25/12/2025 - 8:19
Encantos recitados foram usados contra doenças através dos séculos. Prática ainda é comum na medicina popular, geralmente com ervas, massagens e outros tratamentos.Muito antes de antibióticos, anestesia e raios X transformarem a medicina, curandeiros no mundo todo tentavam banir doenças com palavras.
Na Idade Média, encantamentos e esconjuros eram usados para se dirigir diretamente a demônios ou partes do corpo que causavam doenças. Essa personalização tinha o objetivo de insultar, ameaçar e expulsar a suposta causa da doença.
Em muitas regiões da Ásia, África, América Latina e Europa, encantamentos ainda são usados hoje em dia na medicina popular ou em rituais religiosos, geralmente em conjunto com ervas, massagens e outros tratamentos.
Encantamentos contra demônios
Um dos exemplos mais antigos de encantamentos vem da Mesopotâmia. Por volta de 1800 a.C. um esconjuro era recitado várias vezes contra o “verme do dente” enquanto uma mistura medicinal era aplicada. O verme era simultaneamente um demônio e uma doença, representando tanto a cárie quanto a dor de dente. As frases tinham o propósito de afastar o verme, e a pomada, de aliviar a inflamação.
“Os encantamentos eram usados para doenças específicas e não para tudo: por exemplo, são frequentemente encontrados em casos de sangramento, epilepsia, dor de dente e parto”, explica a historiadora Catherine Rider, da Universidade de Exeter. A fronteira entre oração e bruxaria era muito debatida. Em seu livro Magia e Religião na Inglaterra Medieval, Rider descreve como teólogos, confessores e médicos constantemente debatiam se uma fórmula ainda era uma oração piedosa ou magia já proibida. Palavras de cura contendo citações bíblicas ou nomes de santos eram geralmente toleradas, enquanto sequências enigmáticas de sílabas eram rapidamente rotuladas como potencialmente demoníacas.
Cura para o corpo e a alma
É importante notar que os encantamentos eram usados principalmente como uma “terapia complementar”, escreveu Rider à DW. “Em livros de medicina medievais, eles são frequentemente listados ao lado de outros remédios, como bebidas, banhos, etc., para que o médico e/ou o paciente pudessem escolher qual abordagem seguir.”
O conhecimento especializado dos sintomas e dos princípios ativos não contradizia os encantamentos, mas sim se combinava com eles para formar um pacote abrangente destinado a tratar tanto o corpo quanto a alma, explicou Rider.
Amuletos e palavras mágicas
A medicina oriental antiga também segue esse princípio duplo: exorcistas recitam contra espíritos, enquanto pomadas, incensos e poções são administrados; amuletos em forma de olhos, com cenas de doenças ou fórmulas, servem para ligar a bênção da cura permanentemente ao corpo.
Na tradição islâmica, certos versículos do Alcorão, como a surata (capítulo) de abertura ou as duas suratas de proteção, são consideradas como tendo poderes de cura. Elas são recitadas sobre os doentes, escritas em papel ou adicionados à água que o paciente bebe – a oração e a fórmula mágica se fundem.
O termo “hocus pocus”, que aparece frequentemente em conexão com métodos de cura alternativos, é uma onomatopeia da fórmula latina da missa “Hoc est enim corpus meum” (“Este é o meu corpo”). O termo também é usado pejorativamente para criticar fraudes e métodos considerados ineficazes ou esotéricos por profissionais da área médica.
Poder curativo das palavras
Palavras repetidas e proferidas com autoridade – por um padre, exorcista ou médico – podem reduzir a ansiedade, atenuar subjetivamente a dor e aumentar a disposição para suportar tratamentos árduos.
Catherine Rider está convencida de que os encantamentos serviam como uma espécie de suporte sugestivo ou psicológico para os pacientes, essencialmente um efeito placebo. “A maioria dos médicos medievais não os explica nesses termos, mas existe um tratado do estudioso árabe medieval do século 9, Qusta Ibn Luqa, no qual ele discute como os encantamentos também ajudam se o paciente acreditar que são eficazes.” Rider argumenta que o estudioso, portanto, delineou o efeito placebo já em 860 d.C.
Como as palavras vencem a doença
Em algumas culturas, as doenças são consideradas ataques de espíritos ou divindades iradas. Encantamentos transformam esses males em uma narrativa compreensível. Aqueles que acreditam saber qual demônio é o responsável conseguem suportar melhor a dor e até mesmo tratamentos dolorosos.
Na perspectiva atual, febre, cárie dentária ou depressão são curadas por meio de medicamentos, cirurgia e psicoterapia. Mas a história dos encantamentos mostra o quão poderosas as palavras podem ser em momentos de crise: elas tornam o invisível, o incompreensível, mais compreensível.
