01/10/2008 - 0:00
Descartados em países desenvolvidos, aparelhos eletrônicos
como televisores e computadores geralmente vão parar em
nações em desenvolvimento, como Gana – e lá se tornam um
grande problema para a saúde e o meio ambiente
Os equipamentos eletrônicos são uma das mais conhecidas fontes de metais pesados, materiais tóxicos e poluentes orgânicos no lixo urbano. Devido à velocidade com que a tecnologia está mudando, as pessoas trocam seus aparelhos a intervalos cada vez mais curtos; só nos Estados Unidos, estima-se que cerca de 30 milhões de computadores sejam jogados fora anualmente. Todos os grandes personagens dessa indústria também são encontrados nesses restos: Apple, Epson, IBM, Dell.
Crianças de Gana, na África Ocidental, podem conseguir muito dinheiro desses refugos extraindo, com a ajuda do fogo, o cobre contido em computadores, televisores, rádios, câmeras e baterias de celulares, já que muitos ganeses sobrevivem com apenas dois dólares por dia. Mas os perigos que o lixo eletrônico representa para o meio ambiente e a saúde humana do país são reais.
AS PREOCUPAÇÕES com o lixo eletrônico (e-waste, em inglês) estão crescendo ao redor do mundo, em especial nos países desenvolvidos. Mas em muitas nações em desenvolvimento, como Gana, a necessidade de examinar com muita atenção esse assunto ainda não foi devidamente assimilada.
Aparelhos eletrônicos são uma das mais conhecidas fontes de metais pesados
E-waste é o nome genérico atribuído aos aparelhos eletrônicos ou computadores descartados. Esses itens possuem diferentes origens e abrangem televisores, computadores pessoais (PCs), telefones, aparelhos de ar condicionado, celulares e brinquedos eletrônicos, além de elevadores, geladeiras, lava-louças, secadoras, equipamentos para cozinha e até aviões.
O aumento na quantidade de peças descartadas no sistema está muito relacionado à velocidade do avanço tecnológico e da inovação, associada a um alto índice de obsolescência. Como o papel representado pela tecnologia no desenvolvimento socioeconômico é bastante crítico, o tema do lixo eletrônico se tornou complexo.
É claro que nenhuma nação pode se desenvolver sem know-how e expertise tecnológica. Mas a tecnologia deixa em seu rastro alguns custos, incluindo o lixo eletrônico e as conseqüências associadas a ele. Elas reverberam em perigos potenciais para a saúde e o meio ambiente.
À esquerda, computadores descartados nos arredores de Acra, a capital ganesa. Acima, menino leva fios de cobre extraídos de aparelhos cujas partes de plástico foram derretidas pelo fogo.
DE ACORDO COM A Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, dos cerca de 30 milhões de computadores jogados fora anualmente no país, apenas 14% são reciclados. Os dados disponíveis mostram ainda que, por volta do fim de 2004, mais de 314 milhões de computadores estavam obsoletos e, no final de 2007, os aparelhos ultrapassados já somavam 500 milhões. Com isso, o tempo de vida médio dos computadores norte-americanos reduziu-se a menos de dois anos. Para a maioria das pessoas, o encanto da nova tecnologia é tão forte que os usuários preferem comprar um novo computador a reformar um velho, e os PCs que não podem ser reformados vão se juntar à pilha de aparelhos descartados. Outra estimativa indica que, em 2010, 100 milhões de celulares e 300 milhões de PCs serão despejados em algum lixão.
Como é difícil obter estatísticas acuradas em Gana, as estimativas do número de PCs no país não são prontamente disponíveis. Além disso, o índice de obsolescência dos aparelhos eletrônicos usados pelos ganeses não é conhecido, pois deve-se considerar o fato de que boa parte deles já é velha.
Descartados em países desenvolvidos, aparelhos eletrônicos
como televisores e computadores geralmente vão parar em
nações em desenvolvimento, como Gana – e lá se tornam um
grande problema para a saúde e o meio ambiente
O e-waste é conhecido por conter poluentes químicos perigosos lançados na atmosfera e nas águas subterrâneas. As formas de descarte, que incluem o despejo dos aparelhos velhos em aterros ou sua queima, também expõem os humanos e o meio ambiente a um coquetel de venenos e substâncias químicas tóxicas, como chumbo, cádmio, mercúrio e arsênio.
Os tubos de raios catódicos da maioria dos monitores de computador e telas de televisores possuem blindagens anti-raios X que contêm entre 1,8 e 3,6 quilos de chumbo, em geral incrustado em vidro. Os monitores de tela plana geralmente usados nos laptops não têm altas concentrações de chumbo, mas a maioria deles é iluminada com lâmpadas fluorescentes dotadas de mercúrio. A unidade de processamento central (CPU) de um PC, o módulo que contém o chip e o disco rígido, normalmente possui metais como mercúrio (em comutadores), chumbo (na solda de circuitos eletrônicos) e cádmio (em baterias). Os plásticos usados em computadores domésticos e para cobrir cabos a fim de evitar a propagação de fogo freqüentemente contêm retardantes de chamas polibrominados, substâncias cuja ingestão, segundo estudos, pode aumentar o risco de câncer, lesões no fígado e disfunção no sistema imunológico.
CHUMBO, MERCÚRIO, cádmio e retardantes de chamas polibrominados são todos toxinas bioacumulativas persistentes (PBTs, na sigla em inglês), que podem criar riscos para a saúde e o meio ambiente quando os computadores são fabricados, incinerados, despejados em aterro ou derretidos durante a reciclagem. As PBTs, em especial, são uma classe de substâncias químicas que sobrevivem no meio ambiente e se acumulam em tecidos vivos. Como sua concentração aumenta à medida que se movem para a cadeia alimentar, elas podem atingir níveis perigosos nos organismos vivos, mesmo quando liberadas em quantidades reduzidas. As PBTs têm sido associadas a doenças como o câncer, lesões nervosas e distúrbios de reprodução.
O chumbo causa danos ao sistema nervoso central e periférico, ao sistema circulatório, aos rins e ao sistema reprodutivo nos seres humanos. Seus efeitos negativos têm sido observados no sistema endócrino (inclusive no desenvolvimento do cérebro das crianças). Quando ele se acumula no ambiente, causa efeitos agudos e crônicos em plantas, animais e microrganismos.
Encontrado em componentes como resistores chips (SMDs), detetores de infravermelho e chips semicondutores, o cádmio se acumula sobretudo nos rins e pode ter efeitos irreversíveis na saúde humana. O mercúrio, por outro lado, causa danos a vários órgãos, incluindo o cérebro e os rins. O feto em desenvolvimento, por sinal, é altamente suscetível ao mercúrio por meio da exposição materna.
Meninas recolhem o cobre de aparelhos incendiados em um aterro de Acra. O metal é uma importante fonte de receita num país em que a maioria da população sobrevive com apenas dois dólares por dia.
O PLÁSTICO constitui cerca de 6,25 quilos de um computador comum. O maior volume (26%) do plástico usado em aparelhos eletrônicos é o PVC, cuja queima pode formar dioxina (derivada da clorina ali contida).
O bário é um metal usado no painel frontal do tubo de raio catódico grande de monitores, para proteger os usuários da radiação. Estudos mostraram que uma exposição de curta duração a ele provocou problemas no cérebro, fraqueza muscular, lesões no fígado, coração e baço.
Segundo o governo ganês, o país não tem uma política dedicada ao lixo eletrônico
Outro elemento a ser observado é o toner, pó empregado nas impressoras a laser. O principal componente do toner preto é um pigmento normalmente chamado preto carbono, que, se inspirado por um longo tempo, pode causar irritação das vias respiratórias.
Como tudo isso está bem documentado, é surpreendente que as agências responsáveis pelo meio ambiente e pela saúde do povo ganês não tenham tomado as medidas necessárias a fim de estabelecer mecanismos como os assumidos em outras partes do mundo nessa área.
Consultadas, fontes da Agência de Proteção Ambiental de Gana enfatizaram que não havia nenhuma política relativa ao manuseio do lixo eletrônico no país.
Um passeio pela capital ganesa, Acra, revela pilhas de televisores, PCs e outros equipamentos eletrônicos descartados. Algumas pessoas compram esses aparelhos e retiram deles pedaços para consertar peças que faltam, mas o que acontece com as partes não aproveitadas ainda é uma incógnita. Outras pessoas queimam essas partes, sob condições antihigiênicas e inseguras, a fim de remover alguns itens para usá-los de outras formas.
A AUSÊNCIA DE qualquer política transparente de lixo eletrônico em Gana torna ainda mais assustadora a situação no país. Os ambientalistas acreditam que um grande volume de lixo eletrônico descartado em nações desenvolvidas é enviado para países em desenvolvimento, expondo a problemas de saúde pessoas despreparadas para enfrentar a situação decorrente disso. É até mais surpreendente que, apesar da ampla divulgação dos temas ambientais no mundo globalizado de hoje, os políticos ganeses raramente façam deles um tópico de campanha. Mas o meio ambiente é assunto de direitos humanos, assim como a liberdade de expressão, e já é tempo de os países desenvolvidos enfrentarem decididamente esse problema – sob o risco de vê-lo crescer cada vez mais.