28/05/2025 - 15:56
Processo contra gigante de energia alemã RWE foi movido por fazendeiro de vilarejo ameaçado pelo aquecimento global. Apesar de derrota, ativistas veem caminho aberto para outros processos contra grandes poluidores.O juiz presidente do Tribunal Regional Superior da cidade alemã de Hamm, Rolf Meyer, rejeitou nesta quarta-feira (28/05) o processo movido por um fazendeiro e guia de montanha peruano contra a empresa alemã RWE, gigante do setor de energia, por danos climáticos.
O agricultor Saúl Luciano Lliuya queria usar uma ação cível para garantir que a RWE arcasse com as medidas de proteção contra uma possível inundação de seu vilarejo pelo derretimento de um lago glacial nos Andes.
Ao explicar o veredito, o juiz disse que os custos acumulados do processo eram enormes. Apenas os honorários do tribunal e dos peritos somavam cerca de 800 mil euros (R$ 5,1 milhões).
Meyer justificou a decisão afirmando que a probabilidade de a casa do agricultor ser atingida por uma inundação nos próximos 30 anos causada, por exemplo, por um colapso de uma geleira ou por um deslizamento de rochas, era muito baixa.
Sem possibilidade de recurso
De acordo com o tribunal, Lliuya tinha o direito de alegar que a RWE, como empresa poluidora e emissora de CO2, poderia ser obrigada a cobrir os custos, por exemplo, da construção de uma barragem de proteção. A distância entre a RWE na Alemanha e o autor no Peru era irrelevante. Mas, segundo a corte, neste caso específico nenhum perigo concreto à sua propriedade pôde ser comprovado.
Meyer admitiu em sua decisão que os perigos representados pelas emissões de CO2 são conhecidos e cientificamente comprovados há muito tempo, referindo-se a estudos da década de 1960 nos EUA e a descobertas de pesquisadores alemães. Ele, porém, enfatizou que a decisão proferida por seu tribunal não é novidade, por se tratar de uma jurisprudência consolidada na Alemanha. “Não apresentamos nada de novo”, disse o juiz.
Não cabe recurso da decisão. Esta possibilidade foi vetada pelo Tribunal Regional Superior, que argumentou que o valor em disputa é muito baixo. Dessa forma, não será possível apelar ao Tribunal Federal de Justiça em Karlsruhe, a mais alta instância jurídica da Alemanha.
Ativistas veem jurisprudência favorável
Apesar de a ação ter fracassado, ativistas destacaram que a decisão é um marco porque admite que empresas podem ser responsabilizadas pelo impacto de suas emissões, mesmo que os danos ocorram a milhares de quilômetros de distância.
“[Isso] significa que cada comunidade e cada pessoa que é afetada pelas mudanças climáticas hoje pode olhar para grandes emissores para responsabilizá-los legalmente”, disse à DW a advogada Roda Verheyen, que representa Lluiya. Ela chamou a decisão de “histórica” e disse que ela irá impulsionar outros processos climáticos contra empresas do ramo de combustíveis fósseis.
“A decisão, que à primeira vista soa como uma derrota porque o caso foi dispensado, é na verdade uma decisão histórica e emblemática que pode ser invocada por pessoas afetadas em muitos lugares ao redor do mundo”, declarou a ONG ambientalista Germanwatch, citando demandas semelhantes no Reino Unido, na Holanda e no Japão.
Para Sébastien Duyck, advogado sênior do Centro de Direito Ambiental (CEIL), a decisão é um “impulso jurídico para acelerar a busca por justiça climática”. “O reconhecimento de que uma empresa pode, em princípio, ser responsabilizada judicialmente por danos climáticos do outro lado do planeta fortalecerá os argumentos apresentados em dezenas de casos pendentes, além de encorajar comunidades afetadas a buscar justiça por meio dos tribunais.”
O caso
A comunidade andina de Huaraz fica num vale abaixo do lago glacial Palcacocha, cujo nível tem subido continuamente, devido ao degelo progressivo. Segundo um estudo internacional, realizado por cientistas da Suíça e dos Estados Unidos, só entre 1990 e 2010 o volume de água do lago se multiplicou por 34.
Os autores do processo alegaram que as temperaturas mais elevadas e o derretimento do permafrost – ou pergelissolo, a camada da crosta terrestre permanentemente congelada – também agravam o risco de blocos de gelo ou rocha caírem da parede montanhosa de 2 mil metros de altura para dentro do lago. E isso poderia ter consequências dramáticas para a casa de Lliuya e para os cerca de 50 mil habitantes da comunidade.
Em 1941, uma avalanche causou uma enchente devastadora em Huaraz, deixando cerca de 1,8 mil mortos. O agricultor conta que recentemente uma precipitação de pedras encheu o lago até a borda.
O glaciar próximo ao vilarejo vem se dissolvendo continuamente há mais de 36 anos. Um estudo de 2021, publicado pela revista britânica Nature, concluiu que o fenômeno não é explicável sem a mudança climática.
Segundo uma análise de 2014 da Greenpeace e da ONG especializada em legislação ambiental Climate Justice Program, a RWE – que não atua no Peru – seria responsável por 0,47% de todas as emissões nocivas ao clima global desde o princípio da era industrial. A empresa tem um histórico de uso intenso de carvão para geração de energia.
Por isso, Saúl Lliuya queria que a companhia alemã contribuísse com uma parcela proporcional, para financiar medidas protetoras a um custo estimado de cerca de 17 mil euros (R$ 109 mil).
As medidas incluiriam sistemas de drenagem para que a água do degelo escape da laguna do glaciar, e uma ampliação da barragem local. Uma simulação de 2016 demonstrou que um nível d’água mais baixo reduziria significativamente o risco para a comunidade, mesmo na eventualidade de uma queda de rochas ou avalanche.
A advogada do peruano, Roda Verheyen, afirmou durante o processo que seu cliente não estava interessado numa indenização para si, mas sim que a RWE assumisse sua parcela dos custos. Para a jurista, o caso se refere basicamente ao princípio de “o poluidor paga”: “Alguém faz algo que pode ser permitido ou proibido, mas que acarreta consequências incrivelmente amplas e inaceitáveis, neste caso a mudança climática.”
Em 2023, um tribunal ordenou uma inspeção in loco para avaliar o perigo. Numa audiência anterior, estabeleceu-se que os efeitos transfronteiriços da mudança climática criariam uma espécie de “relação de vizinhança global”, mesmo que os danos ocorram a milhares de quilômetros do agente poluidor.
Verheyen reconheceu que a RWE é apenas uma entre muitas poluidoras – apesar de, admitidamente, uma das maiores da Europa –, “mas a gente tem que começar de algum lugar”.
Greenpeace celebra êxito para os ativistas
Nesta quarta-feira, Verheyen agradeceu ao tribunal, em nome de seu cliente, pela seriedade com que tratou o caso, e disse que o processo comprovou que “grandes emissores podem ser responsabilizados pelas consequências de suas emissões de gases causadores do efeito estufa”.
Ela disse que, embora o próprio tribunal tenha avaliado o risco de inundação para seu cliente como não suficientemente alto, uma coisa ficou clara: “A decisão de hoje é um marco e dará origem a ações judiciais climáticas contra empresas de combustíveis fósseis e, portanto, a um impulso ao abandono dos combustíveis fósseis em todo o mundo.”
A ONG ambientalista Greenpeace também considerou o caso como um sucesso para os ativistas climáticos, uma vez que o Tribunal declarou claramente que “grandes empresas que causam danos ao clima podem ser responsabilizadas” e enfatizou a responsabilidade dessas empresas pela crise climática.
RWE vê fracasso na tentativa de criar precedente legal
Já a RWE disse que a decisão do Tribunal é o fracasso da tentativa, apoiada por ONGs, de estabelecer um precedente para responsabilizar empresas em todo o mundo pelos efeitos das mudanças climáticas.
A RWE considerou que essa “responsabilidade climática” civil é inadmissível segundo a lei alemã. Isso teria consequências imprevisíveis para a Alemanha como polo industrial, já que, em última análise, reivindicações por danos relacionados ao clima poderiam ser feitas contra qualquer empresa alemã em qualquer lugar do mundo.
rc/ra (DPA, AFP, DW)