O sempre nevado Monte Hood, de 3.400 metros de altitude, é o pano de fundo do cenário alternativo de Portland. Ao lado, o interior exótico de um dos clubes para adultos.

 

Quando um jovem norte-americano quer se aposentar, vai para Portland. A capital do Estado do Oregon ganhou fama, nos Estados Unidos e no mundo, de playground para adultos – uma fama à qual faz jus. Não que ela se pareça com Las Vegas, a terra da jogatina que não conhece limites, ou com a infantojuvenil Disney World. Em Portland, os adultos se divertem como adultos.

Ao contrário do norte-americano médio, os nativos se comportam como modelos ultraliberais: votam em bloco nos democratas e no Partido Verde, elegeram um prefeito assumidamente gay, mantêm clínicas de distribuição de Cannabis sativa com fins medicinais e reciclam até papel de bala.

 

 

Não à toa, a cidade lidera o ranking de cidade mais ecológica dos Estados Unidos. Metade do seu consumo de energia vem de fontes renováveis, gerada por usinas geotérmicas e hidrelétricas. O centro é interligado por um bonde gratuito. Um quarto dos trabalhadores desloca-se de bicicleta, transporte público e carona, sem se intimidar com a chuva fina que lava a cidade frequentemente (nada é perfeito). Quem precisa de um veículo só de vez em quando tem acesso ao Zip Car, um serviço de aluguel de carros e caminhonetes elétricos que custa menos de US$ 8 por hora. Os carros são apanhados e devolvidos em diversos pontos da cidade e funcionam direitinho – uma praticidade bastante sedutora. Por tudo isso, Portland é das poucas cidades norte-americanas que conseguiram reduzir suas emissões de carbono, aliviando sua responsabilidade pelo aquecimento global.

A vida noturna da cidade é lendária na costa oeste dos EUA.

Os nativos de Portland se comportam como modelos ultraliberais: votam sempre no partido democrata e reciclam até papel de bala

Mas tanta correção pode ser enganosa. Essa não é uma cidade comportada – e é na hora do lazer que isso fica claro.

Portland está, literal e figurativamente, a meio caminho entre a capital da contracultura, San Francisco, e a terra do grunge e do rock alternativo, Seattle. Seu espírito é resumido num slogan onipresente, pintado nos muros do comércio ou colado em para-choques de carros: “Mantenha Portland esquisita” (Keep Portland w eird). Essa esquisitice tem atraído grandes cineastas, que escolhem a cidade para rodar longas que geram desconforto em audiências médias. A cidade e suas imediações serviram de cenário para os clássicos O Iluminado, de Stanley Kubrick, e Um Estranho no Ninho, de Milos Forman, estrelados por Jack Nicholson, e para a maioria dos longas do diretor Gus van Sant, como Drugstore Cowboy e Garoto de Programa (My Own Private Idaho).

Portland e sua gente vivem essa dualidade – certinhos na hora de votar e de reciclar, mas com uma predileção por diversões bizarras ou criativas.

 

Em que outra cidade de porte modesto – menos de 600 mil habitantes – você pode ir a um antigo teatro de vaudeville, construído nos anos 20, comer pizza e tomar cerveja enquanto assiste a um filme? No Bagdad Theater & Pub você pode. E o que dizer do Ground Kontrol Classic Arcade, uma casa de diversões eletrônicas que oferece máquinas das décadas de 70 e 80, como fliperamas ou Pacmans? Em que outra cidade você pode se casar às três da manhã, num buraco escuro onde são vendidas as famosas rosquinhas Voodoo Doughnuts, favoritas de punks e motoqueiros? Antes de manifestar seus votos de fidelidade, você pode experimentar, se tiver coragem, a rosca que mistura bacon e xarope de bordo – o maple syrup dulcíssimo que os norte-americanos colocam sobre pilhas de panquecas.

 

Garçons do Voodoo Doughnuts, com as rosquinhas favoritas dos motoqueiros.

 

Detalhe do banheiro de uma boate de strip-tease.

O Bagdad Theater e o Voodoo Doughnuts não destoam do resto da vida cultural local. Os habitantes de Portland se empenham em quebrar as regras na hora de se divertir. Em junho do ano passado, as ruas da cidade foram invadidas, à noite, por 13 mil ciclistas pelados, nuzinhos, como vieram ao mundo – um recorde mundial de pedalismo-nudista. A cidade também realiza, há mais de três décadas, um concurso anual de drag queens adolescentes. Se não bastasse, tem o maior número de clubes de strip-tease per capita do mundo. São mais de 50 casas de espetáculos do gênero, que oferecem uma variedade de tamanhos, estilos, idades e formas femininas inimagináveis.

O slogan da cidade: “Mantenha Portland esquisita”.

Curiosamente, apesar de Portland ser pouco afeita às convenções, também tem um lado antiquado. Visitá-la é como viajar no tempo para descobrir como eram os Estados Unidos nos anos 70. Até mesmo o Pearl District, o bairro mais glamuroso da cidade, mescla sem pudor o arrojado com uma atmosfera retrô.

A cidade tem uma política de conservação de edifícios históricos, de fomento a negócios locais e de produção de alimentos nas imediações. A prefeitura também proibiu a instalação de megalojas no perímetro urbano. Walmart e cinemas multiplex, só na periferia. Graças a essa política, o lugar é repleto de lojas charmosas e de mercadinhos onde você é atendido pelos próprios donos.

As ruas são coalhadas de bondes, bicicletas e muitas áreas verdes. Aqui e ali, surgem teatros do tempo do cinema mudo. Além do Bagdad Theater, você pode optar pelo cine Alladin ou pelo Hollywood Theatre, decorados com arabescos e detalhes bizantinos como já não se vê em outras partes do mundo.

 

 

Os imigrantes chineses dinamizaram a culinária da cidade.

 

Corrida de barcos alegóricos no verão, no Rio Willamette.

A natureza também tem algo de nostálgico em Portland. Conhecida como Cidade das Rosas, ela mantém um jardim com mais de 500 variedades. A flor também é celebrada durante a maior de todas as comemorações de Portland, o Rose Festival. Durante duas semanas, no verão, a cidade se congrega às margens do Rio Willamette para participar de desfiles, feiras livres, espetáculos musicais e de teatro ao ar livre.

 

A reputação do bairro chinês não é das melhores.

 

A cerveja artesanal está entre as melhores dos EUA.

 

Vista do bondinho aéreo.

 

Em volta da cidade há muitos rios para rafting.

O ponto alto da festa é a corrida de barcos alegóricos a remo. Canoas esculpidas em forma de dragão, vindas de vários países, disputam a prova. Na frente do barco amarrado ao nariz do dragão, vai o navegador que controla a direção tomada pela embarcação e que é também responsável por agarrar a bandeira da linha de chegada, que configura a vitória. Na outra ponta do barco, um membro da tripulação toca o bumbo para marcar o ritmo dos 16 remadores.

A chamada “cidade das rosas” mantém um jardim com mais de 500 variedades da flor. O festival da rosa é a sua maior comemoração

 

A corrida fluvial é apenas uma das muitas tradições introduzidas pelos imigrantes chineses que começaram a chegar a Portland em meados do século 19. O bairro chinês, marcado por um portal coberto de dragões e outros seres míticos, e ladeado por dois leões de pedra, assemelha- se à Chinatown de San Francisco. Com uma diferença: apesar da culinária interessante, o bairro chinês de Portland é evitado por turistas, assustados com uma má reputação que surgiu no princípio do século passado, quando a área concentrava bordéis e o tráfico de ópio.

 

 

Em 2010, a revista Time chamou Portland de “novo Éden gastronômico”.

 

Bares e cafés se espalham pelas calçadas.

Mas a Chinatown de Portland também é famosa pelo seu Jardim do Despertar das Orquídeas, ou Lan Su Chinese Garden. Ele é inspirado num estilo detalhado de jardinagem criado há mais de mil anos em Suzhou, cidade costeira chinesa. Repleto de pontes, passarelas cobertas e pagodes, o jardim foi pavimentado com 500 toneladas de rochas importadas da China, que sustentam, é claro, orquídeas, mas também bambus, árvores centenárias e plantas aquáticas.

As vinícolas da região produzem um bom Pinot Noir.

Em Portland, a natureza é fundamental para a vida do cidadão. Num raio de 100 quilômetros, é possível fazer rafting em corredeiras geladas, tomar banho em cachoeiras (ultrageladas) ou observar as baleias que, em dezembro, descem do Alasca rumo às águas mais quentes da Califórnia. Os amantes do trekking também podem escalar as dezenas de vulcões extintos da região – alguns bairros de Portland foram construídos sobre uma dessas formações, o Monte Tabor.

A cidade também é extremamente generosa com quem é bom de garfo ou de copo. No ano passado, a revista Time chamou Portland de “novo Éden gastronômico dos Estados Unidos”. Isso se deve, em grande parte, à qualidade dos ingredientes utilizados por seus restaurantes, que se gabam de só usar alimentos frescos, produzidos localmente. E comer bem, na cidade, não é necessariamente caro. Portland também é conhecida pela abundância e diversidade de suas lanchonetes ambulantes, que vendem de tudo, para todos os gostos. Parado em frente a um desses trailers, de pé, você pode experimentar pratos de dezenas de países, da Etiópia à Tailândia, da fondue suíça ao churrasquinho grego.

A Powell’s City of Books é a maior livraria independente dos Estados Unidos. Bom lugar para paquerar.

Portland encontrou um jeito de ser certinha, mas não demais, mantendo o bom humor apesar do céu teimosamente cinzento

Além disso, Portland se esmera na oferta de bebidas que fomentam a vida social. Seus baristas são famosos pela qualidade do café que oferecem e a cerveja artesanal preparada na cidade está entre as melhores do país. Se não bastasse, a região tem muitas vinícolas, que produzem um Pinot Noir considerado de boa qualidade.

Outra paixão local é o artesanato. Nos fins de semana, a população bate ponto no maior mercado a céu aberto de trabalhos manuais dos Estados Unidos. Músicos e artistas de rua animam os visitantes que circulam entre os estandes. Os artesãos oferecem um pouco de tudo: pinturas, esculturas, gnomos de jardim, roupas e joias. A festa é presidida pelo decano dos vendedores, um sujeito conhecido por todos como Spoonman. Vestido com uma camiseta multicolorida e psicodélica e com uma enorme pinça de servir salada que parece atravessar sua cabeça, ele oferece todo tipo de artesanato feito com utensílios de cozinha, de móbiles a pulseiras.

O outro grande ponto de encontro da cidade é a Powell’s City of Books, maior livraria independente dos Estados Unidos. Ela ocupa todo um quarteirão, verdadeiro labirinto de livros novos, usados, esgotados e, em alguns casos, multicentenários. São tantas e tantas alas de corredores repletos de prateleiras que você tem de se municiar de um mapa para não se perder. A Powell’s é o lugar para ver, ser visto, descolar uma aventura ou uma cara-metade, tomar café e, quem sabe, comprar algum livro.

A livraria Powell’s e o mercado de artesanato são os símbolos maiores de uma cidade que encontrou um jeito único de ser certinha, mas não demais, e de manter o bom humor, apesar de um céu que teima em permanecer cinzento. Se além de tudo tivesse sol seria um despropósito.