19/11/2025 - 15:08
Com o fim da Segunda Guerra, os países aliados levaram os nazistas a julgamento. Pela primeira vez, representantes de um Estado tiveram que responder por seus crimes perante um tribunal internacional.”Por meio deste, acuso as seguintes pessoas de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade: Hermann Wilhelm Göring, Rudolf Hess , Joachim von Ribbentrop…”
A sala 600 do Palácio da Justiça de Nurembergue está lotada enquanto o procurador-chefe, o americano Robert H. Jackson, lê um nome após o outro. Sua lista é longa. O “Julgamento dos Principais Crimes de Guerra” contra 24 representantes de alto escalão do Estado nazista tem início em 20 de novembro de 1945, em Nurembergue. Ao longo dos próximos 218 dias de audiências, mais de 230 testemunhas serão interrogadas, 300.000 declarações serão lidas e 16.000 páginas de atas serão escritas.
A escolha de Nurembergue como local do julgamento não foi coincidência. A cidade bávara já havia sido palco das convenções em massa do Partido Nazista. Aqui, o regime nazista exerceu seu poder, e aqui as Leis de Nurembergue foram promulgadas — a legislação racista e antissemita que abriu caminho para o Holocausto .
Mudança de paradigma
Foi a primeira vez na história que altos representantes de um Estado foram responsabilizados pessoalmente por seus atos desumanos. Uma novidade no sistema jurídico internacional.
Após a derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial , as potências vitoriosas – Estados Unidos, Reino Unido, França e União Soviética – uniram-se: os crimes do Terceiro Reich não poderiam ficar impunes. Milhões de pessoas haviam sido vítimas do regime nazista – assassinadas em campos de concentração, vítimas da guerra, da fome, da escravização e do trabalho forçado.
Pela primeira vez, a questão da culpa individual também se tornou crucial. “Até então, um líder como Hermann Göring contava – e talvez até pensasse assim – que a Alemanha, o Estado pelo qual ele agia, seria responsabilizada, mas não ele próprio”, explicou o jurista Philipp Graebke à DW.
Ninguém se declarou culpado
À medida que os interrogatórios aconteciam, um réu após o outro declarava-se “inocente”. “Os assassinatos em massa foram realizados exclusivamente e sem influência, sob as ordens do chefe de Estado, Adolf Hitler”, argumentou Julius Streicher, um antissemita fanático e editor do jornal de propaganda nazista Der Stürmer.
Walther Funk, em sua função de presidente do Reichsbank (o banco central da Alemanha nazista), negou aos judeus o acesso às contas bancárias.
Nessa posição, eke também ordenou a transferência para o Reichsbank dos bens de judeus assassinados nos campos de extermínio, incluindo o ouro de seus dentes. Em Nurembergue, ele testemunhou no tribunal: “Ninguém morreu como resultado de medidas que ordenei. Sempre respeitei a propriedade alheia. Sempre me esforcei para ajudar as pessoas necessitadas. E para lhes proporcionar, na medida do possível, felicidade e alegria.”
O braço direito de Hitler, Hermann Göring , parcialmente responsável pela construção dos primeiros campos de concentração, também se declarou “inocente” com convicção.
“Já disse que não tinha a menor ideia da dimensão do que estava acontecendo”, respondeu quando questionado se havia uma política voltada para o extermínio dos judeus. Ele afirmou estar ciente apenas de que a emigração dos judeus estava sendo planejada, não o seu extermínio.
Doze sentenças de morte, sete sentenças de prisão
Muitos dos principais nazistas não demonstraram remorso e consistentemente atribuíram a culpa exclusivamente a Hitler, que já não podia ser condenado, pois havia cometido suicídio nos últimos dias da guerra.
Mas toda negação foi inútil. As evidências eram esmagadoras: filmes dos campos de concentração, depoimentos de sobreviventes, cartas e ordens dos perpetradores. Pela primeira vez, o mundo viu as atrocidades cometidas nos campos de Auschwitz-Birkenau , Buchenwald e Bergen-Belsen.
Em 1º de outubro de 1946, os primeiros Julgamentos de Nurembergue foram concluídos. O tribunal proferiu doze sentenças de morte, sete sentenças de prisão e três absolvições aos réus nazistas do alto escalão.
“Justiça dos vencedores”
“Quando os réus foram condenados, a maioria dos alemães pensou: ‘Agora finalmente pegamos os verdadeiros culpados e pronto'”, diz Bernhard Gotto, do Instituto de História Contemporânea de Munique-Berlim.
Sua colega Stefanie Palm acrescenta: “Os Julgamentos de Nurembergue estabeleceram uma certa narrativa entre a população alemã: […] todos os outros apenas cumpriram ordens, foram meros seguidores, não tinham culpa! […] Adotou-se uma espécie de perspectiva de vítima: ‘Somos as vítimas desse pequeno grupo em torno de Hitler'”.
Sob esse ponto de vista, a maioria dos alemães se opôs aos doze julgamentos subsequentes contra advogados, médicos e industriais que atuaram no regime. O tribunal foi considerado “justiça dos vencedores” [expressão pejorativa usada para se referir à aplicação da justiça pela parte vitoriosa de um conflito], porque levanta imediatamente a questão de até onde se estende a responsabilidade pelos crimes nazistas”, diz Gotto.
“E então, de repente, não são mais apenas Göring e Keitel, a Wehrmacht [as Forças Armadas Alemãs), Himmler e, claro, Hitler que são acusados de seduzir os alemães, mas o fardo dessa culpa é distribuído por mais pessoas, e a maioria dos alemães não queria aceitar isso.”
Precursores do Tribunal Penal Internacional
Hoje, os Julgamentos de Nurembergue são considerados um marco no direito internacional. Em 1945, esperava-se que os padrões legais aplicados em Nurembergue fossem replicados igualmente a todos a partir de então. Nenhum criminoso de guerra deveria ter a possibilidade de invocar unilateralmente o poder de seu cargo ou as leis de seu próprio país.
O jurista Philipp Graebke afirma que, a partir dos Julgamentos de Nurembergue, “podemos traçar uma linha direta, através da tradição dos tribunais da ONU para crimes de guerra na década de 1990, até a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI)”.
No entanto, “isso certamente não levou à aplicação impecável do direito penal internacional desde 1946, nem à aplicação impecável que vemos hoje”, esclarece ele.
O TPI foi estabelecido em Haia, na Holanda, apenas em 1998 e iniciou suas atividades em 2002. Mas nem todos os Estados o reconhecem. As principais grandes potências estão ausentes dos 125 Estados-membros: Estados Unidos, Rússia, China e Índia. Israel também não é membro.
TPI: apenas um tigre de papel?
Mas mesmo Estados que reconhecem o TPI já desafiaram mandados de prisão. Até recentemente, a regra para líderes acusados era simples: se você não quer ir para a prisão, basta não sair do seu país.
Agora, nem isso é mais necessário. Por exemplo, o presidente da Rússia, Vladimir Putin , contra quem existe um mandado de prisão pelo sequestro de crianças ucranianas, viajou para a Mongólia, signatária do TPI, em setembro de 2024 e foi recebido com todas as honras. A Mongólia é altamente dependente economicamente de seu poderoso vizinho.
Aliás, o TPI não pôde indiciar Putin por sua guerra de agressão contra a Ucrânia: ao contrário dos crimes contra a humanidade, o tribunal só pode processar um chefe de Estado por ordem de invasão se esse país também reconhecer o TPI – o que não é o caso da Rússia.
Há também um mandado de prisão contra o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu . O TPI alega que ele ordenou a morte por inanição e o assassinato de civis palestinos. No entanto, durante uma visita à Hungria, então sigantária do TPI, no final de 2024, o primeiro-ministro, Viktor Orbán, garantiu ao seu convidado salvo-conduto. Netanyahu provavelmente também não seria incomodado na Alemanha:
“Considero um absurdo completo que um primeiro-ministro israelense não possa visitar a República Federal da Alemanha”, disse o chanceler federal alemão, Friedrich Merz, em fevereiro, logo após ser eleito – posição também defendida por seu antecessor, Olaf Scholz.
Portanto, o fato de um criminoso de guerra ser levado a julgamento depende do empenho dos Estados-membros. E o próprio Tribunal de Haia não têm os recursos nem a autoridade para levar os suspeitos a julgamento.
