Tribunal de 1ª instância entende que empresa anglo-australiana, acionista da Samarco, é responsável pelo rompimento da barragem do Fundão. Indenizações serão decididas em uma segunda etapa. BHP diz que vai recorrer.Um tribunal de primeira instância do Reino Unido decidiu nesta sexta-feira (14/11) que a gigante global da mineração BHP Group é responsável pelo pior desastre ambiental da história do Brasil, o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, que matou 19 pessoas em 2015, devastou municípios e liberou toneladas de rejeitos tóxicos no rio Doce. O despacho foi assinado pela juíza Finola O’Farrell, da Alta Corte de Londres, e cabe recurso.

A anglo-australiana BHP detém 50% da Samarco, empresa brasileira que operava a mina de minério de ferro onde a barragem de rejeitos se rompeu em 5 de novembro de 2015. A quantidade de rejeitos despejada foi suficiente para encher 13 mil piscinas olímpicas. A brasileira Vale, também acionista da Samarco, foi incluída no julgamento britânico, mas fez um acordo para ser retirada e deve apenas dividir os custos indenizatórios, se a condenação for confirmada.

Em sua decisão, O’Farrell entendeu que o a BHP tinha conhecimento dos defeitos da construção mas não adotou medidas corretivas adequadas, além de ter ampliado a altura da barragem quando não era seguro fazê-lo. Para ela, isso foi a “causa direta e imediata” do colapso da estrutura, vinculando a tragédia a possível negligência ou imprudência.

A BHP disse que iria recorrer da decisão e continuar a contestar o processo.

Uma segunda fase do julgamento determinará os valores das compensações. A indenização pode chegar aos 36 bilhões de libras (R$ 270 bilhões) pedidos pelas 620 mil pessoas, 1,5 mil empresas e 46 municípios que inicialmente assinaram a ação.

Parte desse grupo acatou valores propostos nacionalmente após um acordo celebrado entre as empresas e o governo federal e se retirou da ação.

BHP diz que vai recorrer da ação

Em nota, a BHP confirmou que a empresa foi responsabilizada “nos termos da legislação brasileira” pelo rompimento da barragem. “Qualquer avaliação dos danos será determinada em futuros julgamentos de segunda e terceira instâncias, com conclusão prevista para 2028 ou 2029”, diz.

“Mais de 610 mil pessoas já foram indenizadas no Brasil, incluindo aproximadamente 240 mil requerentes da ação coletiva no Reino Unido que renunciaram a reivindicações relacionadas. A decisão da Alta Corte da Inglaterra confirma a validade dessas renúncias, o que deve reduzir o tamanho e o valor das reivindicações na ação coletiva no Reino Unido”, continua a empresa.

A BHP defende que a ação coletiva no Reino Unido é uma duplicidade da reparação.

Vítimas celebram julgamento

Gelvana Rodrigues da Silva, que perdeu seu filho de sete anos, Thiago, no desastre, celebrou o julgamento. “Finalmente, a justiça começou a ser feita, e os responsáveis foram responsabilizados por destruir nossas vidas. A decisão da juíza mostra o que temos dito nos últimos 10 anos: não foi um acidente, e a BHP deve assumir a responsabilidade por suas ações”, disse em uma nota.

“Tivemos que atravessar o Oceano Atlântico e ir até a Inglaterra para finalmente ver uma mineradora ser responsabilizada. Essa vitória dá esperança a todos nós que fomos afetados, especialmente às famílias das vítimas falecidas e dos mais de 80 moradores de Bento Rodrigues que morreram sem receber suas novas casas”, disse Mônica dos Santos, membro da Comissão dos Atingidos pela Barragem do Fundão em nota divulglada pelos advogados que entraram com a ação.

“A sentença representa um marco para as vítimas, que há dez anos buscam a responsabilização efetiva das empresas envolvidas no desastre. Esta é a primeira decisão no caso a declarar formalmente a responsabilidade de uma das corporações envolvidas e constitui um avanço notável para a justiça ambiental global”, afirmou o escritório internacional Pogust Goodhead.

Por que o caso foi julgado na Inglaterra

O desastre de Mariana foi parar na Justiça britânica em 2018. Na época, alegou-se que a BHP tinha sede e ações na bolsa de valores britânica, o que justificaria o trâmite internacional.

O processo chegou a ser negado inicialmente. Em julho de 2022, a corte britânica aceitou proceder com o caso. A defesa se baseou na legislação ambiental brasileira e em princípios como o de poluidor-pagador, sob o qual quem causou a poluição deve pagar pelo dano causado.

Os advogados dos atingidos alegaram ainda que a BHP exercia “poder de controle, supervisão e influência” sobre as operações da Samarco e que, portanto, a empresa esteve envolvida em decisões que “criaram e contribuíram para os riscos” do colapso da barragem.

A Justiça britânica acabou entendendo que a Vale era a “mente diretiva” da Samarca em junto com a Vale, a operava e controlava.

gq/cn (AP, OTS)