31/03/2025 - 8:23
Cientistas parecem ter solucionado o sexto problema de Hilbert. Estudo, que abre caminhos para a aplicação na engenharia, precisa agora ser revisado por pares.Pesquisadores parecem ter solucionado um enigma matemáticoque intriga cientistas há mais de um século: o chamado sexto problema de Hilbert, proposto há mais de 120 anos pelo influente matemático David Hilbert. Um trio de pesquisadores baseado em universidades dos Estados Unidos conseguiu unificar as leis da física que regem os fluidos em diferentes escalas: tanto o movimento de um oceano inteiro quanto o de cada gota de água que o compõe.
Em 1900, o matemático alemão apresentou 23 problemas fundamentais no Congresso Internacional de Matemáticos. O sexto desses problemas representava um desafio formidável: criar um axioma unificado que pudesse descrever tanto o comportamento de partículas individuais quanto o de fluidos inteiros.
Especificamente, o desafio buscava unir três escalas diferentes: o nível microscópico, onde partículas individuais seguem as leis de movimento de Newton; o nível intermediário ou mesoscópico governado pela estatística de Boltzmann; e o nível macroscópico, onde entram em jogo equações como a notoriamente difícil equação de Navier-Stokes utilizando via transformada de Fourier, que descreve o comportamento dos fluidos.
Agora, um trio de matemáticos afirma ter encontrado a resposta. Zaher Hani, da Universidade de Michigan; Deng Yu, da Universidade de Chicago; e Ma Xiao, também de Michigan, apresentaram um artigo em março, publicado no arXiv – uma plataforma de acesso aberto, ainda aguardando revisão por pares – no qual afirmam ter resolvido o sexto problema de Hilbert.
Reconfiguração dos cálculos
Conforme detalhado no estudo, a equipe conseguiu derivar rigorosamente as equações fundamentais da mecânica dos fluidos, como as equações de Euler e as equações de Navier-Stokes utilizando via transformada de Fourier, a partir de sistemas de partículas microscópicas submetidas a colisões elásticas.
Uma peça fundamental da abordagem foi a reconfiguração dos cálculos usando diagramas criados pelo físico Richard Feynman. Os matemáticos encontraram uma maneira de reduzir o número de diagramas necessários, permitindo-lhes construir um caminho matemático claro desde as leis de Newton até as equações complexas que descrevem os fluidos.
O estudo também resolveu um paradoxo relacionado ao tempo. Como Yu Deng explica na New Scientist, as leis de Newton não são sensíveis à direção do fluxo temporal (e sim reversíveis), enquanto as equações de Boltzmann sugerem uma maneira de demarcar “antes” e “depois”. O trabalho da equipe esclarece quando e como essa mudança ocorre, eliminando a possibilidade de contradições matemáticas.
“Um ano de milagres” para matemáticos chineses
A comunidade matemática chinesa comemorou esse avanço com entusiasmo. Nas redes sociais, de acordo com o jornal South China Morning Post, o evento chegou a ser descrito como parte de “um ano de milagres” para os matemáticos chineses, destacando o papel desempenhado por Deng e Ma no resultado. Como Ma explicou na plataforma Zhihu, o sexto problema de Hilbert se trata de entender se as leis físicas podem ser vistas como consequências lógicas de axiomas matemáticos. Neste caso, parece que sim.
Nesse sentido, alguns especialistas destacam a magnitude desse avanço. “Este é um resultado importante do meu ponto de vista. Eu achava que era algo completamente fora de alcance”, disse à New Scientist Benjamin Texier, da Universidade de Lyon, na França, que não participou do estudo.
No entanto, os próprios pesquisadores são cautelosos. Hani observou que eles não acreditam que seu trabalho encerra completamente a busca de Hilbert, mas abre novos caminhos para uma melhor compreensão das limitações dos modelos matemáticos atuais.
A descoberta tem o potencial de revolucionar a compreensão de fenômenos complexos na atmosfera e nos oceanos. Há um interesse particular em entender o que acontece quando equações de fluidos desenvolvem particularidades – pontos onde soluções matemáticas perdem o sentido – algo comum na ciência atmosférica e na oceanografia.
Diante da complexidade do tema, todas as implicações do novo estudo ainda não estão claras. “Acho que vai ser preciso muito esforço da comunidade [científica] para digerir isso”, disse Texier.
Futuro da mecânica dos fluidos
A importância dessa conquista transcende o campo puramente matemático. As aplicações potenciais vão desde o projeto de sistemas hidráulicos e aerodinâmica até a construção de barragens e pontes, consolidando assim um elo entre a teoria mais abstrata e os problemas de engenharia mais práticos.
O próximo desafio, concordam os pesquisadores, será determinar em quais situações essas equações podem falhar e como a teoria pode ser estendida ou ajustada para descrever fenômenos mais extremos, garantindo que o legado daquele problema de 1900 permaneça vivo nas fronteiras da física e da matemática.