O que faz com que garotas de um país privilegiado economicamente como a Alemanha achem divertido fazer vídeos indo na Oktoberfest para “caçar” velhos ricos que paguem suas contas?”Eu estou procurando por um ‘sugar daddy’ com uma mesa”. Usando um Dirndl, o vestido típico da Oktoberfest de Munique, a mais tradicional festa alemã, realizada entre 20 de setembro e 6 de outubro, a jovem Evil Suki, uma loira linda e sexy, canta e dança enquanto na trilha sonora a música martela: “eu repito, um sugar daddy com uma mesa, um sugar daddy!”. O vídeo fez sucesso, viralizou e já teve mais de 760 mil visualizações. Outras meninas passaram a fazer o mesmo e também riram repetindo a música no TikTok. Virou tendência.

Em outro vídeo, Suki está passeando nas tendas da Oktoberfest com uma amiga. Uma hora, ela diz: “encontrei um vovô que estava sozinho e é claro que ele patrocinou o nosso jantar”. Nos comentários, algumas mulheres dizem que aquilo é deprimente. Mas a maioria vê a influenciadora como uma ídola. “Rainha”, diz uma. E os homens, claro, se sentem livres para fazer comentários sexistas sobre o seu corpo.

O que é um “sugar daddy”?

O que é um “sugar daddy”? Basicamente, um homem mais velho e rico que escolhe ter um relacionamento onde dá dinheiro e presentes caros para uma moça jovem, que é chamada de “sugar baby”. Essa é uma prática cada vez mais popular. Só um site de encontros entre sugar daddies e sugar babies (existem vários) do Brasil, o “Me Patrocina”, alega ter quase 15 milhões de cadastrados. Mulheres procurando “daddies” seriam 75% dos usuários.

Adultos podem ter, de comum acordo, o tipo de relacionamento que quiserem. O que assusta é ver esse tipo de relação ser banalizada e glamourizada pelas jovens da Geração Z. O que faz garotas de um país privilegiado economicamente como a Alemanha irem para uma festa como a Oktoberfest “caçar” um velho rico que pague suas contas?

Difícil responder. Mas é fato que, já faz uns anos, a busca por um “sugar daddy” virou uma espécie de modinha entre algumas jovens. Um dos motivos: achar um “velho que pague suas contas” é glamourizado nas redes sociais. E, nesse caso, a vida irreal exibida pode parecer tentadora para as meninas mais novas.

Em um desses vídeos, que tem mais de 4 milhões de visualizações no TikTok, uma menina de 20 anos mostra uma foto sua com seu “sugar daddy” de 70. Em seguida, há um desfile de imagens de bolsas de grife, champanhe e carros de luxo. “Quero ser assim quando eu crescer”, diz um dos comentários. “Só me faltam uns anos”, responde outra.

Sim, meninas menores de idade estão sonhando em “namorar” um homem que poderia ser seu avô para ter acesso a luxos e não ter que trabalhar.

Questões morais e éticas

Só vestidos, mesas em locais privilegiados e presentes contam? Que inversão de valores é essa? Eu posso parecer antiquada (e sou mesmo) mas acho que meninas jovens deveriam estar estudando, sonhando em ser independentes, rodar o mundo, ter uma carreira.

E claro, a vida da menina de 20 anos que se relaciona com os homens de 70 não é apenas uma coleção de bolsas de luxo. Deve haver bastante sofrimento nesse tipo de relação. Mas isso o TikTok não mostra.

Em tempos de neoliberalismo, precarização e de soluções fáceis (vide a moda dos coachs milagrosos) ter uma vida de luxo sem precisar trabalhar pode parecer um sonho. Mas que triste, não?

Além de todas as questões morais e éticas, essa tendência é perigosa. Estamos falando de relações de poder. E uma menina que idealiza as sugar babies do TikTok pode muito facilmente se envolver em um relacionamento arriscado. O que um experiente homem de mais de 50 anos pode fazer com uma de 20 para quem “dá presentes”?

No caso específico da Oktoberfest, esse já não é um ambiente considerado muito seguro para as mulheres. Para dar uma ideia: uma pesquisa realizada pela Universidade de Munique sobre assédio sexual na Oktoberfest mostrou que 76% das mulheres que trabalham como garçonetes na festa já sofreram algum tipo de abuso.

Violência à parte, vale pensar sobre que tipo de relacionamento essas jovens têm como modelo. Será que essas meninas não vão acabar confundindo as coisas e achando que um namorado precisa pagar todas suas contas e a presentear com itens de luxo? Espero que não. A vida é muito mais que bolsas caras e iates, acreditem.

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Nina Lemos é jornalista e escritora. Escreve sobre feminismo e comportamento desde os anos 2000, quando lançou com duas amigas o grupo “02 Neurônio”. Já foi colunista da Folha de S.Paulo e do UOL. É uma das criadoras da revista TPM. Em 2015, mudou para Berlim, cidade pela qual é loucamente apaixonada. Desde então, vive entre as notícias do Brasil e as aulas de alemão.

O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente a da DW.