Depois de três décadas de tentativas, matemáticos conseguiram identificar o valor de um número complexo considerado até então impossível de calcular. Com supercomputadores, dois grupos de pesquisadores desvendaram o nono número de Dedekind ou D(9) – uma sequência de números inteiros nos moldes dos mais conhecidos números primos ou a sequência de Fibonacci.

Entre os muitos mistérios da matemática, os números Dedekind, descobertos no século 19 pelo matemático alemão Richard Dedekind, capturaram a imaginação e curiosidade de pesquisadores ao longo dos anos.

Até recentemente, eram conhecidos até apenas o oitavo número Dedekind, desvendado somente em 1991. Mas agora, em uma surpreendente reviravolta, dois grupos de pesquisa independentes da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e da Universidade de Paderborn, na Alemanha, conseguiram o impensável e solucionaram o problema matemático.

Ambos os estudos foram submetidos ao servidor de pré-impressão arXiv: o primeiro em 5 de abril e o segundo em 6 de abril. Apesar de ainda não terem sido revisados por pares, os dois grupos de pesquisa chegaram à mesma conclusão – indicando que o nono número de Dedekind foi finalmente decifrado.

O nono número de Dedekind ou D(9)

O valor para o nono número de Dedekind foi calculado em 286.386.577.668.298.411.128.469.151.667.598.498.812.366. O D(9) possui 42 dígitos em comparação com os 23 dígitos do D(8).

Cada número Dedekind representa o número de configurações possíveis de um certo tipo de operação lógica verdadeiro-falso em diferentes dimensões espaciais. O primeiro número na sequência, o D(0), representa a dimensão zero. Assim, o D(9), que representa nove dimensões, é o décimo número na sequência.

O conceito dos números de Dedekind é de difícil compreensão para quem não gosta de matemática. Seus cálculos são extremamente complexos, pois os números dessa sequência aumentam exponencialmente a cada nova dimensão. Isso significa que ficam cada vez mais difíceis de definir, além de ficarem sempre maiores – por isso, o valor de D(9) foi considerado por muito tempo impossível de se calcular.

“Por 32 anos, o cálculo do D(9) foi um desafio em aberto, e era questionável se algum dia seria possível calcular esse número”, afirma o cientista da computação Lennart Van Hirtum, da Universidade de Paderborn, autor de um dos estudos.

Números de Dedekind

Os números Dedekind são uma série de número inteiros em rápido crescimento. Sua lógica é baseada em “funções booleanas monótonas” (MBFs), que selecionam uma saída baseada em entradas que consistem em apenas dois estados (binários) possíveis, como verdadeiro e falso, ou 0 e 1.

As funções booleanas monótonas restringem a lógica de tal maneira que mudar um 0 para um 1 em apenas uma entrada provoca a mudança na saída de 0 para 1, e não de 1 para 0. Para ilustrar esse conceito, os pesquisadores usam as cores vermelho e branco, em vez de 1 e 0, embora a ideia subjacente seja a mesma.

“Basicamente se pode pensar numa função booleana monótona em duas, três e infinitas dimensões, como um jogo com um cubo de n dimensões. Equilibra-se o cubo num cabo e depois pinta cada um dos cantos restantes de branco e vermelho”, explica Van Hirtum. “Só existe uma regra: nunca se deve colocar um canto branco em cima de um vermelho. Isso cria uma espécie de interseção vertical vermelho-branco. O objeto do jogo é descobrir quantas seções existem.”

Assim, o número Dedekind representa o número máximo possível de intersecções que podem ocorrer em um cubo de n dimensões que satisfaça a regra. Neste caso, as n dimensões do cubo correspondem ao enésimo número Dedekind.

Por exemplo, o oitavo número Dedekind tem 23 dígitos, que é o número máximo de seções diferentes que podem ser feitas em um cubo de oito dimensões satisfazendo a regra.

O cálculo do D(9)

Em 1991, um supercomputador Cray-2 (um dos mais poderosos da época, mas menos poderoso que um smartphone moderno) e o matemático Doug Wiedemann levaram 200 horas para calcular o D(8).

O D(9) teve quase o dobro de dígitos e foi calculado com o supercomputador Noctua 2, na Universidade de Paderborn. Esse supercomputador tem capacidade de realizar vários cálculos em paralelo.

Dada a complexidade computacional para calcular o D(9), a equipe utilizou uma fórmula do coeficiente P desenvolvida pelo orientador da dissertação de Van Hirtum, Patrick de Causmaecker. O procedimento do coeficiente P permitiu o cálculo do D(9) usando uma grande soma em vez de contar cada termo da série.

“No nosso caso, aproveitando as simetrias da fórmula, conseguimos reduzir o número de termos para apenas 5,5*10^18, uma enorme quantidade. Em comparação, o número de grãos de areia da Terra equivale a 7,5*10^18, o que não é para se desprezar, mas para um supercomputador essa operação é bastante gerenciável”, afirma Van Hirtum.

O pesquisador, porém, acredita que o cálculo do décimo Dedekind exigirá um computador ainda mais moderno do que os existentes atualmente. “Se calculássemos agora, era necessário um poder de processamento igual à potência total do Sol”, disse Van Hirtum ao portal Live Science. Isso torna o cálculo “praticamente impossível”, acrescentou.