01/06/2007 - 0:00
Ele é o herói deste texto, mas no início da história era o vilão. Graças ao carrapato- estrela (Amblyomma cajannense), que pode transmitir a febre maculosa, fiquei conhecendo um centro de excelência de medicina preventiva no Brasil: o Núcleo de Medicina do Viajante, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Foi assim: de imediato, um susto. Voltávamos de uma reportagem na cidade de Bananal, divisa dos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, quando, ainda no hotel, Silvia e eu nos deparamos com carrapatos-estrela perambulando por nossos corpos. As notícias que tínhamos a respeito desse pequenino demônio é que ele transmitia a grave febre maculosa.
Talvez pela má fama, ainda que justificada por muitos desses carrapatos, o que eu não sabia até então é que nem sempre eles estão contaminados. De qualquer forma e como prudência e água benta em todo mundo fica bem, logo ao chegar em São Paulo, liguei para um infectologista do Instituto Emílio Ribas, amigo da família, o médico Manoel Schamel, que nos orientou a procurar imediatamente o Núcleo de Medicina do Viajante, no próprio Instituto.
Descuido pode ser fatal
Boa surpresa. Salas e corredores limpos e arejados e pronto atendimento. O Núcleo de Medicina do Viajante, inaugurado em 2000, conta com uma equipe de médicos infectologistas e visa minimizar o risco de adoecimento, prevenindo e orientando os viajantes sobre surtos e epidemias de doenças, assim como sobre os corretos cuidados com a saúde em viagens mundo afora. Atua também na área de tratamentos de doenças adquiridas durante essas jornadas.
No Núcleo, fomos atendidos pela médica infectologista Tânia Chaves, para quem os nossos receios a respeito da febre maculosa eram procedentes. Primeiro, ela verificou os lugares de incidência desse tipo de febre no País e nos tranqüilizou ao informar que a região visitada não estava entre eles.
Querendo se certificar ainda mais, Tânia contatou o Centro de Vigilância Epidemiológica do Estado de São Paulo para conferir a atualização dos relatórios sobre a abrangência dessa enfermidade infecciosa.
Não satisfeita, procurou saber na Secretaria de Saúde de Bananal se havia alguma ocorrência na cidade dessa febre. Posteriormente, como precaução extra, e na eventualidade de a doença vir a se manifestar, pediu que entrássemos novamente em contato com o Núcleo para, então, recebermos o tratamento adequado.
A especialista também nos alertou para diversos procedimentos de precaução em nossas próximas viagens e salientou: “Nós apenas não vacinamos o roteiro.” A combinação de conhecimentos aliada ao bom senso predestina os viajantes a não colocar a sua viagem em sinal vermelho.
Como viajamos continuamente, e já tivemos de enfrentar mais de uma situação difícil em termos de questões de saúde, Silvia e eu somos cuidadosos com a alimentação nos locais que visitamos. Nesse item, sempre somos orientados por nosso homeopata, Francisco Franco, que, sem criar ditadura de refeições, em determinados casos, nos aconselha a levar barras de cereais e frutas secas, e a consumir somente água mineral gaseificada – além de ser de difícil falsificação, ela tem pH acidificado, o que dificulta a multiplicação de bactérias.
…Saúde em risco
Comer em locais de higiene duvidosa pode colocar em risco a saúde do viajante.
Legumes só cozidos e nenhum tipo de carne ou peixe cru completam nossa linha de alimentos. Tal atenção deve ser permanente, pois qualquer descuido pode ser fatal. No Peru, por exemplo, há 12 anos, Silvia contraiu cólera. Se estivéssemos atentos às informações que já corriam de boca em boca sobre uma epidemia de cólera no país e tivéssemos notado que o saneamento básico da região era nulo, não teríamos nos rendido diante de uma pomposa espiga de milho com grãos dourados, vendida por uma indígena em uma das paradas do trem que liga Cuzco a Machu Picchu.
Controlar a fome em determinados lugares significa não cair na malha fina de uma doença infecciosa. E verdade seja dita: na hora da sedução, o delicioso pode ser perigoso. Com perdão pela rima, é apenas para fixar na mente. Comer em barraquinhas ou botequins, nos quais um ovo coberto de moscas se confunde com quibe, e o suco “natural” sai de uma geladeira que serve de armário, é entregar a alma a Deus.
Na melhor das hipóteses, é selar cumplicidade com as diarréias. Para os especialistas das “medicinas do viajante” de diferentes países, que este ano realizam seu 10° Congresso em Vancouver, no Canadá, prevalece a recomendação de fugir dos guias turísticos que prescrevem remédios aos viajantes, ou soluções caseiras como vitamina B12 em excesso, cápsulas de alho e cebola, para afugentar mosquitos: nada disso tem comprovação científica. A exemplo da estaca de madeira para cravar em vampiros, não passam de mitos.
“Só um médico pode avaliar cada caso, prescrever a medicação adequada de acordo com as características da viagem, pois uma medicação inadequada pode causar dano maior, decorrente dos efeitos colaterais. Atenção especial deve ser dada ao diabético, ao hipertenso, ao cardiopata, aos alérgicos a algum tipo de medicamento”, explica Tânia Chaves.
Seu conselho me faz lembrar de uma turista italiana em viagem à África. Ao lhe perguntarem o motivo de não estar comendo nada, relatou que devido a um coquetel de remédios e vacinas que havia tomado antes de partir, para se prevenir contra a malária, febre amarela, dengue, esquistossomose, leishmaniose e doença do sono, entre outras transmitidas por picadas de insetos infectados, seu fígado estava um bagaço.
Resultado: prostrada e com náusea constante, ela não só não estava aproveitando as suas férias como estava detestando o lugar.
Em outra viagem por esse continente, a preocupação de um inglês era tão grande que ele colecionava todos os mosquitos que pousavam em seu corpo. “É para facilitar o diagnóstico, caso eu venha a cair de febre.”
Para a infectologista, 70% das pessoas que vão ao Núcleo de Medicina do Viajante contraíram malária nas áreas de risco da enfermidade. Mas como fazer para visitar uma região que seja endêmica de alguma doença, como a malária? Usar uma roupa tipo anti-radiação? “Vacinas, só as de febre amarela e hepatite tipo A são eficazes e recomendadas. No mais, nossa orientação é criar medidas de barreiras que possam diminuir o risco de contrair enfermidades, evitando as picadas de insetos”, recomenda Tânia.
Optar por roupas claras, calças e camisas de mangas compridas, evitar sair ao amanhecer e ao entardecer, quando os insetos estão à toda, são outras orientações fornecidas pela médica. Além disso, usar repelentes com Di-Etil Etil Toluamida (Deet) na concentração de 35% (esse dado é apenas para esclarecimento, pois, em tal proporção, o repelente é eficaz durante quatro horas, enquanto os mais comuns à venda protegem apenas durante a primeira meia hora).
Contagiado pela alegria
O viajante deve borrifar o repelente também atrás das orelhas e pulsos. Outra medida é impregnar as roupas com o princípio ativo da permetrina, encontrado nas casas de caça e pesca, pois ajuda a afastar os mosquitos. Mais uma dica valiosa: não usar spray nem perfumes à base de aromas florais, que agem como ímã para insetos, e sempre que possível usar mosquiteiros ao dormir.
“Pode ser cansativo reforçar os cuidados, mas, para quem viaja, o Haiti pode estar em Berlim, Madri…”, diz.
Tânia explica que essas prevenções não objetivam desencorajar o viajante, apenas alertá-lo sobre doenças que poderá encontrar nas regiões que pretende visitar, pois problemas existem inclusive em países do Primeiro Mundo. “É o caso do surto de sarampo que se alastrou na Bahia, no final do ano passado.
A doença foi trazida por turistas provenientes da Alemanha e Espanha”, exemplifica.
“Quem nos procurou na época da Copa do Mundo recebeu orientação para se vacinar antes de sair para esses países”, recorda a infectologista. Ela aconselha cuidados em particular aos viajantes que pretendem visitar os países asiáticos, que são ameaçados pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sars) e pela gripe aviária causada pelo HSNI, bem como os países atingidos pela doença da vaca louca.
A viagem é a meta, mas ela não se inicia quando se coloca o pé na estrada. O verdadeiro viajante analisa com antecedência o seu roteiro e procura conhecer as possíveis dificuldades que poderá enfrentar em sua viagem. “A vida é doce e depressa demais”, diz o verso da canção de Lobão. Com as precauções certas, você somente será contagiado pela alegria em sua viagem.
Serviço
Núcleo de Medicina do Viajante do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, tel. (11) 3896-1400, medviajante@emilioribas.sp.gov.br, em São Paulo, e/ou www.cives.urfg.br, no Rio de Janeiro.