15/05/2022 - 18:33
“Lembro-me de estar na sala de aula ensinando, e estava com tanta dor que chorava. Simplesmente não sabia o que fazer. Obviamente, tinha que ir embora”. É assim que Judy Birch descreve o que enfrentava quando tinha sintomas menstruais severos.
Birch, que agora dirige a organização Rede de Apoio à Dor Pélvica, sediada no Reino Unido, está entre as bilhões de mulheres que sofrem de sintomas menstruais severos. Chamada dismenorreia, pode incluir sangramento intenso, cólicas fortes e fadiga – ou mesmo náuseas, vômitos e diarreia.
Segundo uma ampla revisão de pesquisas sobre o tema, até 91% das mulheres em idade reprodutiva sofrem de dismenorreia, e até 29% têm dores severas. Segundo a Academia Americana de Médicos de Família, a dismenorreia é severa o bastante para interferir nas atividades diárias de até 20% das mulheres.
E como as mulheres lidam com isso?
“Simplesmente me arrastei”, diz Birch, “não conseguia me concentrar, não conseguia focar (…) simplesmente não estava funcionando corretamente”.
Em alguns países, as mulheres podem tirar licenças legalmente durante o período menstrual. Tais políticas são controversas, e alguns afirmam que elas alimentam o estigma e a discriminação. Acabam sendo tema de intensos debates e enfrentam dificuldade para ganhar força. No entanto, a Espanha pode estar pronta para se tornar o primeiro país da Europa a oferecer esse tipo de licença.
Três dias por mês
Um projeto de lei vazado, previsto para ser apresentado ao conselho ministerial da Espanha na próxima terça-feira, reserva até três dias por mês de licença menstrual. Embora nem todos os detalhes estejam claros, as mulheres precisariam ter sintomas menstruais graves e provavelmente teriam que apresentar um atestado médico para solicitar a licença.
Toni Morillas, diretora do Instituto da Mulher da Espanha, uma agência governamental, disse ao jornal espanhol Público: “Em nosso país (…) temos dificuldade de reconhecer a menstruação como um processo fisiológico que deve gerar direitos.” Morillas também citou dados que indicam que uma em cada duas mulheres tem menstruações dolorosas.
A DW entrou em contato com o instituto e com o Ministério da Igualdade espanhol, onde o órgão está ancorado, mas ambos se recusaram a comentar o tema neste momento.
O rascunho do projeto de lei, que ainda pode ser alterado, é parte de uma nova lei sobre saúde reprodutiva que prevê licença para mulheres que interrompam a gravidez e remove a exigência de aprovação dos pais para abortos em mulheres de 16 e 17 anos. Também elimina o imposto sobre vendas de produtos menstruais, como absorventes e tampões.
Leste Asiático lidera no tema
O Parlamento italiano havia apresentado uma proposta de licença semelhante em 2017, que desencadeou uma ampla discussão sobre se isso poderia aumentar a discriminação no local de trabalho. A proposta acabou não progredindo.
Poucos países – Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Indonésia e Zâmbia – possuem atualmente políticas públicas que concedem licenças menstruais pagas.
Veve Hitipeuw, presidente da Kiroyan Partners, na Indonésia, é uma chefe que deve por lei oferecer essa licença, e também tem tirado proveito dela como empregada.
Ela diz que tem tirado a licença de vez em quando, pois sente fortes dores abdominais durante a menstruação. “Era muito difícil sentar-se de forma adequada. Eu não conseguia trabalhar se tivesse que sentar na minha mesa ou em frente ao meu laptop por oito ou nove horas por dia.”
“Era realmente terrível”, disse Hitipeuw sobre seus períodos menstruais dolorosos. Ela descreveu a política como “realmente útil para mim”.
Ela afirma que, embora nunca tenha tido problemas para tirar ou conceder a licença, “ainda há estigma ou discriminação em torno dessa licença, porque as pessoas pensam: as mulheres são apenas preguiçosas, elas não querem trabalhar”.
Especialmente para trabalhadoras em fábricas, ela acrescenta, onde a produtividade está diretamente ligada ao tempo presente no trabalho, o direito à licença pode existir em grande parte apenas na teoria.
Licença menstrual pode ser problemática
Um olhar sobre o Japão, que introduziu sua política de licenças menstruais em 1947 como parte das reformas do pós-guerra, parece sustentar esse ponto de vista. Uma pesquisa recente descobriu que menos de 10% das mulheres solicitavam a licença menstrual, embora 48% das respondentes tenham tido vontade de tirá-la às vezes, mas nunca fizeram isso por motivos como relutância em pedir ao chefe homem ou porque poucas outras mulheres a tiravam.
Também em países europeus com políticas de licença generosas, não é comum citar a menstruação como motivo para tirar uma folga. Na Holanda, uma pesquisa realizada em 2019 com mais de 30 mil mulheres constatou que, embora 14% tivessem tirado folgas durante a menstruação, apenas 20% delas informaram o verdadeiro motivo.
Um extenso trabalho acadêmico de 2020, publicado como parte de um manual sobre estudos menstruais, delineou os benefícios e as desvantagens da licença menstrual no local de trabalho.
As implicações negativas de tais políticas incluem “perpetuar crenças e atitudes sexistas, contribuir para o estigma menstrual e perpetuar estereótipos de gênero, impactar negativamente a diferença salarial entre os sexos e reforçar a medicalização da menstruação”, diz o estudo.
Tais estereótipos negativos de gênero incluem fragilidade feminina, improdutividade e falta de confiabilidade, enquanto a “medicalização da menstruação” retrata negativamente a menstruação como uma doença que precisa ser “corrigida”, explica o documento.
O artigo também menciona que o universo de pessoas que menstruam pode incluir pessoas não-binárias e transgêneros, que também devem ter acesso a licenças menstruais.
Na experiência de Birch com a rede no Reino Unido, “muitas mulheres são na verdade penalizadas no trabalho se tiram folgas regularmente, como algo mensal”. Elas podem ser punidas ou até mesmo dispensadas. A possibilidade de instituir uma política sobre licenças menstruais varia muito de país para país, ela aponta, e seria muito mais difícil em países como os Estados Unidos, que oferecem poucas licenças remuneradas em geral.
Para Birch, a proposta da Espanha não é suficiente. “Quando se tem esse tipo de dor todo mês, três dias não é nada”. Ela acredita que o ambiente de trabalho em geral precisa ser mais flexível para acomodar mulheres com sintomas menstruais graves.
Esse também é um dos resultados do estudo de 2020, que afirma que “algumas pessoas que menstruam se beneficiariam de flexibilidade no local de trabalho de forma mais geral (por exemplo, mais tempo livre, capacidade de trabalhar em casa, horários de trabalho personalizados)”.
Apoio às mulheres no local de trabalho
A empresa Zomato, uma plataforma de entregas na Índia, tem uma política de licenças menstruais em vigor desde agosto de 2020. A chefe de comunicação da empresa, Vaidika Parashar, diz que há 10 dias de licença durante o ano, além de outras licenças.
Ela descreve um sistema baseado em confiança no qual as funcionárias simplesmente selecionam um emoticon de um calendário com gotas vermelhas como seu status no aplicativo de comunicação interna, sem que ninguém questione. Ela também usa essa licença. “Em um desses dias, eu apenas coloquei o emoticon e fiquei como se não estivesse disponível. Já vi muitas pessoas que o respeitam. É levado muito a sério aqui”, diz.
A empresa tem feito esforços para promover uma cultura empresarial que não estigmatize a licença menstrual. A política vale para “todos os gêneros aplicáveis”, incluindo pessoas transgênero. “Você não deve se sentir desconfortável com isso, é uma função biológica”, diz.
A implementação da política acabou aumentado a produtividade na empresa, afirma ela. Na pesquisa com mulheres da Holanda, a perda de produtividade devido ao “presenteísmo”, ocasiões em que cerca de 81% das mulheres foram trabalhar apesar de sintomas menstruais severos, era de quase nove dias por ano.