20/08/2018 - 8:04
A vida moderna é inimaginável sem os plásticos. Eles estão em praticamente todos os produtos tecnológicos que caracterizam a civilização atual. A lista é infindável: computadores, celulares, televisões e até contêineres e assentos de privada, afora produtos descartáveis como talheres, pratos, canudos, garrafas, boias, cordas, embalagens, cotonetes e redes de pesca. Não há dúvida de que é um produto útil, durável e versátil. Mas também é incontestável que os plásticos são uma praga ambiental, que contamina todo tipo de ambiente na Terra. Apenas nos oceanos, estima-se que sejam despejados 8 milhões de toneladas de plástico a cada ano.
Esse volume se espalha por todos os mares do planeta, com destaque para a chamada Grande Mancha de Lixo do Pacífico, localizada entre a costa oeste dos Estados Unidos e o Havaí. Essa “ilha” de entulhos está crescendo mais rapidamente que se previa. Uma pesquisa recente, publicada na revista científica “Scientific Reports”, constatou que ela tem cerca de 80 mil toneladas de plásticos descartados, em uma área de 1,6 milhão de quilômetros quadrados, um pouco maior que o estado do Amazonas (1.559.159km2) e quase duas vezes e meia o território da França (643.800km2). O estudo também concluiu que a mancha ocupa hoje uma área 16 vezes maior do que se estimava.
De acordo com o oceanógrafo Laurent Lebreton, da fundação holandesa The Ocean Cleanup, que desenvolve tecnologias para extrair a poluição plástica dos oceanos e realizou a pesquisa, a situação está pior a cada dia. “Encontramos uma quantidade impressionante e precisamos de medidas urgentes para acabar com o plástico que ocupa a Grande Mancha de Lixo do Pacífico”, declarou, durante a divulgação da pesquisa. Segundo ele, cerca de 20% dos resíduos podem ter chegado à região após o terremoto e tsunami de 2011 no Japão.
A pesquisa da Ocean Cleanup é considerada uma das maiores realizadas até hoje para avaliar a extensão da Grande Mancha de Lixo do Pacífico. Para fazer o trabalho, os pesquisadores contaram com o apoio de 30 navios, várias aeronaves e imagens tridimensionais obtidas do alto e na superfície. Além disso, 1,2 milhão de amostras foram coletadas. Desse total, selecionaram-se 50 itens com data de fabricação legível. Verificou-se que havia plástico de 1977, sete itens da década de 1980, 17 da década de 1990, 24 da década de 2000 e um de 2010.
Fragmentos
A análise também revelou que os pedaços pequenos, que medem menos de meio centímetro, compõem a maior parte do 1,8 trilhão de peças que flutuam na mancha, embora respondam por apenas 8% da massa suspensa no mar. Em todos os oceanos do planeta, estima-se que esse número chegue a 5,25 trilhões, com um peso total de cerca de 290 mil toneladas. As redes de pesca descartadas são responsáveis por quase metade do peso dos resíduos.
Segundo a pesquisadora Daniela Gadens Zanetti, que faz pós-graduação em oceanografia com ênfase em microplásticos na Universidade Federal de Santa Catariana (UFSC), essas partículas estão presentes em todos os habitats marinhos, desde a superfície oceânica até o fundo do mar, e estão disponíveis para todos os níveis da cadeia alimentar, dos produtores primários aos superiores. “Um relatório de 2016 da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que mais de 800 espécies marinhas e costeiras são afetadas pela ingestão desses plásticos”, diz. “Além disso, esses resíduos têm um efeito adverso nas indústrias de pesca, navegação e turismo. O relatório da ONU avalia o custo da poluição causada por detritos marinhos em US$ 13 bilhões.”
Para o professor Sandro Donnini Mancini, do Instituto de Ciência e Tecnologia de Sorocaba da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o problema do lixo de um modo geral é bem complexo e ainda sem solução. “Se mal conseguimos resolver o problema em cidades, imagine no mar”, afirma. “Apesar de todos os alertas, como a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, não creio que a situação esteja melhorando, embora tecnologias venham sendo desenvolvidas para tentar capturar e depois tirar o material dali. A imensidão do oceano torna isso bem difícil, quase um sonho mesmo. Mais do que em qualquer lugar, o ideal é não sujar os mares.”
Mas os plásticos não são os únicos poluentes jogados ao mar. Como observa Sandra Tédde Santaella, do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), o problema vai bem além deles. “Eles são mais visíveis e por isso mais ‘lembrados’, incomodam mais e expõem a situação”, afirma. “Mas aos oceanos chegam vários tipos de resíduos com tempo de degradação muito elevado, como bitucas de cigarro, latas, fraldas descartáveis, vidro, entulho de construção civil, concreto, pneus, tecidos, entre outros.”
Praias poluídas
Seja como for, os plástico compõem o grosso da poluição marítima. Um monitoramento que vem sendo realizado desde 2012, pelo Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO-USP) em parceria com o Instituto Socioambiental dos Plásticos (Plastivida), associação que reúne entidades e empresas do setor, constatou que mais de 95% do lixo encontrado nas praias brasileiras é composto por itens feitos desse material.
O levantamento foi feito em seis praias do estado de São Paulo (Ubatumirim, Boraceia, Itaguaré, Barra do Una, Jureia e Ilha Comprida), três da Bahia (Taquari, Jauá e Imbassaí) e três de Alagoas (Ipioca, Praia do Francês e do Toco). “No total foram realizadas seis coletas, inicialmente com intervalos de seis meses e, depois, de um ano”, conta o biólogo Alexander Turra, do IO-USP, coordenador do trabalho. “Dessas, as mais poluídas são Boraceia e Itaguaré, Praia do Francês e Taquari.” O monitoramento também mostrou que, em São Paulo, o maior volume de lixo se acumula nas dunas ou restingas e é proveniente das atividades de pesca. No Nordeste, o grosso do material é encontrado na areia seca e vem do turismo.
Diante desses resultados, não é de se estranhar que o Brasil ocupe a 16a posição no ranking dos países mais poluidores dos mares, segundo um estudo realizado por pesquisadores americanos e divulgado em 2015. Eles estimaram a quantidade de resíduos sólidos de origem terrestre que entram nos oceanos em países costeiros de todo o mundo. Aqui, todos os anos são lançados nas praias entre 70 mil e 190 mil toneladas de materiais plásticos descartados. Para Sandra, o Brasil é um grande poluidor porque não há educação, conscientização, sensibilização, legislação, orientação e punição no que diz respeito ao lançamento de resíduos no oceano. “Somos todos omissos e culpados, população e Estado”, conclui.
Mancini lista cinco condições para afirmar que o Brasil é um grande poluidor dos mares: economia razoavelmente forte; grande população; muita gente morando no litoral; muita troca internacional marítima e um péssimo gerenciamento de lixo de um modo geral. “Ainda falamos em ‘jogue o lixo no lixo’ e lutamos para acabar com os lixões”, afirma. “Não tem por que termos realidade e comportamento diferente quando falamos de poluição dos oceanos.”
Domínio chinês
A mesma pesquisa de 2015 mostrou que a China, a Indonésia e as Filipinas são os países que mais poluem os oceanos, descartando até 3,5 milhões de toneladas de plásticos por ano. Elas também aparecem nos primeiros lugares de outro levantamento, realizado pela ONG americana Ocean Conservancy. Juntos com a Tailândia e o Vietnã, são responsáveis por 60% dos resíduos desse material encontrados nos mares do mundo.
Segundo Sandra, também é importante lembrar os danos que os resíduos sólidos causam à fauna marinha, pois muitos animais morrem enroscados em linhas, sacos e redes de pesca perdidas. “Ou então por ingestão de pedaços de lixo de diversos tamanhos que ficam no seu trato digestivo por muito tempo e lhes dão sensação de saciedade, levando-os à morte por inanição”, acrescenta. “Além disso, muitos ficam aprisionados nas embalagens, tambores, outros enroscam-se e ferem-se letalmente nos resíduos.”
O mais grave é que a situação tende a piorar. Um relatório recente, divulgado pelo governo britânico, concluiu que até 2025 os oceanos do planeta estarão três vezes mais poluídos com plástico. Outro estudo, tornado público em 2016 no Fórum Econômico Mundial de Davos, afirmou que até 2050 os mares da Terra terão mais pedaços desse produto do que peixes. São materiais que levam pelo menos 450 anos para serem totalmente decompostos.
Para tentar mitigar a situação atual e evitar que ela piore, a Ocean Cleanup está desenvolvendo um sistema de grandes barreiras flutuantes com telas subaquáticas com o objetivo de coletar cinco toneladas de lixo por mês a partir dos próximos anos. “O esforço pode ser inócuo, no entanto, diante de um aumento desenfreado da produção de plástico que, segundo pesquisas, pode triplicar na próxima década”, alertou Lebreton. “É preciso reduzir o desperdício, criar opções biodegradáveis alternativas e, principalmente, mudar a forma como usamos e descartamos os produtos feitos com esse material.”
Depósito de detritos
Descoberta na segunda metade da década de 1980, a Grande Mancha de Lixo do Pacífico está na área do Giro Pacífico Norte, um dos cinco maiores giros oceânicos do mundo, entre a costa ocidental dos Estados Unidos e o Havaí. A mancha acumula resíduos trazidos pelas correntes oceânicas.
Os detritos (plástico fragmentado, em sua maior parte) encontrados nessas águas calmas não são detectados em imagens de satélite por causa de sua baixa densidade: apenas quatro partículas por metro cúbico. Somente quem está em embarcações que se encontram na região consegue vê-los.
Esboço de ação
A comunidade internacional também está se mexendo para tentar resolver o problema do lixo nos oceanos. Em 2011, foi criado o Compromisso de Honolulu, para discutir a questão de resíduos nos mares em nível global. O documento é dirigido a governos, indústrias, organizações não governamentais (ONGs) e demais interessados. Seu objetivo principal é servir como instrumento de gestão para a redução da entrada de lixo nos oceanos e praias, bem como retirar o que já existe.
Um dos resultados concretos do Compromisso de Honolulu foi a assinatura da Declaração Global Conjunta da Indústria dos Plásticos, da qual a Plastivida é signatária. Para implementar no Brasil esse compromisso mundial, a associação, como uma das entidades representantes da cadeia produtiva dos plásticos no país, e o IO-USP assinaram o convênio em 2012. A meta é se capacitar e desenvolver estudos científicos para embasar as discussões no Brasil sobre a questão do lixo nos oceanos.