No último mês do ano mais quente já registrado desde 1880, quando a temperatura do planeta começou a ser medida, a humanidade resolveu se unir para tentar mitigar as mudanças do clima e combater o aquecimento global. Depois de duas semanas de debates e negociações, os representantes de 196 países presentes à 21ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP21), realizada em Paris, entre 30 de novembro e 12 de dezembro, assinaram o primeiro acordo mundial da história sobre alterações climáticas. Para muitos, o documento é um avanço enorme em relação à conferência anterior, realizada em Copenhague, em 2009, tida como um grande fracasso. Outros, como climatologistas e organizações não governamentais ambientalistas, consideram-no, no entanto, insuficiente para resolver os problemas que se propõe a solucionar.

Em seus pontos mais importantes, o Acordo de Paris, como ficou conhecido, estabelece como objetivo que a temperatura global não aumente mais do que 2°C até o final de século em relação à média da era pré-industrial, mas com “esforço” para que ela não suba mais do que 1,5°C. O documento também estipula que, para atingirem esse objetivo, os países signatários terão de revisar a cada cinco anos suas metas de emissões e descarbonização de modo que os compromissos de longo prazo sejam cumpridos. Também ficou acertado que as nações desenvolvidas deverão contribuir com US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para financiar os países em desenvolvimento na realização de projetos de adaptação e de mitigação dos efeitos das alterações do clima.

Na apresentação do acordo, que mais tarde seria votado em sessão plenária e aprovado, o ministro das Relações Exteriores da França e presidente da COP21, Laurent Fabius, disse que o texto “faz um grande reconhecimento à adaptação, ao mecanismo de perdas e danos pela mudança climática”, e tudo isso “com base nas capacidades de cada um”. Fabius classificou o documento de “ambicioso e equilibrado”. “Ele contém os principais avanços, que muitos de nós não acreditavam possível”, declarou. “É diferenciado, justo, dinâmico e legalmente vinculante [com força de lei].” Em seu discurso, ele chegou a se emocionar ao lembrar os negociadores de conferências anteriores, que morreram “sem poder ver este dia”.

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Ratificação futura

Na verdade, o acordo é apenas parcialmente vinculante. Há questões ligadas à soberania nacional de cada país que estão fora de seu alcance. Apesar do entusiasmo de Fabius, ele não vai entrar em vigor imediatamente. André Nahur, coordenador do Programa Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, ONG brasileira que faz parte da rede internacional do World Wide Found for Nature (WWF), explica que ele será aberto para ratificação dos países signatários entre abril de 2016 e o mesmo mês de 2017. “Para que passe a vigorar, é necessário que nesse período 55 partes o ratifiquem”, ressalta.

Além de Fabius, também discursou na sessão de apresentação o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, que lembrou a responsabilidade histórica dos delegados dos 196 países presentes. “O mundo inteiro está nos observando”, disse. “Chegou o tempo de deixar os interesses nacionais de lado e agir em termos globais.” Por sua vez, o presidente da França, François Hollande, único chefe de Estado presente na cerimônia, aproveitou seu discurso para pedir aos delegados governamentais que ficassem à altura de um momento único. “O 12 de dezembro de 2015 poderá ser um dia não só histórico, mas uma grande data para a humanidade”, declarou. “É o primeiro acordo universal de nossa história. É rara em uma vida a ocasião de mudar o mundo. Vocês a têm agora. Aproveitem.”

O Brasil também considerou bom o que foi decidido em Paris. “O país está muito satisfeito com o acordo, que reflete as visões que o governo defendeu”, declarou a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, chefe da delegação nacional na COP21. Ela disse que o limite estabelecido de aumento da temperatura até 2100 e o financiamento de US$ 100 bilhões aos países pobres era o que o Brasil defendia. Além disso, a proposta de convergência de objetivos de países desenvolvidos e em desenvolvimento no longo prazo, apresentada pelo governo brasileiro, também é uma das conquistas das negociações.

Elementos importantes

Para Pedro Telles, coordenador do Projeto de Mudanças Climáticas do Greenpeace Brasil, ao assinarem o acordo, governos de todo o mundo reconhecem pela primeira vez a importância de enfrentarem juntos o aquecimento global. “Isso sinaliza para o final da era dos combustíveis fósseis”, diz. “O texto não é perfeito, mas tem elementos importantes: admite pela primeira vez que não podemos ultrapassar 1,5°C de aquecimento global e que a forma mais eficiente de chegarmos a esse objetivo é mover o planeta de uma vez rumo a 100% de energias renováveis e ao fim do desmatamento.”

Suzana Khan, coordenadora executiva do Fundo Verde da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC), considera que o documento assinado em Paris traz avanços significativos em relação ao de Copenhague. “Mesmo sem termos um acordo com metas quantificadas, há consenso sobre os tópicos principais, tais como financiamento, transparência, ambição de longo prazo e medidas de mitigação que precisam ser implementadas por todos os países e devem ser mais severas a cada período de tempo”, diz. “Infelizmente, está tudo sem números, mas pelo menos os elementos necessários para reduzir as emissões de gases do efeito estufa do planeta estão presentes.”

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O acordo fechado em Paris indica que a era dos combustíveis fósseis, como o petróleo (acima), está chegando ao fim, afirma Pedro Telles, do Greenpeace. Eles deverão dar cada vez mais espaço às alternativas limpas, como a energia solar (abaixo)

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Essa falta de metas quantitativas é justamente o ponto mais criticado por climatologistas. Segundo os pesquisadores, a proposta do acordo para limitar as emissões de gases-estufa é muito vaga. Para eles, como o documento não faz menções específicas de zerar as emissões até 2050, o planeta vai aquecer bem mais de 2°C. “Essa formulação que temos agora de ficar em algum ponto entre 1,5°C e 2°C é boa”, declarou Hans Joachim Schellnhuber, diretor do Instituto Potsdam para a Pesquisa do Impacto Climático (PIK). “Mas no texto não estão expressas as ações para se alcançar esse objetivo.”

Nahur, do WWF-Brasil, é um pouco mais otimista. “A COP21 não é um final, mas somente o começo”, diz. “É o início de um processo que levará os países a se reunirem em 2018 para começar a revisão das metas que devem ser apresentadas em 2020, as quais vigorarão até 2030. Elas têm de garantir que não aumentemos a temperatura mundial acima de 1,5°C. A luta por um futuro de segurança climática só começa aqui; precisamos ainda de financiamento adicional e, acima de tudo, fazer o dever de casa.”

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O“Arpocalipse” chinês

É bem verdade que a China, líder mundial em poluição atmosférica e antes arredia a controles climáticos, já havia demonstrado vontade de negociar metas nessa área ainda em novembro de 2014, quando anunciou um acordo com os Estados Unidos (o vice-líder) sobre o tema. Mas a necessidade de o país cuidar da intensa sujeira do ar característica de diversas áreas do seu território, causada sobretudo pelas emissões de usinas a carvão, não poderia receber um sinal em hora mais sincrônica. Em 7 de dezembro, enquanto a COP21 se desenrolava em Paris, a capital chinesa, Pequim, teve de acionar pela primeira vez seu alerta vermelho por causa dos níveis altíssimos de poluição atmosférica atingidos.

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Poluição em Pequim: níveis altíssimos levaram a uma restrição inédita na cidade em dezembro

A metrópole de 23 milhões de habitantes apresentava índices mais de 40 vezes superiores aos considerados seguros. O alerta vermelho, válido das 7 horas da manhã de 8 de dezembro até o meio-dia de 10 de dezembro, proibiu a circulação de metade da frota de veículos e o funcionamento de fábricas e obras de construção civil, além de recomendar o fechamento de escolas e creches e a saída de pessoas às ruas apenas quando necessária. A formação de smog – névoa misturada à fumaça – é comum no inverno no nordeste chinês, onde está a capital, e o alerta vermelho é um paliativo contra os problemas causados por esse fenômeno.