Diretórios extremistas da ultradireitista AfD e nova sigla de esquerda “antiwoke” devem abocanhar metade dos votos nos estados da Turíngia e da Saxônia. Pleito deve marcar declínio para siglas da coalizão de Scholz.Os olhos da Alemanha estarão voltados para o leste do país neste domingo (01/09), quando os eleitores da Saxônia e da Turíngia irão às urnas para eleições parlamentares regionais.

Embora os dois estados concentrem uma população combinada de 6,3 milhões de pessoas (menos de um décimo da população do país), as eleições locais estão sendo encaradas com atenção no restante da Alemanha diante da perspectiva de que metade do eleitorado local deposite votos em duas siglas antissistema com discursos populistas: a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD) e a Aliança Sahra Wagenknecht – Razão e Justiça (BSW), um novo partido de esquerda com viés socialmente conservador, criado em janeiro e que leva o nome da sua fundadora.

As últimas pesquisas apontam que a AfD e a BSW devem conseguir reunir 50% dos votos na Turíngia e próximo disso na vizinha Saxônia, reforçando o declínio local das três siglas centristas que compõem o a coalizão do governo federal liderada por Olaf Scholz: o Partido Social Democrata (SPD), o Partido Verde e o Partido Liberal Democrático (FDP).

Um mau resultado dessas três siglas no Leste deve aumentar a pressão sobre a coalizão de Scholz, que sofre com reprovação em todo o país apenas um ano antes da próxima eleição federal, marcada para o final de setembro de 2025. Entre as legendas tradicionais, apenas a conservadora União Democrata Cristã (CDU), hoje na oposição, deve se sair bem.

A Saxônia e a Turíngia ficam no território que compunha a antiga Alemanha Oriental comunista. Mais de 30 anos após a reunificação do país, essa região ainda apresenta padrões de votação distintos do restante da Alemanha, e nos últimos anos tem sido o principal reduto da ultradireita alemã.

Apesar de serem eleições locais, as campanhas foram dominadas por temas nacionais como política de imigração e a continuidade do auxílio alemão à Ucrânia, que são vistos de forma mais crítica por parte da população do leste, onde há proporcionalmente menos estrangeiros e, segundo pesquisas, uma maior prevalência de opiniões favoráveis à Rússia.

No aspecto local, a ascensão da AfD e da BSW também deve complicar a formação de coalizões de governo estaduais e arrisca levar especialmente a Turíngia a um cenário de paralisia política.

Na Alemanha, o sistema para a formação de governos estaduais também é parlamentarista. O partido que obtém mais da metade dos assentos no parlamento local conquista o posto de governador do estado. Mas, como nem sempre um partido sozinho conquista tantos assentos, muitas vezes é preciso que as legendas mais votadas costurem coalizões com outras siglas para governar.

No plano simbólico, as eleições também devem marcar – com alta probabilidade na Turíngia – a primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial que um partido de ultradireita termina uma eleição estadual alemã em primeiro lugar.

As eleições deste domingo também poderão ter impacto na política nacional: parte dos membros do governo estadual, especialmente o governador, passa a integrar o Bundesrat, a Câmara alta do Parlamento alemão, composta por representantes políticos dos 16 estados federados alemães.

Segundo a Constituição alemã, é por esse colegiado que os parlamentos regionais “participam na criação de leis e administração da União e em assuntos da União Europeia”. Quando os deputados federais do Bundestag – a Câmara baixa do Parlamento – aprovam uma nova lei, o órgão pode aprovar, vetar ou alterar os textos. Algumas leis na Alemanha só são aprovadas depois de passarem pelo Bundesrat.

Em alta, AfD é especialmente radical na Turíngia e na Saxônia

Fundada em 2013, inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam por falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas.

A AfD é especialmente forte no Leste, mas os diretórios estaduais da Saxônia e da Turíngia chamam ainda mais a atenção por serem considerados oficialmente extremistas por serviços de inteligência e segurança regionais da Alemanha, que monitoram de perto as atividades dos seus membros.

Na Saxônia, o partido é liderado por Jörg Urban, de 60 anos, ex-engenheiro que estudou na antiga URSS e que chegou a atuar como ativista ambiental antes de se juntar à AfD em 2013. Ferrenho opositor da imigração, Urban tem entre suas propostas um prêmio de 5 mil euros para famílias da Saxônia que tenham filhos – desde que os pais tenham cidadania alemã.

Mas mesmo o discurso de ultradireita de Urban empalidece em comparação com Björn Höcke, de 52 anos, ex-professor de história que é o líder da AfD na vizinha Turíngia.

O deputado estadual Höcke foi um dos principais responsáveis por levar a AfD mais à direita nos últimos anos. Em 2017, ele chamou a atenção nacionalmente quando criticou publicamente o Memorial aos Judeus Assassinados da Europa, em Berlim, que relembra a matança de seis milhões de judeus europeus pelos nazistas. Na ocasião, ele provocou condenação generalizada na Alemanha ao se referir ao memorial como um “monumento da vergonha”.

Höcke ainda publicou seus pensamentos em um livro em 2018. Nele, ele argumenta que é errado que “Hitler seja retratado como absolutamente maligno”. As afirmações do livro foram consideradas tão radicais que levaram uma corte alemã a decidir que a afirmação “Höcke é um fascista” não é caluniosa, mas tem base factual verificável. Em 2024, ele foi multado duas vezes por citar em público um antigo lema nazista.

Höcke não esconde sua ambição de se tornar governador da Turíngia, o que tem gerado temores no país de que, pela primeira vez desde 1945, um estado alemão possa ser governado por um “fascista”.

Segundo as últimas pesquisas, a AfD da Turíngia aparece na liderança com 30% das intenções de voto – dez pontos à frente da BSW. Já na Saxônia, o partido aparece com entre 30% e 32%, tecnicamente empatado na primeira posição com a conservadora CDU.

Novo partido de esquerda “conservador” vira nova força no leste

Os pleitos da Turíngia e na Saxônia também marcam a estreia do novo partido BSW em eleições estaduais alemãs. Fundada em janeiro pela deputada federal Sahra Wagenknecht, uma das figuras mais proeminentes e controversas da esquerda alemã, a BSW se apresenta para o eleitorado com uma agenda bastante heterodoxa: esquerdista em assuntos econômicos, porém mais próxima da ultradireita em questões como imigração e diversidade.

Antes de lançar sua legenda, Wagenknecht era uma figura conhecida do partido A Esquerda, formado em 2007 em parte por remanescentes do antigo partido comunista da Alemanha Oriental. No entanto, Wagenknecht vivia às turras com seus antigos correligionários por causa da sua oposição à imigração ilegal e ao “identitarismo”.

Ao lançar sua legenda, Wagenknecht não escondeu seu desejo de tentar atrair eleitores da classe trabalhadora que debandaram para a AfD nos últimos anos.

Em junho, a BSW surpreendeu em seu primeiro teste ao conquistar 6,2% dos votos da Alemanha nas eleições europeias, ficando à frente de legendas consolidadas, como o liberal FDP. Agora, pesquisas de opinião no leste da Alemanha mostram que o apoio ao antigo partido de Wagenknecht, A Esquerda, deve ser dizimado pelo surgimento da BSW, indicando que havia mesmo um filão de eleitores interessados no tipo de “mistura” que Wagenknecht vem oferecendo.

No momento, a BSW aparece com 15% das intenções de voto na Saxônia e 20% na Turíngia.

Já A Esquerda aparece à beira da extinção na Saxônia, com 4% – abaixo da cláusula de barreira de 5% para eleger deputados no Parlamento local. Na Turíngia, a legenda, que atualmente lidera o governo local, ainda aparece com 14%, mas muito abaixo dos 31% que obteve em 2019 antes do surgimento da BSW.

Sociais-democratas, verdes e liberais agonizam

Para a atual tríplice coalizão que controla o governo alemão, formada pelos social-democratas, verdes e liberais, a dupla eleição na Saxônia e na Turíngia deve ser um desastre eleitoral.

Na Turíngia, os três partidos somados aparecem com apenas 12% das intenções de voto. E os verdes e liberais arriscam ainda ficar de fora do parlamento local por causa da cláusula de barreira. Na Saxônia, sociais-democratas e verdes somam apenas 11%; os liberais não conseguiram nem pontuar em pesquisas.

Em 2023, os três partidos já haviam registrado perdas nas eleições na Baviera e Hessen, estados do Oeste que estão entre os mais ricos da Alemanha. Portanto, o declínio da aliança não é exclusivamente um fenômeno do Leste alemão.

Num sinal de como as eleições na Turíngia e Saxônia também estão sendo encaradas como um termômetro em relação ao governo federal liderado por Scholz, as campanhas locais foram dominadas por discussões nacionais, como imigração e o auxílio à Ucrânia, temas sobre os quais os governos estaduais não têm poder de decisão.

Publicamente, tanto a AfD quanto a BSW são extremamente críticas ao que encaram como uma falta de vigor do governo federal em conter a imigração ilegal, além de se oporem à continuidade da ajuda financeira e militar à Ucrânia.

Conservadores devem resistir à onda populista

Pelas pesquisas, a maioria dos partidos alemães estabelecidos deve ser castigada no Leste, mas há uma exceção: a conservadora CDU, o antigo partido da ex-chanceler Angela Merkel, que ainda aparece com dois dígitos das intenções de voto na Turíngia e Saxônia e disputa a primeira posição com a AfD no segundo estado.

Na oposição no plano nacional desde 2021, e hoje mais à direita do que nos tempos de Merkel, a CDU não sofreu o mesmo desgaste entre o eleitorado enfrentado pelas siglas que compõem o impopular governo Scholz. Na Saxônia, a CDU aparece com entre 30% e 32% das intenções de voto – semelhante às intenções da AfD. Na Turíngia, pesquisas indicam que o partido deve conquistar 21% do eleitorado, quase dez pontos abaixo da AfD, mas ainda assim num nível semelhante ao da BSW.

Complicações para coalizões

A ascensão da AfD e da BSW deve complicar a formação de governos viáveis na Turíngia e Saxônia.

A CDU domina o governo da Saxônia desde os anos 1990. O atual governador, Michael Kretschmer, no poder desde 2017, lidera uma coalizão formada pela CDU, os verdes e os sociais-democratas. No entanto, o declínio esperado desses dois últimos pode obrigar Kretschmer a negociar um acordo com a BSW de Wagenknecht, que poderia marcar a estreia do novo partido em uma coalizão de governo apenas sete meses após a sua criação.

Já na Turíngia, o cenário se desenha mais complicado. Em 2020, após eleger um parlamento fragmentado, o estado já havia sido obrigado a formar um governo de minoria – algo inédito na Alemanha até então – liderado pelo partido A Esquerda. No entanto, diante do declínio acentuado dos esquerdistas, o futuro do atual governo deve se complicar.

Pela lógica dos números na Turíngia, a CDU e a AfD não teriam dificuldades em formar uma coalizão de governo com uma maioria confortável, mas os conservadores já avisaram que não pretendem se aliar com os ultradireitistas, mantendo o cordão sanitário que tem afastado a AfD de todos os governos estaduais desde a criação do partido. O fato de a AfD da Turíngia ser liderada pelo “fascista” Höcke é visto como um fator extra para que a liderança nacional da CDU barre qualquer iniciativa do tipo.

Mas mesmo que a AfD não consiga abocanhar o governo por falta de parceiros de coalizão, os ultradireitistas devem ver seu poder aumentar consideravelmente no estado. Com 30% das cadeiras, o partido terá poder para influenciar a escolha de juízes e membros de comissões parlamentares.

Próximo teste: Brandemburgo

O Leste alemão ainda será palco de mais uma eleição em 22 de setembro, em Brandemburgo, o estado que rodeia Berlim. Com 2,5 milhões de habitantes, Brandemburgo deve ser palco das mesmas dinâmicas que a Saxônia e a Turíngia, segundo pesquisas: crescimento da ultradireita e ascensão da BSW, manutenção da influência de conservadores e declínio de esquerdistas, sociais-democratas, verdes e liberais.

No momento, Brandemburgo é governado por uma coalizão de sociais-democratas, conservadores e verdes. Mas, se a tendência das pesquisas se mantiver, a ultradireitista AfD deve formar a maior bancada no estado, conquistando cerca de 24% dos votos. Já a BSW de Sahra Wagenknecht aparece com até 17% das intenções de voto, e também deve empurrar A Esquerda para a irrelevância no estado.