01/10/2025 - 11:36
Gregos já são os que mais trabalham na UE, e governo quer agora aprovar uma “flexibilização” da legislação trabalhista que abre porta para dias com jornadas de até 13 horas. Reforma tem provocado protestos.”Não posso trabalhar 13 horas por dia e também não espero isso das minhas funcionárias”, diz a gerente do salão de beleza 64, Anni, no centro de Atenas, a capital da Grécia. Ela argumenta que suas clientes também não vão ficar satisfeitas com o trabalho de uma esteticista cansada.
É por isso que Anni se pergunta por que a ministra grega do Trabalho, Niki Kerameos, está tão empenhada pela jornada de trabalho de 13 horas. A resposta da própria ministra, dada em várias entrevistas: trata-se de uma exceção que vale para apenas 37 dias do ano e que é “do interesse dos trabalhadores”.
Os sindicatos rejeitam os planos e estão tentando derrubar o projeto de lei sobre a “flexibilização da jornada de trabalho”, que será apresentado em breve ao Parlamento Helênico.
Eles convocaram uma greve geral de um dia para esta quarta-feira (1º/10) que afetou sobretudo o setor de transportes. Desde a meia-noite (horário local), principalmente trens e balsas que conectam o continente às ilhas pararam de funcionar, assim como metrôs e ônibus em determinados horários do dia.
“Flexibilização” do mercado de trabalho
Mesmo antes desse novo projeto de lei, o governo conservador do primeiro-ministro Kyriakos Mitsotakis já havia transformado o mercado de trabalho grego num dos mais “flexíveis” da Europa. Desde julho de 2024, trabalhadores da indústria, do comércio, da agricultura e de alguns serviços devem trabalhar seis dias por semana se o empregador assim decidir. O sexto dia é remunerado com um adicional de 40%.
Embora a Grécia ainda tenha uma semana de trabalho de 40 horas, os empregadores podem solicitar até duas horas extras não remuneradas por dia, por um período limitado, e oferecer mais tempo livre em troca. Em tese, trata-se de uma oferta voluntária, mas em muitas empresas os funcionários acabam sendo obrigados a trabalhar mais horas, e sem qualquer compensação.
Também a jornada de trabalho de 13 horas deverá ser voluntária, enfatiza a ministra do Trabalho. Ninguém será obrigado a fazer horas extras, afirma.
Efeito negativo na produtividade
Mas um funcionário pode mesmo se recusar a fazer horas extras? “Não. Isso não pode ser feito sem temer consequências, pois o funcionário tem pouco poder de barganha”, diz o professor de relações trabalhistas Theodoros Koutroukis, da Universidade Demócrito da Trácia.
Koutroukis diz que a nova regulamentação legal não terá um impacto positivo no mercado de trabalho, pois a extensão da jornada de trabalho diária provavelmente diminuirá a satisfação dos funcionários no trabalho e levará a uma queda na produtividade. Isso, por sua vez, levará a uma deterioração na qualidade dos bens e serviços produzidos e até mesmo a um aumento nos custos de produção, prevê.
A extensão da jornada de trabalho pode ainda perturbar o equilíbrio entre vida familiar e profissional e diminuir o tempo que os funcionários podem dedicar para o aprendizado profissional, acrescenta o professor.
Para atender as necessidades das empresas
Além da jornada de trabalho de 13 horas, o projeto de lei de Kerameos prevê a distribuição “flexível” dos dias de férias, a atribuição flexível e de curto prazo de duas horas extras por dia e a disponibilidade dos funcionários por meio de um app. Os critérios para isso são “necessidades urgentes” das empresas. Uma semana de trabalho de quatro dias com 40 horas de trabalho também é possível.
A ministra diz que sua reforma do mercado de trabalho adapta a legislação à realidade. Mas especialistas trabalhistas dizem que ela legaliza todas as violações da lei que os empregadores costumam cometer.
Gregos já trabalham muito
Devido aos baixos salários, muitos trabalhadores na Grécia têm dois empregos e já trabalham até 13 horas por dia. A nova lei permitirá que façam isso para um único empregador. “Se você já faz isso com dois empregadores, por que não ter a oportunidade de fazer isso com um só e ainda ganhar 40% a mais?”, argumenta Kerameos.
O que fica em aberto é a questão de por que tantas pessoas na Grécia não conseguem sobreviver com um emprego de 40 horas e dependem de horas extras ou de um outro emprego. De acordo com o órgão de estatísticas Eurostat, os gregos trabalham muito, mais de 1.886 horas por ano, o que é bem mais do que qualquer outra nação da União Europeia.
No entanto, eles têm menor produtividade – talvez justamente por trabalharem tanto. E também menor poder de compra (30% abaixo da média da União Europeia). E agora o governo quer que eles trabalhem ainda mais.
Sindicatos dizem “basta!”
A confederação sindical grega GSEE, que representa 2,5 milhões de trabalhadores do setor privado, rejeita a jornada de 13 horas, assim como a Confederação dos Sindicatos dos Funcionários Públicos (Adedy). “Exaustão não é melhoria, a resiliência humana tem limites” será o lema dos protestos em Atenas.
Os sindicatos defendem a redução da jornada de trabalho para 37,5 horas semanais, como em muitos países europeus. De fato, o governo grego vai contra a tendência na UE, onde muitos cidadãos exigem uma semana de 35 horas ou de quatro dias.
“Os trabalhadores gregos, que já trabalham mais horas por ano do que qualquer um de seus colegas na União Europeia e que relatam, em sua maioria, burnout e excesso de trabalho, agora enfrentam uma distopia. Chega. Não aguentamos mais”, resumiu a liderança da GSEE.