Quando Vitória da Riva comprou seus primeiros hectares de floresta amazônica, a quase 50 km da cidade de Alta Floresta (Mato Grosso), em 1990, não sabia como ia conservar a mata viva. Mas estava decidida a mantê-la em pé. Foi em um treinamento da Conservation Internacional (CI) – que ela mesma ajudou a trazer para o Brasil, quando o conceito de ecoturismo começou a ser disseminado no país – que Vitória descobriu como fazer a floresta dar frutos, com o hotel de selva Cristalino Lodge.

Na mesma década, quando o tema da sustentabilidade ainda era muito novo, em toda a indústria, o chileno Pedro Ibañez apostou em um modelo turístico parecido no seu país. Desde sua fundação, o hotel explora (com “e” minúsculo mesmo) Atacama, no Parque Nacional de Torres del Paine, foi baseado em práticas sustentáveis, que quase não existiam no país, sob o lema “promover a exploração profunda de lugares remotos da América do Sul por meio do luxo do essencial”.

Luis Gomes
Só depois de 18 anos de fundação do Cristalino Lodge, com a conquista de vários reconhecimentos, os fazendeiros vizinhos do empreendimento reconheceram o pioneirismo de vitória

Quase ao mesmo tempo, do outro lado do Atlântico, mais um negócio nascia para conservar os recursos naturais e as riquezas culturais do seu entorno. Colin Bell, sul-africano, e Chris MacIntyre, neo-zelandês, começavam a levar amantes da natureza por áreas selvagens da Botsuana e do Zimbábue com um utilitário 4×4 e quase nenhuma estrutura, além de equipamento para acampar. Logo ganharam um reforço, o também sul-africano Russel Friedman, e batizaram a empresa de Wilderness Safaris. O empreendimento levou um tempo para ser rentável, mas sempre se bancou.

Vanguarda do turismo

A evolução de Vitória no Brasil foi mais lenta e custosa. Na época, a empresária ainda cuidava dos cinco filhos. Somente em 1997 ela criou um acampamento na sua propriedade para oferecer passeios pelo sul da Amazônia. Não teve lucro por muito tempo e viu seu negócio ser rotulado como “marketing missionário”.

Luis Gomes
Vista noturna do bangalô Cristalino Lodge

Ela precisou abrir uma agência de turismo para negociar seus próprios pacotes de viagem, porque ninguém queria trabalhar com o produto. “Provavelmente por desacreditar no modelo ou por não ver público. Antes, os brasileiros não queriam ir, os aviões­ eram velhos e as instalações, simples.” Formado de início por estruturas modestas de tendas, só em 2005 o Cristalino Lodge começou a ganhar a cara que tem hoje, com a construção de bangalôs.

O primeiro público do hotel foram os estrangeiros, sobretudo observadores de aves vindos dos Estados Unidos, país onde seus pacotes eram comercializados. “Quando recebemos o ornitólogo Theodore Parker, descobriu-se que na região era possível avistar 1/3 de todas as espécies de aves do Brasil. As aves são um forte indicativo de biodiversidade”, diz Vitória.

Samuel Melim
Imagens do Cristalino Lodge, no sul da Amazônia: o hotel foi frequentado no início sobretudo por observadores de pássaros vindos dos EUA

Para os fazendeiros instalados na região, o negócio do ecoturismo não caiu bem. “Fui hostilizada por muito tempo. Eles não gostavam porque eu chamava atenção para a área e ia contra essa cultura de que é preciso destruir para desenvolver”, conta Vitória. Depois de 2008, quando o hotel começou a receber vários reconhecimentos – prêmios de melhor e mais autêntico lodge do mundo – é que um dos seus maiores críticos deu a mão à palmatória. “Você estava 20 anos à nossa frente”, lembra ela.

Hoje com 71 anos, Vitória possui quase 11 mil hectares, 7 mil dos quais transformou em Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) – o que significa uma unidade de conservação criada voluntariamente pelo proprietário. No seu currículo, a empresária tem ainda a conversão de alguns garimpeiros em guias locais e a catequização de muitos hóspedes sobre o que realmente significa ser ecológico, como indivíduo e como empresa.

“Agora, com o nosso reposicionamento – bangalôs e áreas sociais de alto nível, com cozinha de primeira linha, voos melhores e outras comodidades –, o Cris­talino Lodge está recebendo mais brasileiros”, comemora a empreen­dedora.

Inovações Ltda.

Os três casos tratados aqui nasceram há mais de 20 anos e são exemplo do que deve ser um ecoturismo em sua essência. Hoje, com o tema da sustentabilidade já mais incorporado ao mercado, eles continuam a trabalhar na vanguarda e a mostrar que ainda existe muito a fazer para o setor de turismo ser sustentável, além das práticas como reciclagem e manejo do consumo de água.

Divulgação
Paisagem agreste do Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena, onde a explora possui um de seus hotéis

“Nosso desafio é inovar neste novo contexto”, afirma Gonzalo Droppelmann, há dois anos gerente de sustentabilidade da explora. Como o foco da empresa é promover a exploração profunda de lugares remotos da América do Sul, a empresa decidiu transferir o foco das suas ações para fora dos hotéis. A explora – que expandiu seus negócios para Ilha de Páscoa, norte do Chile e, em breve, Peru – otimiza cada vez mais os recursos de operação turística para projetos de conservação.

Em relação aos projetos, os gastos das pesquisas científicas de campo com alojamento, alimentação, logística, transporte e guias profissionais para acompanhar os cientistas costumam ser proibitivos. “Sendo uma empresa de turismo, a explora põe tudo isso à disposição nas épocas de baixa temporada. Ocupamos de forma inteligente recursos que estariam ociosos”, afirma Droppelmann.

KATSUYOSHI TANAKA
Um dos hotéis da explora no Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia chilena

Os investimentos, ele não nega, têm um objetivo declaradamente comercial: valorizar ainda mais o destino que oferecem. “Se não fizéssemos esse tipo de projeto, com os anos, as riquezas bioculturais das regiões em que atuamos poderiam se perder e não faria mais sentido a explora trabalhar nesses lugares. Por isso, sentimos uma grande responsabilidade de cuidar, preservar e conservar essas áreas”, argumenta o gerente.

Entre os projetos desenvolvidos atualmente estão o mapea­mento dos 8,5 mil hectares da Reserva Puritama, em São Pedro do Atacama, que vai virar livro em 2016. Na mesma área, o estudo do comportamento dos gatos andinos pretende evitar a extinção dessa espécie única no mundo, ainda pouco documentada. O explora Rapa Nui, na Ilha de Páscoa, apoia trabalhos de arqueologia com crianças e prepara jovens para trabalhar com energia sustentável. Atualmente, a eletricidade da ilha depende quase que totalmente de geradores a petróleo.

Lugar ao sol

A geração de energia também está no centro da estratégia da rede Wilderness Safaris, que atual­mente opera em nove países: Botsuana, Congo, Quênia, Maláui, Namíbia, ilhas Seicheles, África do Sul, Zâmbia e Zimbábue. “Estamos trocando os geradores à base de combustíveis fósseis por energia solar, reduzimos nossas emissões em 25% nos últimos quatro anos e, dessa forma, evitamos riscos de vazamento do diesel para o ambiente”, ressalta Brett Wallington, gerente de sustentabilidade da empresa.

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Instalações do hotel explora Rapa Nui, na Ilha de Páscoa, que investe no conhecimento da população local

Sete dos camps (hotéis de selva) da Wilderness Safaris já operam totalmente com energia solar e quase todos os outros possuem modelos híbridos. O resultado desse esforço é uma economia de cerca de 650 mil litros de diesel por ano, que evita a emissão de 1.731 toneladas de gases de efeito estufa no período.

Mas a empresa sabe que as pessoas não vivem de sol. Entre os cerca de 70 projetos conservacionistas, sociais e científicos que ela mantém simultaneamente, hoje um estuda o impacto dos empregos oferecidos. “Na Namíbia, em média dez pes­soas dependem do salário de cada funcionário nosso. Em Botsuana, são seis ou sete pessoas. Isso é importante para entendermos os povos com que estamos trabalhando.”

AMLOPEZ
Vista interna do hotel explora Rapa Nui, na Ilha de Páscoa

Desde sua criação, a Wilderness Safaris procura canalizar os benefícios financeiros do autêntico ecoturismo de safári para os moradores das regiões em que atua, por acreditar que isso é fundamental para garantir a conservação da vida selvagem do entorno. O caso mais ilustrativo está na Namíbia. Quando a Wilderness se instalou nesse país, a comunidade local se sustentava basicamente de caça e agricultura.

“Procuramos mostrar que os animais valiam mais vivos. Depois de dez anos operando ali, começamos a dar 20% dos lucros para a comunidade, por meio de um fundo. Eles têm autonomia integral para administrá-lo”, conta Wallington. O que decidiram fazer com isso? Criaram seu próprio camp de safári. E dessa maneira a lição vai se disseminando: desenvolvimento econômico, preservação ambiental e qualidade de vida das co­munidades locais estão intimamente ligados.

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