Paralisação de três dias provoca fechamento temporário de milhares de clínicas em todo o país. Ministério da Saúde rebate demandas salariais, mas concorda que sistema precisa ser desburocratizado.Milhares de consultórios médicos e clínicas alemãs estão fechados nesta semana, em meio a uma nova alta de casos de covid-19 e gripe – no começo do inverno europeu e da chamada temporada de vírus. Clínicos gerais e especialistas protestam contra as políticas de saúde do governo, que, segundo eles, estariam aumentando custos, diminuindo ganhos e sobrecarregando os profissionais com burocracia.

Os pacientes são aconselhados a procurar atendimento nos serviços de emergência, já que mais de 20 associações médicas aderiram à greve de três dias. Como o dia 1º de janeiro é feriado, a maioria dos consultórios não deve abrir até o dia 2.

“Não entendo por que há uma greve. Temos uma enorme onda de doenças na população no momento. As exigências dos médicos por mais dinheiro são bem conhecidas, [mas] essa greve não nos leva a lugar algum”, afirmou o ministro da Saúde, Karl Lauterbach, em entrevista à emissora pública ZDF na noite de quarta-feira (27/12).

A mesma opinião foi compartilhada por Eugen Brysch, presidente da Fundação Alemã de Proteção aos Pacientes (Deutsche Stiftung Patientenschutz).

“Toda profissão pode entrar em greve por seus interesses, mas essa está atingindo as pessoas erradas. Em particular nas áreas rurais, isso afeta principalmente idosos e vulneráveis. Os médicos precisam levar seus problemas para onde possam realmente mudar alguma coisa, [ou seja], para os ministérios, para Karl Lauterbach ou para as companhias de seguro”, disse Brysch à DW.

“Nem pessoal nem dinheiro”

As associações que participam da greve argumentam que a paralisação tem o objetivo de proteger o bem-estar dos pacientes a longo prazo, descrevendo a ação atual como um “mal necessário”.

Os grupos dizem que cada vez mais consultórios estão sendo forçados a fechar, e cada vez mais médicos estão se aposentando mais cedo em vez de trabalhar por baixos salários, segundo eles como resultado de regras de pagamento impostas a eles pelas seguradoras de saúde.

O modelo de pagamento, introduzido em 1992, fixa um orçamento para todos os diferentes tipos de despesas de saúde no sistema para que as seguradoras mantenham o controle de seus pagamentos. As associações, que pedem a revogação da medida, dizem que isso significa que, se os médicos dedicarem mais tempo a pacientes individuais e continuarem tratando pessoas por meio de um determinado orçamento, especialmente em crises como a última pandemia, eles efetivamente terão que trabalhar de graça.

“A situação nos consultórios médicos tornou-se muito dramática porque a limitação orçamentária significa que muitos consultórios não podem pagar à equipe de especialistas tanto quanto deveriam”, argumentou Dirk Heinrich, otorrinolaringologista e presidente da associação Virchowbund, que está liderando a campanha.

“Ao mesmo tempo, somos forçados a reduzir os tratamentos porque não temos pessoal nem dinheiro suficiente. Isso leva a longas esperas, e os pacientes não conseguem encontrar médicos com capacidade para atendê-los”, disse Heinrich à DW.

Mas o Ministério da Saúde não deu sinais de que irá ceder nesse ponto, ressaltando que os médicos são relativamente bem pagos na Alemanha, em comparação com outros países da Europa.

“Não considero justificável o pedido por mais dinheiro. Há outras profissões no sistema, como cuidadores, nas quais há uma necessidade maior”, afirmou Lauterbach, acrescentando que a reforma do sistema de pagamentos para os clínicos gerais seria discutida.

Burocracia crescente

Lauterbach tem se mostrado mais sensível a outro grande problema que os médicos buscam resolver: o peso da burocracia. Alguns profissionais relatam que estão tão sobrecarregados com formulários a serem preenchidos pelas seguradoras de saúde que não faz nem mesmo sentido abrir todas as cartas.

“A desburocratização é uma demanda justificada que deveria ter sido atendida há anos. Há meses, estamos trabalhando em uma lei para reduzir a burocracia”, disse Lauterbach à ZDF.

O ministro da Saúde da Alemanha prometeu uma reunião de cúpula com os médicos para tratar de suas preocupações, embora tenha advertido que simplesmente despejar mais dinheiro no sistema não é uma proposta colocada na mesa.

Apesar das conversas iminentes, Heinrich insistiu que a greve era necessária: “Ele [Lauterbach] também diz que todos os problemas são conhecidos… Bem, desculpe, se são conhecidos, por que ele não fez nada? Esse é o problema: ele continua anunciando coisas, e nós conversamos e conversamos, mas nada acontece. Portanto, temos que manter a pressão”, afirmou.

“Sistema alemão funciona muito bem”

O sistema de saúde não hospitalar da Alemanha depende de uma rede de clínicos gerais e especialistas que atuam em consultórios particulares, mas que são pagos por seguradoras de saúde. Isso o diferencia de outros sistemas europeus, como o Reino Unido, onde o principal sistema de saúde é público e onde o tempo de espera por consultas tem aumentado cada vez mais.

Heinrich disse que o sistema alemão, comparativamente, funciona bem, mas afirmou que os médicos nas linhas de frente precisam de mais apoio para que possa continuar funcionando.

“Não é como se tivéssemos um sistema que não estivesse funcionando. Nosso sistema alemão funciona muito bem. Temos um limiar muito baixo e acesso rápido à medicina geral e especializada, temos uma rede densa de consultórios especializados. Essa é uma das principais características do sistema de saúde alemão e estamos lutando para mantê-la”, concluiu Heinrich.