Quando as tropas do general sérvio-bósnio Ratko Mladic cometeram o genocídio de bósnios muçulmanos no então enclave e zona protegida pela ONU de Srebrenica, em julho de 1995, as imagens do horror se espalharam pelo mundo quase imediatamente: de milhares de refugiados indefesos na base da ONU em Potocari; da separação de mulheres e crianças dos homens; do comandante holandês da Força de Proteção das Nações Unidas brindando com Mladic.

Nos dias que antecederam o genocídio houve mensagens transmitidas por operadores de rádio amador em Srebrenica. E com o massacre já em andamento, os primeiros sobreviventes relataram a caçada e os horrores nas florestas ao redor de Srebrenica.

Embora as dimensões exatas do crime ainda não fossem conhecidas em julho de 1995, já estava claro que ali havia sido alcançado o ápice da política de limpeza étnica da Sérvia na Bósnia, que havia sido cometido um dos piores crimes desde o Holocausto – se não com o pleno conhecimento dos representantes da comunidade internacional, ao menos com seu pressentimento tolerante, e isso numa época em que o lema da cultura da memória europeia já era, e havia muito tempo, “nunca mais!”.

Em 11 de julho de 2025, no dia em que o genocídio é relembrado, dezenas de milhares de pessoas deverão se reunir no memorial em Potocari, perto de Srebrenica – neste 30º aniversário, o total de participantes deverá ser o maior já visto.

Inaugurado em 2003, o Memorial de Srebrenica é um local angustiante, mas digno. Os restos mortais de aproximadamente 7 mil das 8.372 vítimas conhecidas do genocídio, cujos nomes conseguiram ser identificados até o momento, estão enterrados no cemitério. É o local de luto mais importante para os parentes das vítimas. Mas, para eles, a lembrança se mistura à amargura em relação a muito do que ocorreu após o crime em si – algo que poderia ser chamado de um segundo sofrimento.

Negacionismo e relativização

O próprio nome Srebrenica se tornou um símbolo do crime lá cometido. Há amplo consenso internacional de que o Massacre de Srebrenica foi um genocídio, como estabelecido e amplamente documentado pelo Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) em diversos julgamentos. Em 2024, a Assembleia Geral da ONU declarou 11 de julho como o Dia da Memória do Genocídio de Srebrenica, reafirmando assim o caráter genocida do crime.

Mas na Sérvia e na República de Srpska (uma das duas entidades que formam a Bósnia e Herzegovina e a parte do país onde Srebrenica está localizada), que foram responsáveis pelo planejamento e execução do genocídio, a negação e uma forte relativização do crime viraram política de Estado.

Em 2010, o parlamento sérvio aprovou uma declaração de desculpas pelo crime de Srebrenica, mas sem usar a palavra genocídio. Hoje, o Estado sérvio, comandado pelo presidente Aleksandar Vucic, tem ficado muito aquém até mesmo dessa posição.

Vucic foi ministro da Informação do ditador Slobodan Milosevic em 1995. Em 20 de julho daquele ano, com o genocídio ainda em andamento, ele declarou no parlamento em Belgrado que, “para cada sérvio morto, cem muçulmanos [bósnios] seriam mortos”. Ele nunca se desculpou pela declaração, e hoje espalha a narrativa de que “todos os lados sofreram” nas guerras iugoslavas, mas só os sérvios não são reconhecidos como vítimas.

Um genocida como herói

Na República de Srpska, o presidente Milorad Dodik convocou uma comissão liderada pelo controverso pesquisador israelense do Holocausto Gideon Greif. Ela publicou um relatório em 2021 no qual nega o genocídio e lança sérias dúvidas sobre o número de vítimas.

O rosto de Ratko Mladic, que foi condenado por crimes de guerra em Haia, pode ser visto em inúmeros grafites, murais, cartazes e fotografias na República de Srpska e na Sérvia – ele é considerado um herói por muitos sérvios.

Todos os anos, em feriados nacionais, sérvios nacionalistas desfilam em frente ao memorial em comboios, buzinando ou tocando música nacionalista em alto volume. Nas primeiras cerimônias fúnebres após a virada do milênio, sobreviventes que enterravam seus mortos foram cuspidos por nacionalistas sérvios, sem que a polícia interviesse.

Depois de 1995, os prefeitos sérvios de Srebrenica negaram o genocídio de uma forma ou de outra. O atual, Milos Vucic, disse que sua vitória eleitoral em outubro de 2024 foi também uma resposta à resolução da ONU aprovada alguns meses antes.

Lei contra o negacionismo

Também a Hungria, governada pelo premiê Viktor Orbán, uniu-se aos negacionistas sérvios do genocídio: na condição de único país da UE, a Hungria votou contra a resolução da ONU sobre Srebrenica em julho de 2024, juntamente com a Sérvia e a Rússia.

Em julho de 2021, o então alto Representante da comunidade internacional para a Bósnia e Herzegovina, Valentin Inzko, usou seu poder e colocou em vigor uma lei contra a negação do genocídio de Srebrenica. Porém, passaram-se quase quatro anos até que o primeiro veredito contra um negacionista do genocídio fosse proferido, em maio de 2025.

O cargo de alto representante para a Bósnia e Herzegovina foi criado no Acordo de Paz de Dayton, com o poder de intervir em assuntos políticos, promulgar e revogar leis e destituir políticos de seus cargos.

Um único pedido genuíno de desculpas

Até hoje houve apenas um pedido de desculpas genuíno na comunidade internacional por responsabilidade compartilhada pelo Massacre de Srebrenica: em julho de 2022, feito pelo governo da Holanda, que pediu perdão a todas as vítimas e sobreviventes do genocídio pela “falha da comunidade internacional em fornecer assistência adequada ao povo de Srebrenica”.

Embora isso jamais tenha sido provado categoricamente, é muito provável que a comunidade internacional tivesse conhecimento de planos concretos de limpeza étnica no leste da Bósnia no verão de 1995 e os tenha aceitado tacitamente como o preço para negociações de paz bem-sucedidas. Nunca houve uma admissão disso, mesmo considerando que, na época, possivelmente ninguém pudesse prever um genocídio.

Sem lugar fixo na cultura europeia da memória

Para os bósnios, relembrar o genocídio de Srebrenica é um componente fundamental de sua identidade nacional e parte constitutiva do seu Estado. Porém, a conscientização de muitos representantes do Estado bósnio geralmente se limita a uma presença forçada no Memorial de Potocari nos dias 11 de julho.

A maioria dos sobreviventes do genocídio vive em condições modestas, às vezes muito pobres e às margens da sociedade. Apenas as mulheres sobreviventes que não têm parentes homens sobreviventes recebem algum tipo de apoio estatal. Todos os outros não têm status legal como sobreviventes e jamais receberam qualquer assistência estatal, seja material, seja psicológica.

Mas o que talvez seja o mais duro para os sobreviventes é que, mesmo 30 anos após o genocídio e apesar da resolução da ONU de 2024, Srebrenica não tenha um lugar permanente na cultura europeia da memória. Um exemplo disso é o Dia Europeu em Memória das Vítimas de todos os Regimes Totalitários e Autoritários. Desde 2009, a data é lembrada na UE em 23 de agosto, o dia da assinatura do pacto de não agressão entre a Alemanha e a União Soviética, em 1939. Todos os anos, a Comissão Europeia divulga uma declaração alusiva. O Massacre de Srebrenica nunca foi mencionado.