Uma equipe de pesquisa internacional liderada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) identificou os registros dentários fósseis do Brasilodon quadrangulares, o mamífero mais antigo conhecido – um pequeno animal “semelhante a um musaranho” que media cerca de 20 centímetros de comprimento e tinha dois conjuntos de dentes. Os resultados foram apresentados em artigo publicado na revista Journal of Anatomy.

As glândulas de mamíferos, que produzem leite e alimentam os filhotes de mamíferos hoje, não foram preservadas em nenhum fóssil encontrado até hoje. Portanto, os cientistas tiveram que confiar em “tecidos duros”, ossos mineralizados e dentes que se fossilizam, para obter pistas alternativas.

Os registros dentários datam de 225 milhões de anos atrás (Triássico Superior), 25 milhões de anos após o evento de extinção em massa Permiano-Triássico que levou à extinção de cerca de 70% das famílias de vertebrados terrestres. O Morganucodon é geralmente considerado o primeiro mamífero, mas seus fósseis mais antigos, representados apenas por dentes isolados, datam de cerca de 205 milhões de anos atrás.

Duas dentições

“Desde que foram encontrados os primeiros fósseis de cinodontes, na segunda metade do século 19, estes pequenos fósseis eram descritos como animais ectotérmicos e ovíparos, isto é: seriam animais de sangue frio e colocariam ovos para sua reprodução”, declarou em comunicado Sergio Furtado Cabreira, doutor em Geologia pelo Programa de Pós-Graduação em Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e coautor do estudo. “Nossa pesquisa demonstrou, através de análises de microscopia das mandíbulas e dos dentes, que estes pequenos animais já apresentavam difiodontia, isto é, apenas uma dentição permanente substituindo a dentição de leite.”

Martha Richter, associada científica do Museu de História Natural de Londres (Reino Unido) e autora sênior do artigo, disse: “Estudos comparativos com dentições de mamíferos recentes e modos de substituição de dentes sugerem que este era um animal placentário e de vida relativamente curta. Datado de 225,42 milhões de anos, este é o mamífero mais antigo conhecido no registro fóssil, contribuindo para nossa compreensão da paisagem ecológica desse período e da evolução dos mamíferos modernos.

Encontrado no Rio Grande do Sul no início dos anos 2000, o Brasilodon é o vertebrado extinto mais antigo com dois conjuntos sucessivos de dentes que inclui apenas um conjunto de substituições, também conhecido como difiodontia. O primeiro conjunto começa a se desenvolver durante o estágio embrionário e um segundo e último conjunto de dentes se desenvolve quando o animal nasce. O padrão de substituição dentária ocorre com o mesmo padrão temporal e morfológico que é uma característica fundamental dos mamíferos. Isso difere dos répteis que regeneram novos dentes várias vezes durante suas vidas, a substituição também conhecida como polifiodontia.

Mudanças no crânio

A difiodontia é um fenômeno complexo e único que, juntamente com a substituição do dente, envolve mudanças profundas e controladas pelo tempo na anatomia do crânio – por exemplo, o fechamento do palato secundário (o céu da boca), que permite que os jovens suguem enquanto respiram no mesmo tempo. Também se demonstrou que esse fenômeno está ligado à endotermia e até mesmo à placentação (nascidos vivos) e pele.

O Brasilodon existiu ao mesmo tempo que os mais antigos dinossauros conhecidos e provavelmente viveu em tocas como os musaranhos de hoje.

A nova pesquisa recua em 20 milhões de anos a origem da difiodontia no Brasilodon e em mamíferos com características biológicas relacionadas e ilumina o debate sobre o surgimento dos mamíferos no tempo profundo.

A professora Moya Meredith Smith, autora colaboradora e professora emérita de Evolução e Desenvolvimento de Anatomia Dentoesquelética no King’s College London (Reino Unido), disse: “A evidência de como a dentição foi construída ao longo do tempo de desenvolvimento é crucial e definitiva para mostrar que os Brasilodons eram mamíferos. Nosso artigo aumenta o nível do debate sobre o que define um mamífero e mostra que ele estava muito mais cedo no registro fóssil do que se sabia anteriormente”.