01/07/2012 - 0:00
No mundo dos negócios editoriais, atualmente, o Brasil circula pela área VIP: foi o país homenageado este ano na Feira do Livro de Bogotá, Colômbia; é o convidado de honra da edição 2013 da Feira de Frankfurt, Alemanha, a mais importante do setor; e será homenageado em 2014 na Feira do Livro Infantil de Bolonha, Itália. Embora não faltem talentos brasileiros, clássicos e contemporâneos, e obras de qualidade, o interesse parece ser muito mais consequência do apelo que o país desperta pelo mundo afora nos últimos tempos do que genuína atração pela literatura nacional. Os escritores brasileiros continuam pouco conhecidos no exterior, com exceção de Paulo Coelho, traduzido para 69 idiomas e presente nos rankings dos mais vendidos de vários países.
Para aproveitar o lugar privilegiado nas vitrines e estantes que o mundo oferece ao Brasil, a Fundação Biblioteca Nacional (FBN), órgão vinculado ao Ministério da , vem pondo em prática uma iniciativa mais consistente de divulgação, apoio logístico e ajuda financeira, destinada a ampliar o número e a variedade de títulos e autores nacionais publicados no exterior.
“O Brasil está em voga”, diz Moema Salgado, coordenadora das ações internacionais da FBN. “Certamente os grandes eventos esportivos que acontecerão aqui contribuem, mas o que mais conta é a situação econômica do país e seu protagonismo na política e na economia internacional, além da exposição na mídia que tudo isso provoca. Aproveitando esse cenário, o governo decidiu fazer um esforço maior para a produção literária brasileira se tornar mais conhecida internacionalmente”, explica a coordemadora.
O primeiro esforço a ganhar corpo nesse sentido é a repaginação do Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior, existente desde 1991. Até agora, tudo o que o programa fez parece um prólogo se comparado ao ritmo que o enredo começa a tomar. Até 2020, a iniciativa deverá receber um investimento de R$ 12 milhões, dez vezes mais do que teve nos dez anos anteriores. Mas, segundo Moema, esse tempo não foi em vão; serviu para estabelecer um diálogo entre o governo e o mercado que permitiu chegar ao formato atual.
1. Machado de Assis
5. Moacyr Scliar
2. Graciliano Ramos
6. Rubem Fonseca
3. Clarice Lispector
7. Paulo Coelho
4. Jorgem Amado
8. Chico Buarque
Subsídio governamental
De 1991 a 2010, 275 títulos receberam bolsa do programa. De 2011 para cá, com o aumento do empenho de divulgação e da verba destinada à ampliação da difusão de autores brasileiros, 37 pedidos foram aprovados. Só no primeiro trimestre deste ano outros 50 pedidos foram aprovados e mais 50 aguardam documentação para serem avaliados na próxima rodada, que acontecerá até três meses após a inscrição. Na prática, o sistema funciona a partir do interesse privado de uma editora estrangeira: a empresa que quer lançar um título brasileiro solicita ao governo subsídio para a tradução. A iniciativa e a escolha do autor partem da editora, não do governo.
Ministra Ana de Hollanda: explicações sobre o sucesso do irmão
A aprovação de 100% das requisições ocorridas até agora não livrou o plano da polêmica. A cada solicitação de tradução de um livro de Chico Buarque a problemática se repete, já que o Ministério da está sob o comando da sua irmã, Ana de Hollanda. Na primeira vez que uma editora francesa pediu apoio para publicar Leite Derramado, a ministra apresentou o caso à Comissão de Ética da Presidência da República, que não identificou conflito ético de interesses. A partir de então, a solução foi resolvida internamente, mas, cada vez que um novo livro do compositor- autor é aprovado, a história ganha mais páginas na mídia.
Na verdade, a ministra tem pouca autonomia para liberar verbas em prol do irmão, já que, para obter uma bolsa, uma editora estrangeira precisa ser atuante no mercado, inscrever seu pedido demonstrando capacidade para distribuir os livros, deter previamente os direitos autorais para publicação do título e apresentar o currículo do tradutor com quem pensa trabalhar.
Todas as propostas são avaliadas pelo Conselho Interdisciplinar de Pesquisa e Editoração, da FBN, que pode solicitar apoio de consultores externos. Não existe um limite de solicitação por editora, tampouco restrição quanto a autores ou títulos. O valor da bolsa é calculado em função do tamanho e complexidade da obra e de custos locais de tradução, podendo ir de US$ 2 mil a US$ 8 mil, para obras inéditas. É possível, também, fazer uma requisição para reeditar obras esgotadas há mais de três anos, que podem contar com uma bolsa de US$ 1 mil a US$ 4 mil.
Apoio reconfortante
Na análise de Felipe Lindoso, jornalista, antropólogo e consultor do projeto Conexões Itaú l, que mapeia a visibilidade dos autores brasileiros no exterior, o ponto mais positivo do atual formato do programa é a perspectiva de continuidade por anos, com avaliações periódicas e sistemáticas, o que facilita o planejamento das editoras interessadas. “Outra novidade interessante é a flexibilidade dos valores concedidos e dos planos de divulgação que a editora solicitante deve apresentar”, destaca.
A coordenadora da FBN reconhece que o programa era instável, o que causava insegurança nas editoras. Além disso, agora, com maior estabilidade e volume de recursos, já não é mais necessário escolher entre apoiar uma empresa que quer publicar Adriana Lisboa e outra interessada em Clarice Lispector, por exemplo.
Assim, João do Rio, Otávio Júnior, Lima Barreto e Santiago Nazarian estão desembarcando na Espanha este ano pela Ediciones Ambulantes. A brasileira Aline Pereira, diretora e criadora da empresa junto com o espanhol Víctor López, revela que, apesar de representar 10% do total investido para a publicação, é reconfortante sentir o respaldo do governo, porque com outras companhias brasileiras atuantes na Espanha – mesmo entre as que costumam apoiar o cinema e esportistas nacionais – não se consegue obter incentivos ou fechar parcerias.
” Acredito, realmente, que programas como esse são
essenciais para promover a literatura de um país,
principalmente da chamada high culture. “
Sabine Baumann
As bolsas se propõem a cobrir de 50% a 80% dos custos de tradução, exclusivamente. Gastos de impressão, distribuição e marketing não são contemplados pelo programa. Apesar disso, ao assinar o acordo para receber essa assistência do governo brasileiro, a empresa beneficiada se compromete a entregar relatórios sobre todas essas etapas do processo, como forma de demonstrar que a verba investida fará chegar ao mercado os livros traduzidos de autores brasileiros e não está somente alimentando dados estatísticos.
“O recurso pode não ser enorme, mas é adequado e decisivo”, avalia Lindoso. “Contribui de fato para que seja tomada a decisão de publicar o autor brasileiro. Evidentemente não se trata de, nem se pretendia, cobrir todas as despesas da publicação. As editoras são comerciais e investem nos autores.”
Brasileiros mais lidos no exterior
Machado de Assis
Clarice Lispector
Guimarães Rosa
Jorge Amado
Graciliano Ramos
Milton Hatoum
Chico Buarque
Carlos Drummond
Rubem Fonseca
Oswald de Andrade
Mario de Andrade
Projeto Conexões Itaú l – Mapeamento Internacional da Literatura Brasileira
Na Alemanha, que possui uma das tarifas de tradução mais altas do mundo, as editoras agradecem. “Acredito realmente que programas como esse são essenciais para promover a literatura de um país, principalmente da chamada high culture “, afirma Sabine Baumann, diretora editorial da Scöffling & Co., que deve lançar todos os trabalhos de Clarice Lispector e pretende criar em breve uma coletânea de autores brasileiros da nova geração. Segundo a executiva, os custos de produção são pesados e o sucesso comercial da literatura é limitado pelas suas proporções físicas e populacionais, mas o interesse da mídia especializada e do público leitor é grande.
” Queremos ampliar os autores e os títulos traduzidos pelo mundo afora, assim como a gama de países onde eles são publicados. “
Moema Salgado
Centro e periferia
Na Bulgária, por sua vez, a editora Colibri já publicou Tieta do Agreste e em breve lançará Tereza Batista Cansada de Guerra, aproveitando o ano de centenário do autor Jorge Amado e contando com o apoio da FBN. “Jorge Amado e Paulo Coelho são os autores brasileiros mais conhecidos na Bulgária. Graciliano Ramos também tem um ou outro livro publicado aqui. Infelizmente, a literatura brasileira não é muito conhecida. Esperamos que o Programa de Apoio à Tradução e Publicação de Autores Brasileiros no Exterior ajude a corrigir esse problema”, comenta Sylwia Wagenstein, diretorachefe. No caso da Colibri, os valores das bolsas cobriram praticamente todo o custo de tradução.
Autores mais traduzidos da língua portuguesa
Paulo Coelho
José Saramago
Jorge Amado
Fernando Pessoa Leonardo Boff
António Lobo Antunes
Eça de Queirós
José Mauro de Vasconcellos
Clarice Lispector
Machado de Assis
Fonte: Index Translationum, Unesco
Nessa tentativa de reescrever a forma como a literatura do Brasil é conhecida lá fora, as traduções de escritores brasileiros – sejam contemporâneos ou clássicos – em países periféricos como a Bulgária são tão importantes quanto as realizadas em polos econômicos e culturais, como França, Espanha, Reino Unido, Itália e Alemanha. “Queremos ampliar os autores e os títulos traduzidos pelo mundo afora, assim como a gama de países onde eles são publicados. Na Feira do Livro de Frankfurt do próximo ano queremos apresentar pelo menos 200 obras que receberam o suporte do programa”, afirma Moema.
O novo capítulo governamental da literatura brasileira prevê mais ações paralelas ao subsídio às traduções. A FBN planeja financiar também intercâmbio de tradutores e estadia de autores brasileiros no exterior, assim como reforçar sua participação em feiras. Exemplo disso foi o lugar de destaque que o Brasil ocupou com uma homenagem ao centenário de Nelson Rodrigues na Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, este ano, levando o prêmio de melhor estande de país estrangeiro.
Para cuidar da qualidade dos textos – nas mais diversas línguas -, está sendo instalado também o Colégio de Tradutores, que será responsável por administrar bolsas para tradutores estrangeiros vivenciarem a língua. O objetivo é alocar os profissionais em cidades históricas, de acordo com o interesse de suas pesquisas, para terem contato com a cultura local e reciclarem os conhecimentos que têm do português do Brasil. “Nesse processo, é fundamental ter bons tradutores. Mas, para isso, é preciso dar corpo a uma nova geração de profissionais dedicados à língua portuguesa falada aqui”, adianta Moema.
Já entre os vizinhos da América Latina, a FBN pretende adotar uma estratégia regional de instalação de bibliotecas bilíngues em cidades fronteiriças, como Tabatinga (AM), que faz fronteira com Letícia (Colômbia); Ponta Porã (MS), com Pedro Juan Caballero (Paraguai); Dionísio Cerqueira (SC) e Barracão (PR), com Bernardo de Irigoyen (Argentina); Uruguaiana (RS), com Paso de Los Libres (Argentina); e Sant’Ana do Livramento (RS), com Rivera (Uruguai).
Felipe Lindoso: subsídio pequeno e decisivo.
Todo esforço em fazer a produção cultural brasileira conhecida no exterior talvez possa reverter a imagem estereotipada do país do futebol, das belas paisagens naturais e da nudez carnavalesca. Em longo prazo, pesquisadores e tradutores sonham com ações mais decisivas, tais como o financiamento de cátedras em universidades do exterior, convites para editores estrangeiros visitarem o Brasil e a criação do Instituto Machado de Assis, à semelhança do Instituto Camões, português, e do Instituto Cervantes, espanhol.