares israelenses.
A Flotilha Global Sumud – formada por cerca de 45 embarcações transportando em torno de 500 ativistas, políticos e personalidades, incluindo a ativista climática sueca Greta Thunberg – deixou a Espanha no mês passado com o objetivo de romper o bloqueio naval israelense ao território palestino,devastado pela guerra.
Após uma parada de 10 dias na Tunísia, onde os organizadores relataram dois ataques de drones a embarcações da flotilha, o grupo retomou sua jornada em 15 de setembro. Um de seus principais navios, o Alma, foi “agressivamente cercado por um navio de guerra israelense”, informou o grupo, antes que outra embarcação, o Sirius, fosse submetida a “manobras de assédio semelhantes”.
As embarcações foram interceptadas a cerca de 70 milhas náuticas (129 quilômetros) da costa de Gaza, segundo os organizadores, que compartilharam o posicionamento geográfico da flotilha em tempo real.
“Por volta das 20h30, horário de Gaza (14h30 no horário de Brasília), várias embarcações da Flotilha Global Sumud, incluindo a Alma, a Sirius e a Adara, foram interceptadas ilegalmente e abordadas pelas forças de ocupação israelenses em águas internacionais”, informou em nota a organização da flotilha.
“Além das interceptações confirmadas, transmissões ao vivo e comunicações com várias outras embarcações foram perdidas.”
Tel Aviv: ativistas estão “seguros e saudáveis”
O Ministério do Exterior de Israel emitiu um comunicado nesta quarta-feira confirmando que “vários navios da flotilha de ajuda humanitária a Gaza foram parados e seus passageiros estão sendo transferidos para um porto israelense”.
“Greta e seus amigos estão seguros e saudáveis”, disse a pasta em postagem no X juntamente com um vídeo que parecia mostrar a ativista sueca ao lado de vários militares israelenses mascarados e armados.
Israel já havia alertado a flotilha para que não se aproximasse da região. “A Marinha israelense entrou em contato com a […] flotilha e pediu que mudassem de curso”, afirmou o Ministério do Exterior de Israel, em nota. “Israel informou à flotilha que eles estavam se aproximando de uma zona de combate ativa e violando um bloqueio naval legal.”
A Espanha e a Itália, que enviaram escoltas navais, pediram que os navios interrompessem seu curso antes de entrar na zona de exclusão declarada por Israel, ao largo de Gaza.
A flotilha, no entanto, havia prometido prosseguir com sua tentativa de entregar ajuda ao território palestino, apesar do que chamou de táticas de “intimidação” por parte do Exército israelense.
Um grupo de ativistas e políticos brasileiros, incluindo o ativista Thiago Ávila, estava entre os membros da flotilha.
Ávila é cofundador do movimento ecológico Bem Viver no Brasil. Na viagem anterior de outra flotilha humanitária, também barrada pelos israelenses em julho, a atuação de Ávila foi alvo de críticas de publicações pró-Israel, que destacaram negativamente a participação anterior do ativista no funeral de Hassan Nasrallah, o líder máximo do Hezbollah, e um discurso em um evento no Irã.
Também estavam no grupo a vereadora de Campinas Mariana Conti (Psol), a presidente do Psol no Rio Grande do Sul, Gabrielle Tolotti; o médico Mohamad El Kadri, coordenador do Fórum Latino Palestino, e outros militantes pró-Palestina como Magno de Carvalho Costa, dirigente Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp).
O Ministro do Exterior Itália, Antonio Tajani, disse que a operação israelense deveria levar de 2 a 3 horas. Os barcos seriam rebocados para o porto israelense de Ashdod e que os ativistas seriam deportados nos próximos dias. Ele também disse que as forças israelenses foram instruídas a “não usar violência”.
O Ministério do Exterior da Turquia condenou a interceptação dos barcos como um “ato de terrorismo” e uma grave violação do direito internacional. Em um comunicado, o órgão afirmou que estava tomando iniciativas para garantir a libertação imediata de cidadãos turcos e outros passageiros detidos pelas forças israelenses.
Qual é a missão da flotilha?
Estima-se que a Flotilha Global Sumud transportava cerca de 300 toneladas de suprimentos essenciais, como alimentos, água potável e medicamentos.
“Os produtos nessas flotilhas não atendem às necessidades [totais] dos palestinos em Gaza, mas chamam a atenção internacional para o que está acontecendo em Gaza”, explicou à DW Nathan Brown, professor de ciência política e relações internacionais da Universidade George Washington.
“Outro efeito, embora talvez um pouco menos significativo, é que isso transmite uma mensagem à população palestina de que ela não está sendo ignorada”, observou.
Brown lembrou que havia uma enorme frustração entre os palestinos, que temiam que a ordem internacional baseada em regras do pós-Segunda Guerra Mundial fossem válidas para os outros, mas não para eles.
Ao mesmo tempo, aumentam as críticas europeias à guerra de Israel em Gaza. Autoridades na Espanha, França, Eslovênia e outros países chamaram o bloqueio humanitário israelense de “insuportável”.
“O que Israel é percebido como fazendo não é simplesmente guerrear em Gaza, mas, na verdade, induzir deliberadamente a fome, o que seria um claro crime de guerra”, disse Brown à DW. “O abismo cada vez maior entre apoiadores e críticos [de Israel] é algo para o qual a flotilha atual busca chamar mais atenção”, concluiu.
Israel, porém, rejeita as críticas. “O governo israelense diz que está permitindo a entrada de comida suficiente, que o que é transportado estaria sendo roubado pelo Hamas, que as flotilhas são apenas um golpe publicitário de pessoas que odeiam Israel e que este é o único conflito atual em que se espera que uma parte alimente a outra”, disse Brown.
O que aconteceu com as outras flotilhas?
Em 2008, um ano após o Hamas assumir o controle da Faixa de Gaza, quando Israel ainda não havia implementado totalmente seu bloqueio naval, várias flotilhas chegaram ao enclave. Mas, em meados de 2009, os israelenses começaram a interceptar todos os barcos e fecharam o acesso a Gaza por mar. Desde 2010, nenhuma outra flotilha chegou a Gaza.
Em 31 de maio de 2010, forças israelenses interceptaram seis barcos civis da Flotilha da Liberdade de Gaza no que ficou conhecido como o ataque Mavi Marmara. Os militares abriram fogo contra o navio de passageiros de propriedade turca, matando 10 ativistas turcos pró-palestinos. A Marinha israelense alegou posteriormente ter agido em legítima defesa, mas sua ação foi amplamente criticada em todo o mundo. As relações diplomáticas entre Israel e Turquia se deterioraram até Israel emitir um pedido formal de desculpas em 2013 e concordar em pagar 20 milhões de dólares (R$ 108 milhões) em indenização às famílias das vítimas em 2016.
A iniciativa de 2011, chamada Flotilha da Liberdade II, jamais conseguir partiu da Grécia devido a uma combinação de pressão política, sabotagem técnica e obstáculos legais. Como consequência da pressão israelense, a Grécia proibiu a partida de navios da flotilha para Gaza, alegando preocupações de segurança e diplomáticas.
Em 29 de junho de 2015, a Flotilha da Liberdade III, de bandeira sueca, que transportava ativistas, parlamentares, jornalistas e figuras públicas de mais de 20 países, foi interceptada a cerca de 160 quilômetros de Gaza. As forças israelenses abordaram alguns dos navios, enquanto outros retornaram. A Marinha israelense teria utilizado armas de choque durante a operação.
Em outubro de 2016, o Barco das Mulheres para Gaza, uma flotilha que transportava mulheres ativistas, também foi interceptado antes de chegar a Gaza.
Em 2018, forças navais israelenses interceptaram e apreenderam dois navios pertencentes à Flotilha Futuro Justo para a Palestina, primeiro o Al Awda, em 29 de julho, e depois o Freedom, em 3 de agosto. Segundo relatos de pessoas a bordo, as forças israelenses agrediram alguns dos ativistas, que foram posteriormente deportados de Israel.
Duas flotilhas que partiram no início deste ano e a Global Sumud, que neste momento navega rumo a Gaza, são descritas como missões da Flotilha da Liberdade.
Greta Thunberg já estava entre os participantes da Missão Madleen, que partiu em junho de 2025. Eles ficaram detidos depois que as forças israelenses interceptaram o barco e, mais tarde, foram deportados.
Em julho, ativistas da missão Handala foram presos depois que seu navio foi interceptado e apreendido em águas internacionais ao largo da costa de Gaza.
rc (AFP, Reuters, DPA)