01/09/2008 - 0:00
Vista das cidades fortificadas na Baía de La Valletta. A esquerda, o contraforte do Upper Baraka.
A um minuto do pouso em La Valletta, a pequena capital de Malta, olhei pela janela do avião e vi, surpreso, um país marrom e amarelo. Até onde conseguia enxergar, havia morros baixos de um marrom pardacento pontilhados de construções de múltiplos tons de amarelo. Parecia uma visão de vilas nas bordas do deserto do Saara, que eu vira à farta em filmes e fotografias.
Depois do aeroporto, outra surpresa: aluguei um carro e vi que, como todos os veículos da ilha, ele possuía o volante na direita, herança da colonização britânica. Outras peculiaridades se sucediam: muros baixos de pedras denunciavam plantações de cacto por toda parte. De seus frutos vermelhos é feito o báitra, um licor típico de Malta.
Onde não há cacto ou construções de calcário amarelo existem vinhedos. Apesar do clima quente, o país é um expressivo produtor de vinhos.
Malta é um país realmente singular. Com apenas 316 km2, não possui rios nem montanhas – seu curso d’água mais caudaloso é um ribeirão com um metro de largura e pouco mais de meio metro de profundidade, muito pouco para abastecer a demanda crescente de uma população de quase 400 mil habitantes.
Quase toda a água consumida no país vem de três plantas de dessalinização de água do mar, um processo caro e que demanda grandes quantidades de energia elétrica.
Toda ela é obtida a partir da queima de petróleo, o que encarece tanto a água como a eletricidade e aumenta a dependência energética maltesa.
Apenas 20% dos bens de consumo são produzidos no país. O restante é importado. Com pouquíssimas fábricas – a maioria (na qual trabalham muitos estrangeiros) é de produtos de alta tecnologia -, o país se orgulha de ter no turismo sua mais forte bandeira. Rodeada por águas de um azul-turquesa que remete aos melhores visuais do Caribe, Malta é visitada o ano todo por hordas de turistas (principalmente italianos) ávidos por um oásis tropical em plena Europa. E dá-lhe tropical – de junho a agosto, no verão, as temperaturas ultrapassam facilmente os 35º C. Mesmo no inverno, de dezembro a fevereiro, o frio é ameno, dada a localização do país, a 100 km da Sicília, no extremo sul da Itália e a pouco mais de 300 km da Tunísia, no norte da África.
Habitada desde 5.200 a.C., Malta foi disputada por fenícios, cartagineses, romanos, árabes e normandos, mas sua história pode ser dividida em três períodos principais: a ocupação árabe, entre 870 e 1090, a chegada da Ordem dos Cavaleiros de São João ao arquipélago em 1530, expulsa da Ilha de Rodes pelos otomanos, e a ocupação britânica, entre 1801 e 1964, ano da independência do país. Sem esquecer, é claro, de sua modesta, porém lendária, participação na Segunda Guerra Mundial, quando foi alvo dos bombardeiros da Luftwaffe nazista por ser um importante elo entre a Itália e a África. As quatro aeronaves velhuscas da força aérea maltesa lutaram contra a Luftwaffe na proporção de um velho avião maltês para dez aeronaves alemãs mais modernas e velozes. Mesmo assim, os malteses resistiram a seis meses de batalhas aéreas, perdendo apenas um avião.
Acima, a entrada do restaurante Ta Rikardu, na Ilha de Gozo. Em seguida, peça préhistórica do museu natural de La Valletta; artista maltês pintando rostos pelas ruas; loja de ferragens em La Valletta; e um dos pratos que integram a sofisticada gastronomia maltesa.
O idioma maltês é falado apenas nas três ilhas que compõem o arquipélago: Malta, Gozo e a pequena Comino (Camúna, para os malteses). Deriva de dialetos árabes da Tunísia, seu vizinho africano mais próximo, mas possui influências do italiano e do inglês. É a única língua árabe que usa o alfabeto latino.
As invasões moldaram o caráter multicultural de Malta. Em toda a parte, são nítidas as influências árabe e italiana – esta sobretudo na comida, no modo de vida e na arquitetura. Os clássicos varais de roupas na varanda, tão comuns em Nápoles, são uma cena característica nas ruas estreitas de La Valletta.
Os moradores da capital disputam concursos de embelezamento em cada viela, recobrindo a frente de suas casas com arbustos, vasos e arranjos elaborados, que amenizam a aridez do amarelo onipresente. Muitas casas têm varandas de madeira e vidro que se projetam acima das calçadas. Num tempo em que era proibido às mulheres sair às ruas, esses terraços funcionavam como um observatório para aplacar o tédio das damas maltesas.
No sentido horário, os arcos do Upper Baraka ao anoitecer; uma das típicas vielas existentes na cidade fortificada de Bírgua; e a guarita que se localiza nessa mesma cidade. A orelha esculpida no alto dela serve de alerta para que “se escute tanto quanto se olhe”.
A rocha calcária, submersa pelas águas do mar em outras eras geológicas, é o principal elemento das construções e cor predominante da paisagem urbana. Ao ser extraído, o calcário é quase branco, mas com o passar do tempo o sol o torna amarelo. Nesse processo, ele adquire diferentes nuances, com predomínio da tonalidade creme. Parte dessas rochas contém muitas conchas pré-históricas e fósseis marinhos delicadamente preservados. Enquanto almoçava numa taverna em Gozo, observei, na parede ao meu lado, emergindo do calcário, uma espécie de trilobita – artrópode que viveu há milhões de anos.
Por sua localização, que lhe confere uma luminosidade quente e duradoura, Malta é com freqüência palco de superproduções hollywoodianas. Filmes como Gladiador, O Conde de Monte Cristo e Tróia foram rodados lá, além de centenas de produções mais modestas.
O recortado litoral do arquipélago está repleto de penhascos. As areias brancas das praias são banhadas por águas quentes, calmas e de um azul espetacular. Veleiros, lanchas e iates cortam as águas, lotadas de turistas encantados com o cenário.
Os malteses são cordiais, alegres e adoram um bom papo. Descobri recantos interessantes a partir de dicas obtidas em animadas conversas com pequenos comerciantes, ambulantes e artesãos.
Em La Valletta, vielas estreitas pontilhadas de bares e restaurantes de comida siciliana e frutos do mar fervem de turistas ao longo do ano.
O fruto do cactus, matéria-prima do Bajtra (báitra), um licor rosado, adocicado e de sabor suave. No alto, a delicada prataria maltesa.
Quase toda a cidade é cercada de muralhas e fortificações, que ao anoitecer recebem uma cuidadosa iluminação de holofotes, o que valoriza muito seu aspecto cênico. Considerada por vários estudiosos como um dos expoentes máximos do barroco europeu, La Valletta possui centenas de monumentos públicos e é uma obra de arte a céu aberto.
De manhã, vale a pena visitar a vila pesqueira de Marsaxlokk (Mársash lóc), perto de La Valletta. Sua baía repleta de barquinhos multicoloridos, emoldurada pelas construções barrocas da “avenida” da praia, proporciona um visual vibrante e colorido. Aproveite para almoçar no Ta Peppi, restaurante pequeno e modesto que serve peixes e crustáceos de preparo simples e surpreendentemente saborosos.
Ainda em Marsaxlokk, perambule pelas barraquinhas de artesanatos que oferecem, dentre um mundaréu de quinquilharias e inutilidades domésticas, belíssimos bordados malteses, doces típicos e garrafas de báitra. Se procura algo mais sofisticado, vá jantar no restaurante do Hotel Meridién, na movimentadíssima baía de Balutta, a cerca de 25 km de La Valletta.
Impensável deixar de ir ao Upper Baraka Gardens, jardim público erigido em 1661, de onde se tem uma visão ampla do Grand Harbour e das cidades fortificadas do outro lado da baía – Vitoriosa (Bírgu, para os malteses), Cospicua e Senglea.
As sacadas de madeira projetadas sobre as calçadas, antigos observatórios femininos.
Conheci ali uma figura curiosa – um senhor de 96 anos, lúcido, falante e de humor afiadíssimo. Membro do Conselho de Notáveis de Malta, advogado e reitor da universidade, ele apreciava a vista sentado com dois amigos. A certa altura de nossa conversa, saiu-se com essa tirada: “Entre a honra e o dinheiro, o segundo será o primeiro”.
Mdina, a “cidade silenciosa”, perdida no tempo, tem becos e vielas tranqüilas, igrejas e casarios antigos. Em 1663, um terremoto destruiu importantes construções medievais, sicilianas e normandas, mas muita coisa foi restaurada e a cidade parece um mundo de outros tempos. Em Mdina existem algumas vidrarias de estilo murano que produzem maravilhas artesanais de vidro, em autêntico estilo maltês.
A população de Malta é 98% católica, e durante o ano todo ocorrem ali festas religiosas, principalmente as comemorações de dias de santos.
Vale uma visita aos penhascos de onde se vê a impressionante Blue Grotto, uma gigantesca formação calcária à beira-mar. Mais interessante do que a visão dessa formação geológica é um passeio de barco por seu interior, com seu arco natural, o teto em abóbada e a iluminação suavemente refletida pela areia branca no fundo de águas rasas e cristalinas.
Por fim, lembre-se de trazer para casa uma garrafa de báitra, o famoso e adocicado licor local. Para ser degustado com exclamações de Sahhiet! (“sarrít” – saúde!)
INFORMAÇÕES ÚTEIS Vôos – Pela Air Malta a partir de Milão, um dos pontos de partida mais utilizados por turistas. Visto – Brasileiros não precisam de visto antecipado para entrar no país; basta obtê-lo na chegada ao aeroporto. Câmbio: US$ 3 = 1 lira maltesa (muita coisa parece baratinha por custar 20 ou 30 cents, mas não se engane: 30 cents malteses são quase US$ 1). Óculos de sol – Em hipótese alguma esqueça-os: a luminosidade é intensa e duradoura e a rocha amarela reflete e potencializa a luz, cansando rapidamente os olhos. Alugue um carro – Mesmo tratando-se de um país diminuto, um carro proporcionará uma incrível autonomia.
IMPERDÍVEL Centro da Cidade – Bares, restaurantes e lojas de artesanato fazem a alegria dos turistas. Há peças belíssimas de prata em toda parte, assim como vidraria maltesa de estilo murano de todos os tamanhos e preços. Vila pesqueira de Marsaxlokk e almoço no Ta Peppi, a poucos quilômetros de La Valletta. Vila de Marsascala – Possui um animado agito noturno, a 15 km de La Valletta. Ilha de Gozo – Os arredores do porto são incríveis, assim como a ilhota de Filfla, os arcos de calcário, os restaurantes nas vielas. Não perca o Ta Rikardu, a taberna onde eu “almocei com o trilobita”. Lagoa Azul – Uma pequena baía espetacularmente azul, na pequena ilha de Comino. Mdina – A cidade silenciosa. Upper Baraka Gardens – Um observatório privilegiado. Três cidades fortificadas – Senglea, Vitoriosa e Cospicua.