11/03/2021 - 12:14
O exame de locais de massacre antigos constatou a presença de seres humanos que morreram enquanto lutavam em uma batalha ou em execuções de famílias-alvo. Em outros locais, as evidências mostraram assassinatos de membros de uma comunidade migrante em conflito com comunidades previamente estabelecidas e até assassinatos de pessoas que faziam parte de rituais religiosos.
Mas uma descoberta mais recente feita por uma equipe de pesquisa internacional revelou o local mais antigo documentado de um assassinato em massa indiscriminado. Ele está no que hoje é Potočani, na Croácia. O massacre ocorreu há 6.200 anos.
“O DNA, combinado com as evidências arqueológicas e esqueléticas – especialmente aquelas que indicam violência sistemática, talvez até no estilo de execução – demonstra um massacre indiscriminado e sepultamento aleatório de 41 indivíduos de uma comunidade pastoril antiga no que hoje é o leste da Croácia”, disse James Ahern, professor do Departamento de Antropologia e vice-reitor associado para pós-graduação da Universidade de Wyoming (EUA), um dos autores do estudo. O trabalho foi publicado na revista “PLOS ONE”.
Descoberta inesperada
Mario Novak, pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Antropológica de Zagreb (Croácia), foi o autor principal do artigo. Outros pesquisadores que contribuíram para o estudo atuam na Universidade Pompeu Fabra (Espanha); no Museu Arqueológico de Zagreb e na Universidade de Zagreb (Croácia); na Universidade de Viena (Áustria); na Universidade Harvard e no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA).
Em 2007, o sítio croata passou por uma escavação de “resgate” que ocorreu quando o cemitério foi descoberto durante a construção de uma garagem em um terreno privado, afirmou Ahern. Arqueólogos liderados por Jacqueline Balen, do Museu Arqueológico de Zagreb, trabalhando nas proximidades em uma avaliação de impacto de recursos culturais relacionados à construção de uma rodovia, foram chamados para investigar.
Em 2012, Ahern e Ivor Jankovic (então um cientista pesquisador do Instituto de Pesquisa Antropológica da Universidade de Wyoming, instituição onde hoje é professor adjunto de antropologia e diretor do Instituto de Pesquisa Antropológica) foram convidados pelos arqueólogos responsáveis pelas descobertas de Potočani para analisar os restos do esqueleto. Os restos do esqueleto precisavam ser limpos e inventariados, e a análise básica – como estimativa de idade e sexo, registro de elementos preservados e documentação básica de patologias e trauma – foi conduzida por Jankovic, Ahern e Zrinka Premuzic, doutorando da Universidade de Zagreb.
Poucos parentes próximos
“Este é o caso mais antigo conhecido de assassinato em massa indiscriminado que conhecemos”, diz Ahern. “De certa forma, vai contra a sabedoria convencional sobre os primeiros agricultores – o Neolítico e o Eneolítico – que há muito se pensava terem vivido em pequenas aldeias ou grupos de pastores. A evidência de DNA indica apenas alguns parentes próximos em uma amostra tão grande, o que significa que a violência foi não apenas aparentemente indiscriminada, mas envolveu um subconjunto de uma população local muito maior.”
Pesquisas anteriores mostram que alguns dos primeiros agricultores viveram em grandes assentamentos, como em Catalhoyuk, na Ásia Ocidental, assim como alguns povos eneolíticos posteriores, como aqueles que viveram em Vucedol, nos Bálcãs. No entanto, Potocani é aproximadamente 1.000 anos mais velho que o último assentamento.
A análise genética revelou que 70% dos esqueletos analisados não tinham parentes próximos entre os mortos. Além disso, não houve viés de sexo, uma vez que o número de homens e mulheres encontrados no local era quase igual. Isso indica que o massacre não foi o resultado de uma luta entre homens que seria de esperar em batalhas. Tampouco foi o resultado de um evento de represália contra indivíduos de um sexo específico.
Lesões cranianas foram encontradas em 13 dos 41 indivíduos massacrados no local, de acordo com o estudo.
Mortes violentas
“Embora não tenhamos evidências sobre a causa da morte de outros indivíduos, suas mortes foram quase certamente violentas”, diz Ahern. “Múltiplas datações de radiocarbono, bem como a sedimentologia do sepultamento, indicam um único evento de sepultamento. Além disso, a maioria das mortes violentas não deixa evidências claras de trauma nos restos esqueléticos preservados. Os indivíduos poderiam ter sido estrangulados, espancados, cortados ou esfaqueados em áreas de tecidos moles ou de maneiras que não danificassem os ossos subjacentes.”
O estudo também considerou o papel potencial da mudança climática no evento de sepultamento em massa. Quando o clima muda, recursos como água, vegetação – incluindo ração para gado e outros animais – e animais de caça se tornam menos previsíveis. Além disso, os perigos, como condições meteorológicas extremas imprevisíveis, tornam-se mais comuns.
“Esses fatores tendem a atrapalhar o modo de vida humano, e os grupos às vezes tentam tomar o controle de outros territórios e recursos”, explica Ahern. “O aumento do tamanho da população faz com que os grupos excedam seus recursos locais e exijam expansão para outras áreas. Tanto a mudança climática quanto o aumento da população tendem a causar ruptura social e atos violentos, como o que aconteceu em Potocani, que se tornam mais comuns à medida que os grupos entram em conflito um com o outro.”
Compreender e reduzir a violência
Os dados do estudo revelam como a violência organizada nesse período pode ser indiscriminada, assim como os assassinatos indiscriminados têm sido uma característica importante da vida ao longo da história. Os fatos históricos, o desenvolvimento e as causas da violência humana são cruciais para nossa capacidade de compreender e reduzir a violência em nossa própria sociedade, diz Ahern.
“Talvez, por causa da longa história de violência humana e guerra e sua relevância contemporânea, o público esteja envolvido pelo tipo de narrativa sobre o passado humano profundo que conseguimos recriar por meio de nossa pesquisa científica”, diz Ahern. “Além disso, DNA, hereditariedade e ancestralidade humana são questões que afetam a vida de todos.”