15/10/2025 - 13:36
Em entrevista exclusiva à DW, ministra do Meio Ambiente e Clima diz que o Brasil segue o resto do mundo com aposta no petróleo, mas defende que é preciso “parar de destruir a natureza por lucro”.Em novembro, os olhos do mundo estarão voltados para a cidade de Belém, na Amazônia, que sedia a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). Depois de décadas de negociações, o evento pode ser o início de uma nova fase: a da implementação, de fato, do que já foi acordado em termos de proteção do clima. Esta é a esperança de Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
Em entrevista exclusiva à DW, ela lembra que esta é uma missão de todos os 196 países-membros da COP, e não só do Brasil, que lidera o encontro.
Marina reconhece que a tarefa é complicada por desafios específicos do Brasil, como a pressão pelo enfraquecimento da legislação ambiental no Congresso e a exploração do petróleo na Margem Equatorial, mas destaca que o país avançou no combate ao desmatamento. E aposta em mecanismos internacionais de financiamento para manter de pé as florestas nos países em desenvolvimento.
Para a ministra, a justiça climática e um futuro sustentável só são possíveis se o mundo mudar logo a forma como enxerga a prosperidade e deixar de “destruir os recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas”.
DW: Qual o maior desafio para o Brasil, neste ano, à frente da COP30 em Belém, na Amazônia?
Marina Silva: Um dos maiores desafios – e obviamente não só do Brasil, mas de 196 países, ainda que o Brasil tenha o papel de liderar esse processo – é fazer com que a COP30 seja um novo marco referencial. Nós ficamos os últimos 33 anos discutindo uma série de regramentos.
Agora, após os dez anos do Acordo de Paris, nós já cumprimos toda essa agenda, e tomamos a decisão de que precisamos ter os meios de implementação, e a COP29 estabeleceu que tem que ser 1,3 trilhão de dólares por ano para ajudar os países em desenvolvimento a fazerem suas transições [R$ 7 bilhões, a serem atingidos até 2025]. Portanto, a COP30 tem o papel de criar esse lastro, esse novo caminho para a implementação daquilo que nós já decidimos.
Por que o financiamento climático continua sendo um ponto de tensão entre países ricos e em desenvolvimento?
O debate não pode ganhar essa dimensão de que os países desenvolvidos, em lugar de fazerem a sua parte, devolvem para os países em desenvolvimento.
Eu vejo que há uma preocupação muito grande com a biodiversidade, com as florestas tropicais. O Brasil apresentou um mecanismo inovador de financiamento global a partir de recursos privados, que é o mecanismo Floresta Tropical para Sempre (TFFF). Ele possibilita alavancar recursos privados oriundos de países desenvolvidos e países em desenvolvimento. Esses recursos são destinados a pagar por hectare de floresta protegida, seja no Brasil, seja no Congo, na Indonésia, na Malásia, onde existam florestas, bem como implementar processos de restauração e proteção de comunidades locais.
O Brasil tem apresentado metas bastante ambiciosas – até 2030 desmatamento zero, redução significativa das emissões até 2035 – e, ao mesmo tempo, quer explorar petróleo na Margem Equatorial, na Foz do Amazonas. Como isso se encaixa na credibilidade de uma liderança climática do Brasil?
Eu acho que a liderança hoje não pode ser vista particularizando os países. A gente precisa olhar para o contexto. A redução das emissões tem que ser olhada do ponto de vista global, tanto de produtores, quanto de consumidores de combustíveis fósseis.
Em relação ao petróleo, ficou decidido que países ricos lideram essa corrida do descomissionamento, da redução das emissões de CO2 por uso de combustível fóssil, tanto por produtores, quanto por consumidores. E os países em desenvolvimento vêm em seguida.
Mas o Brasil é produtor de petróleo, e a exploração da Margem Equatorial seria algo novo. Se isso de fato acontecer, por que o Brasil continua apostando em energias não limpas?
Nesse caso, não é apenas o Brasil. Infelizmente não é. Os países de todos os continentes que são produtores e consumidores continuam fazendo essas apostas.
Mas o Brasil nem precisa dessa energia.
É que o Brasil, internamente, tem essa vantagem comparativa. Nós temos uma matriz elétrica 90% limpa e uma matriz energética 45% limpa. E essa contradição está posta em todos os países desenvolvidos e países em desenvolvimento. O que nós precisamos fazer, com certeza, é uma espécie de mapa do caminho para o fim do uso de combustível fóssil.
O Brasil, inclusive, está se dispondo a ajudar aqueles que não têm as mesmas facilidades que nós. Por isso é que estamos priorizando a questão do hidrogênio verde e o etanol, mas sobretudo os biocombustíveis para a aviação e para o transporte marítimo. No caso do hidrogênio verde, pode ser uma alternativa, mas é preciso que se estabeleça também a troca de tecnologia. É preciso que se abra os novos mercados para que países em desenvolvimento não fiquem apenas com as obrigações, eles possam também ter outras oportunidades de gerar emprego e renda, de combater a pobreza em suas comunidades.
No ano passado, o Brasil viveu um período de queimadas assustador na Amazônia. Quais ferramentas o governo brasileiro tem para evitar que isso se repita?
Temos duas formas de computar o desmatamento. Uma delas é pelo corte raso, a remoção da floresta, e esse tem diminuído. A gente conseguiu, através de mecanismos de comando e controle, e de instrumentos econômicos, fazer uma redução do desmatamento em 46% nos primeiros dois anos do governo Lula.
Por outro lado, com o agravamento da mudança do clima, nós tivemos incêndios avassaladores também no Canadá, no Chile, em Portugal, nos Estados Unidos, e em várias regiões do Brasil, no Cerrado, no Pantanal. Pela primeira vez, a quantidade de perda de floresta por incêndio foi maior do que a perda de floresta por corte raso, como sempre acontecia.
Nós estamos nos preparando cada vez mais para fazer esse enfrentamento. Aumentamos recursos dos órgãos ambientais, o Ibama [recebeu] R$ 800 milhões do fundo Amazônia. Isso vai ser utilizado para aumentar a nossa capacidade de ação, tanto em relação a aeronaves, quanto em relação a suportes tecnológicos de acompanhamento em tempo quase real, para que possamos nos antecipar aos incêndios.
Comparando com muitos países, o Brasil tem uma legislação ambiental bastante forte, mas é difícil implementá-la. Por que a aplicação das leis no Brasil ainda é um ponto tão fraco?
Eu não diria que ainda é um ponto tão fraco. Eu acho que ultimamente ficou tão forte que uma parte da visão reacionária e contrária a essa legislação começou a agir para mudá-la. Enquanto ela não era implementada em governos anteriores, não havia uma atitude de querer mudar a lei no Congresso.
Foi só ter um governo como o presidente Lula, que está reduzindo o desmatamento, retomando a criação de unidades de conservação, fazendo a desintrusão das ações criminosas nas terras indígenas, demarcando as terras indígenas, destinando as áreas com florestas que ainda não foram destinadas para que sejam apenas de proteção ou de uso sustentável… Foi só começar esse processo que começou toda uma batalha dentro do Congresso Nacional – de parte do Congresso, não todo ele – para mudar a legislação no sentido de imprimir retrocessos.
Não é fácil você tirar a lei do papel em qualquer lugar do mundo. Mas é possível fazer isso.
A pressão da crise climática está muito alta no agronegócio. Mais calor, menos água e a produtividade em algumas regiões diminuiu de 10% a 20%. Como o governo pretende integrar o setor em uma transição ecológica?
Nós estamos trabalhando vários processos que vão desde restauração de bacias hidrográficas, como estamos fazendo agora na bacia do Rio São Francisco, até processos de restauração de área degradada. Isso inclui a restauração de mata ciliar, de nascentes e de áreas de recarga. Isso tudo para preservar recursos hídricos. Mas o mais importante é conter o desmatamento.
A senhora foi hostilizada no Congresso há alguns meses. Quando a gente vê a política no Brasil e episódios como esse, surgem algumas dúvidas quanto ao compromisso do parlamento brasileiro com a questão ambiental. Como a senhora analisa isso?
É que em nenhum lugar do mundo o Congresso é homogêneo, e em nenhum lugar do mundo os empresários e agricultores têm uma visão homogênea. A gente tem que olhar para os indicadores, mesmo neste ambiente difícil, contraditório e, às vezes, tensionado. Temos conseguido bons resultados.
Tem uma parte que se coloca de forma muito vocal, mas tem uma outra parte que está buscando fazer o dever de casa. E o bom de tudo isso é que a gente encontra isso em todo o mundo. No Brasil não é diferente. Quando as pessoas me perguntam se eu sou otimista ou pessimista, eu digo que não sou nem pessimista, nem otimista, que o que nós temos que ser é persistentes.
Se a senhora hoje pudesse mudar uma coisa que daqui a alguns anos, olhando para trás, a senhora possa dizer, “isso foi realmente um marco e eu ajudei a fazer”, o que seria?
Eu acho que mudar a mentalidade. Sobretudo a mentalidade de dizer e não fazer, porque hoje muita coisa é dita, mas não é feita. Parar de destruir os recursos de milhares de anos pelo lucro de poucas décadas. Mudar a mentalidade de que a gente para ser próspero, a gente precisa consumir mais. Nós não precisamos ter para nos sentir prósperos e felizes. O que nós precisamos é ser mais justos, mais amorosos, mais respeitosos, mais harmônicos com a gente mesmo, uns com os outros e com a natureza.
Colaborou Camila Araujo.